O leitor Rinaldo Rodrigues envia a seguinte mensagem ao autor de Gramatigalhas:
"Quando se usam os verbos pago e pagado?"
1) Quanto à conjugação verbal e ao emprego de seu particípio passado, é de comum ensino que se usa o verbo pagar apenas na forma irregular (pago), e isso com qualquer auxiliar, lembrando mesmo Otelo Reis que, "quanto ao particípio regular pagado, não existe mais na linguagem hodierna", lição essa a que tal autor ainda acresce, em outra passagem, que "a forma regular é absolutamente desusada".1 Exs.:
a) "O réu tinha pago a pena";
b) "A pena foi paga pelo réu".
2) Nos dizeres de Édison de Oliveira, na linguagem contemporânea, "estão fora de uso as formas ganhando, gastado e pagado, não só com o auxiliar ser, mas também com o auxiliar ter", motivo por que "estão, pois, superadas construções como:
a) 'Nós teríamos ganhado a partida';
b) 'Ele tinha gastado o tempo inutilmente';
c) 'Tínhamos pagado tudo o que devíamos';
devendo-se preferir:
a) 'Nós teríamos ganho a partida';
b) 'Ele tinha gasto o tempo inutilmente';
c) 'Tínhamos pago tudo o que devíamos'."2
3) Tal tendência ao uso do verbo pagar na forma principal irregular, tanto na voz ativa quanto na passiva, é antiga, sendo raros os exemplos em contrário.
4) Aires da Mata Machado Filho, a esse respeito, transcreve interessante lição de Antenor Nascentes, que resume a questão: "Na língua viva atual, quer com o auxiliar ter, quer com ser, só se usam os particípios irregulares ganho, gasto e pago... Na língua antiga, o regular domina".3
5) Também de oportuna transcrição o ensinamento de Celso Cunha: "De outrora se usavam normalmente os dois particípios. Na linguagem atual preferem-se, tanto nas construções com o auxiliar ser como naquelas em que entra o auxiliar ter, as formas irregulares ganho, gasto e pago, sendo que a última substituiu completamente o antigo pagado".4
6) Fundando-se em lição de Said Ali e anotando que pagado e pago são "formas de particípio passado do verbo pagar correntes em antigos documentos e na época clássica", também Antonio Henriques assegura que, "hoje, a forma pago suplantou a forma pagado".5
7) Em mesma esteira, para Cândido de Oliveira, "ganho, gasto, pago, pego são usados indiferentemente para ambas as vozes (com qualquer auxiliar)", e "os particípios ganhado, gastado, pagado, pegado tendem a desaparecer".6
8) Para Domingos Paschoal Cegalla, pagado é "forma obsoleta, suplantada pela forma irregular pago".7
9) Para Regina Toledo Damião e Antonio Henriques, "pagado está em desuso" na atualidade.8
10) Para Vitório Bergo, "os particípios fortes ganho, gasto, pago, salvo tendem a suplantar as formas em ado, pois que se usam normalmente com os dois tipos de auxiliares".9
11) Quanto a pagado, Sousa e Silva observa que "vai caindo em desuso este particípio, quase sempre substituído pela forma pago".10
12) Observe-se, porém, que Evanildo Bechara acata para esse verbo os particípios regular e irregular.11
13) De igual modo, Cândido Jucá Filho, sem quaisquer explicações adicionais, especifica indiferentemente os particípios pago e pagado, exemplificando com autor de abalizada autoridade:
a) "Estas duas têm pagado bem seu tributo à asneira" (Camilo Castelo Branco).12
14) Também para Eduardo Carlos Pereira, por uma lado, os particípios irregulares pago, ganho e gasto "podem empregar-se na voz ativa com os verbos ter e haver"; por outro lado, "muitas formas regulares", como por exemplo, ganhado, gastado, "podem ser empregadas na passiva com os verbos ser e estar".13
15) Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante consideram pagar um verbo abundante, sendo para tais autores perfeitamente possível o emprego do particípio passado regular (pagado), o qual deverá ser usado com os auxiliares ter e haver.14
16) Muito embora até se possa dizer que a norma culta, na atualidade, tenha preferência pelo particípio passado pago tanto para seu uso com os verbos ter e haver quanto ser e estar, o certo é que ainda não se pode dizer que o particípio pagado esteja em completo desuso ou que seu emprego esteja errado; é ele certo e há de ser usado com os verbos ter e haver.
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1Cf. REIS, Otelo. Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. 34. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1971. p. 91.
2Cf. OLIVEIRA, Édison de. Todo o Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Editora do Professor Gaúcho Ltda., edição sem data. P. 121.
3Cf. MACHADO FILHO, Aires da Matta. "Análise, Concordância e Regência". In: Grande Coleção da Linguagem Portuguesa. 1. ed. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 2, p. 783.
4Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 216.
5Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 134-135.
6Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 205.
7Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 304.
8Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 242.
9Cf. BERGO, Vitório. Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde, 1943. p. 182.
10Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 202.
11Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 110.
12Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar, 1963. p. 461.
13Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p 141.
14Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 175.