Personagem
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Atualizado em 6 de outubro de 2022 17:00
O leitor Wagner Baggio envia a seguinte mensagem ao autor de Gramatigalhas:
"Caro professor, tenho dúvida sobre o uso da palavra 'personagem', no masculino, como 'o personagem'. Penso que 'personagem' deve sempre ser usada no feminino, mesmo que o indivíduo referido seja homem. Estou certo?"
1) Para Napoleão Mendes de Almeida, seu gênero fixo é o feminino, ainda que se refira a pessoa do sexo masculino. Ex.: "Otelo é uma personagem muito expressiva da criação de Shakespeare".
2) Segundo tal autor, constituiria galicismo o uso de tal vocábulo com o gênero masculino.
3) Para Domingos Paschoal Cegalla, "com referência a mulheres deve-se usar o feminino: Capitu é a personagem central do romance Dom Casmurro".
4) Cândido Jucá Filho, porém, embora reconheça ser mais regular o feminino, aponta-a como palavra tanto masculina quanto feminina, cujo uso independe do gênero do vocábulo a que se refere, como dá testemunho o exemplo que cita: "Caxias foi uma grande personagem na Guerra do Paraguai".
5) Para João Ribeiro, "hoje se diz arbitrariamente: o ou a personagem", acrescentando tal gramático, em outra passagem de sua obra, que tal vocábulo "ainda hoje tem gênero incerto".
6) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira também partilha do entendimento desse último autor, exemplificando de modo expressivo: "A criança é um dos personagens mais bonitos do quadro".
7) Júlio Ribeiro arrola-o entre os substantivos que "são indiferentemente masculinos ou femininos".
8) Também para Evanildo Bechara, a palavra tanto pode ser masculina quanto feminina.
9) Celso Cunha, de modo taxativo, leciona: "Diz-se, indiferentemente, o personagem ou a personagem com referência ao protagonista homem ou mulher".
10) Vasco Botelho de Amaral observa que "continua e continuará talvez a hesitação acerca do gênero desta palavra, que nuns autores surge masculina, noutros feminina e, às vezes, no mesmo ora masculina ora feminina, como em Herculano".
11) Acrescenta que, no início do século, dava-se preferência ao feminino, muito embora em Camilo Castelo Branco predominasse o masculino.
12) Cândido de Oliveira arrola-o entre os comuns de dois gêneros: a) "Hamlet é um personagem difícil de interpretar"; b) "Julieta é uma personagem romântica".
13) Cândido Jucá Filho registra que, no português arcaico, "inúmeras palavras que tinham o sufixo agem eram masculinas. Com o tempo, todas vieram dar em feminino, apesar do castelhano e do francês terem preferido o masculino. Personagem, porém, ficou indeciso, quer se trate de homem, quer de mulher... No Brasil, tem predominado porventura o masculino, mesmo tratando-se de mulher".
14) Lembrando que se usa tal vocábulo, indiferentemente, como masculino e como feminino, observa Sousa e Silva que "a condenação do masculino é mero arbítrio, não se apoia nos fatos da linguagem".
15) Para Arnaldo Niskier, "apesar de os puristas insistirem em considerar personagem como um substantivo exclusivamente feminino, modernamente, ele pode também ser usado no masculino".
16) Dirimindo quaisquer dúvidas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras e portador da incumbência de listar oficialmente as palavras de nosso léxico, registra personagem como um substantivo de dois gêneros, o que permite extrair duas conclusões: a) a palavra pode ser empregada no masculino ou no feminino, indiferentemente; b) tal uso facultativo independe do gênero da palavra a que se refira, de modo que estão corretas todas as seguintes expressões: a) "Capitu é a personagem central do romance Dom Casmurro"; b) "Capitu é o personagem central do romance Dom Casmurro"; c) "Caxias foi um grande personagem na Guerra do Paraguai"; d) "Caxias foi uma grande personagem na Guerra do Paraguai".