Colocação de pronomes - Caso prático
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Atualizado em 26 de outubro de 2022 17:21
O leitor N. R. M. envia a seguinte dúvida para a seção Gramatigalhas:
"Prezado Dr. José Maria: Como vai? Se me permite, quero tirar uma pequena dúvida de português. Acabo de escrever a seguinte mensagem a um amigo: 'Escrevo para lembrá-lo de que (...)'. Tenho algumas dúvidas sobre o uso da próclise - embora seu livro seja bem elucidativo a respeito. A frase em questão está correta, ou o correto seria 'Escrevo para o lembrar de que (...)', considerando que o 'para' atrai o pronome? Desculpe-me pelo incômodo. Forte abraço."
1) Um leitor indaga, em síntese, qual das construções é a correta:
a) "Escrevo para lembrá-lo de que (...)";
b) "Escrevo para o lembrar de que (...)".
2) Para não haver dúvidas, é oportuno reafirmar que, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase:
(i) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!");
(ii) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos");
(iii) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa").
3) No caso trazido para análise, uma primeira observação: não se há de falar em mesóclise, já que esta só pode existir com o verbo em um de dois tempos: futuro do presente e futuro do pretérito. E uma segunda observação: o verbo dos dois exemplos sob apreciação está no infinitivo.
4) E uma análise técnica revela que o leitor quer saber, em última análise, como se coloca o pronome, quando uma preposição (no caso para) precede um verbo no infinitivo (no caso lembrar): em próclise ou em ênclise?
5) Ora, para os verbos no infinitivo, existe, por um lado, a lição de Cândido de Figueiredo, segundo a qual "as preposições pertencem à categoria das partículas que influem geralmente na colocação dos pronomes pessoais atônicos, atraindo-os".1
6) Exemplos colhidos pelo mencionado autor em autorizados escritores de nosso idioma, entretanto, revelam que, quando se tem um infinitivo precedido de preposição, a colocação do pronome átono, em última análise, não se faz em próclise necessária, mas constitui caso de colocação facultativa, a saber, antes do verbo (em próclise) ou depois dele (em ênclise). Exs.:
a) "Até chegou a me dar casa..." (Machado de Assis);
b) "... obriga o procurador a respeitar-lhe as cláusulas" (Rui Barbosa);
c) "... era bastante para sacudir-me da Tijuca" (Machado de Assis);
d) "Chamou-me um escravo para me servir o doce" (Machado de Assis);
e) "Ficou Maria Henriqueta livre por se ver livre do suborno da mãe" (Camilo Castelo Branco);
f) "Senhor, morro por unir-me convosco" (Padre Manuel Bernardes);
g) "... não faltaria Deus em lhe dar um bom dia" (Padre Antônio Vieira).
7) Fixada, assim, a regra de que o infinitivo precedido de preposição permite a colocação facultativa do pronome átono em próclise ou em ênclise, pode-se dizer, quanto à indagação que motivou estas considerações, que estão corretas ambas as formas trazidas pelo leitor: a) "Escrevo para lembrá-lo de que (...)"; b) "Escrevo para o lembrar de que (...)".
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1 FIGUEIREDO, Cândido de. O Problema da Colocação de Pronomes. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1937, p. 320.