Certeza que ou Certeza de que...?
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Atualizado em 20 de setembro de 2022 08:42
O leitor Marco Antonio Capparelli envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"A dúvida é sobre a concordância no uso da expressão: 'tenho certeza de que...', ou 'tenho certeza que...'?"
1) Um leitor indaga qual a forma correta: "tenho certeza que" ou "tenho certeza de que".
2) Ora, porque certeza é um substantivo (ou nome), o que o leitor quer saber, em última análise, se o nome certeza exige seu complemento com preposição ou não.
3) Esclarece-se, também por oportuno, que, em termos técnicos, o estudo acerca dessa exigência de preposição ou não para o complemento de um nome está a cargo de um capítulo da Gramática denominado regência nominal.
4) Autores ilustres já estudaram em minúcias o substantivo certeza, e um deles, Francisco Fernandes, coletou, entre conceituados usuários de nosso idioma, construções dele com as preposições de e em. Exs.: a) "... como se tivesse a certeza da minha ida..." (Camilo Castelo Branco); b) "Assegura-lhe ... a certeza do triunfo..." (Rui Barbosa); c) "Não há nenhuma certeza nas coisas do mundo" (Fr. D. Vieira).1
5) Celso Pedro Luft, em acréscimo, verificou a existência do emprego da preposição sobre em tais casos: a) "Só os policiais da linguagem têm certeza absoluta sobre o que é correto no falar e no escrever"; b) "Nenhum homem tem certeza sobre suas próximas ações e reações".2
6) Os exemplos dados até agora, contudo, são casos em que o complemento de certeza é apenas um substantivo: "certeza da ida..., certeza do triunfo...". A indagação do leitor, porém, é mais abrangente: certeza que ou certeza de que...? E isso pede uma análise um pouco mais detida.
7) Vamos formular um exemplo completo, para facilitar a compreensão didática da dúvida e a própria solução do problema: "Ele tinha certeza de que não haveria condenação". E desde logo se acrescente que o período composto pode ser transformado em um período simples, com uma só oração: "Ele tinha certeza da impunidade".
8) Em termos de análise sintática do referido período composto, tem-se uma primeira oração (Ele tinha certeza), que é a oração principal. Em seguida, tem-se uma segunda oração (de que não haveria condenação), a qual, porque completa sintaticamente a outra, é uma oração subordinada. Como faz o papel de um substantivo (impunidade), ela é uma oração subordinada substantiva. Além disso, porque impunidade é um complemento nominal, a oração correspondente também exerce a mesma função sintática. Em conclusão, aí vai seu nome completo: oração subordinada substantiva completiva nominal.
9) Já que não há dúvida, no caso, quanto à correção da expressão certeza de que, pode-se dizer que a dúvida do leitor, em termos mais técnicos, há de ser formulada do seguinte modo: é correto excluir a preposição que antecede uma oração subordinada substantiva completiva nominal?
10) Com esse quadro, invoca-se aqui a lição de Domingos Paschoal Cegalla: "Omitir a preposição de, neste caso, não constitui erro; a tradição da língua o permite. Todavia, em linguagem apurada, recomenda-se o uso do nexo prepositivo. Esta recomendação estende-se ao emprego de outros nomes, como certo, impressão, medo, etc." Exs.: a) "Estou certo de que houve fraude"; b) "Tinha-se a impressão de que as plantas definhavam"; c) "Tínhamos medo de que arrombassem a porta".3
11) Partindo do princípio de que, onde há fundada divergência entre os gramáticos, autoriza-se ao usuário o emprego de ambas as formas, volta-se ao exemplo da consulta, devidamente complementado para entendimento mais didático: I) "Ele tinha certeza de que não haveria condenação" (correto); II) "Ele tinha certeza que não haveria condenação" (correto).
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1 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., Porto Alegre: Editora Globo, 1969. p. 81-82.
2 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed., São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 95.
3 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa". 2. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 68.