Escrita e verbalmente ou Escrito e verbalmente?
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Atualizado em 5 de outubro de 2022 16:01
O leitor R. T. L. envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"Prezado professor, ao colocar um recado na porta da sala de meu chefe, o qual dizia: 'Favor não entrar. Solicita-se deixar recado, escrita ou verbalmente.', fui corrigido por uma advogada, colega no setor, e pior, por um diretor nosso. Alegam que a expressão 'escrita ou verbalmente' não seria cabível, sendo correto 'escrito ou verbalmente', ou ainda 'escrito ou verbal'. Concordo com essa última forma proposta, mas a primeira ('escrita ou verbalmente'), envolve uma suposição que não considero incorreta. É como se vê em 'sincera e claramente', 'sucinta e especificamente', 'objetiva e diretamente', enfim, 'escrita ou verbalmente', certo?!"
1) Um leitor relata haver deixado na porta da sala do chefe um recado nos seguintes termos: "Favor não entrar. Solicita-se deixar recado, escrita ou verbalmente". Foi ele corrigido por uma advogada e um diretor. Disseram-lhe que o correto é "escrito ou verbalmente", ou, no máximo, "escrito ou verbal". Serve-se da consulta para indagar qual a forma correta.
2) Por um lado, importa fixar como premissa que um advérbio como o que aqui se considera forma-se em nossa língua pela flexão do adjetivo para o feminino e subsequente acréscimo do sufixo mente. Exs.: a) caloroso > calorosa > calorosamente; b) legal > legal > legalmente.
3) Num segundo aspecto, vale citar o ensino de João Ribeiro: "Os advérbios em mente, quando ocorrem juntos, perdem, exceto o último, aquela terminação. Ex.: 'Discorreu larga e profundamente'. É esse uso clássico. No entanto, hoje em dia se vai generalizando, talvez por influência francesa, o uso de conservar as terminações: 'Discorreu sabiamente, largamente, profundamente'".
4) Tendo em consideração um exemplo de Rui Barbosa - "Essas decisões são perfeitamente, legalmente, constitucionalmente definitivas" - observa Souza e Silva que nosso grande expoente da língua "se teria expressado com menos energia se dissesse: 'Essas decisões são perfeita, legal, constitucionalmente definitivas'".
5) Parece que o assunto, até este ponto, pode ser resumido com lição de Artur de Almeida Torres: a) "Concorrendo na frase, sucessivamente, dois ou mais advérbios de modo, só o último, em regra, recebe o sufixo mente"; b) "Se, porém, a construção tiver sentido enfático, cada advérbio poderá receber esse elemento sufixal".
6) Em acréscimo, e com integral aplicação ao caso da consulta, em que o sufixo ocorre apenas com o último advérbio, invoca-se a síntese de Júlio Ribeiro: a) "Quando se agrupam diversos advérbios terminados em mente, só o último assume essa desinência"; b) Guardam, contudo, "os outros a forma feminina singular dos adjetivos de que nascem"; c) E ele próprio exemplifica: "Lutaram os paraguaios calorosa, desatinada, loucamente".
7) Veja-se, apenas para conferir, a preferência do legislador brasileiro no Código Civil revogado, cuja redação, como se sabe, teve a participação decisiva de Rui Barbosa: "O registro declarará: ... II - o modo por que se administra e representa (a associação ou a fundação) ativa e passiva, judicial e extrajudicialmente" (CC/1916, art. 19, II). E se perceba já alguma alteração no dispositivo correspondente do Código Civil de 2002: "O registro declarará: ... III - o modo por que se administra e representa (a associação ou a fundação) ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente" (CC, art. 46, III).
8) De modo específico para o caso da consulta, vejam-se as variações de construção com a indicação de sua correção ou erronia, incluindo a hipótese final de emprego de adjetivos, e não de advérbios: a) "Solicita-se deixar recado, escrita ou verbalmente" (correto); b) "Solicita-se deixar recado, escrito ou verbalmente" (errado); c) "Solicita-se deixar recado, escritamente ou verbalmente" (correto); d) "Solicita-se deixar recado, escrito ou verbal" (correto).