Boa governança, comunicação genuína e a importância da escuta institucional
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021
Atualizado às 09:02
Governança virou uma das palavras da moda na Administração Pública. O termo, importado do setor privado, onde o reconhecemos como "Governança Corporativa", teve no ambiente público uma empolgante absorção pelo Tribunal de Contas da União. Na sequência, a proposta ganhou o apoio e cooperação efetiva dos órgãos centrais de governo. Verificou-se então, além da rápida popularização da nomenclatura, uma entusiasmada aplicação da "nova metodologia" aos contextos mais diferenciados.
Com a normatização do assunto, por meio do Decreto 9203, de 22 de novembro de 2017, o ideal de aprimoramento da gestão pública, com foco no binômio: melhor decisão X maior entrega de resultado (valor público), voltou-se a atenção para os mecanismos de liderança, estratégia e controle, como instrumentos importantes ao sucesso das políticas públicas governamentais.
Dito assim, parece ter sido simples e intuitivo o processo de "novo aculturamento da gestão pública". Não foi (na verdade, não está sendo) bem assim...
Devemos levar em conta que "os limites da racionalidade e a complexidade do ser humano não podem, ser simplesmente ignorados pelas práticas de administração e governança implementada na organização" (GUERRA, p.13). Por outro lado, para além dos aspectos procedimentais, o estabelecimento de uma nova perspectiva de atuação para o setor público, envolve obrigatoriamente uma abordagem multidisciplinar, onde a estratégia de comunicação, pessoal e institucional, ganha especial destaque.
Nesse sentido, cumpre a nós analisarmos se os gestores, servidores e colaboradores públicos estão, de fato, alinhados com a proposta trazida pela "Política de Governança". Se eles, enquanto material humano responsável pela concretização deste ideal, entendem realmente a importância e a relevância do tema. E, ainda, identificarmos em que medida, as instituições públicas podem potencializar a incorporação dos "porquês" da Governança e minimizar, o que Sandra Guerra (2017, p. 13) intitula de "teatralização da gestão".
Entender e interiorizar a razão de ser da Governança Pública pelos efetivos executores da gestão pública garantirá o sucesso ou o fracasso da empreitada. Habilidades como atuar em colaboração institucional, tomar decisões com base em evidências, gerenciar riscos e controlar resultados tornam-se a base para o estabelecimento de boas práticas e o fortalecimento da confiança institucional. O desenvolvimento destas habilidades exige, entretanto, alinhamento entre propósito pessoal e valores organizacionais.
Simon Sinek, autor do Best Seller "Comece pelo porquê" (2018, p.16), nos ensina que as pessoas são movidas quando realmente estão envolvidas e isso tem relação com os nossos "porquês". Nesse sentido, os partícipes do processo precisam compreender por que a Governança é um tema importante e como seus instrumentos coadunam com o propósito de servir ao público. Necessitam, portanto, se identificar com a nova cultura.
Na prática, o que tem sido visto é a imposição dos "quês" ou dos "comos", - utilizando-se da ideia apresentada por Sinek. Muitos dos colaboradores públicos relacionam o tema apenas à necessidade de normatização e de criação de estruturas de Governança. Os diálogos não têm avançado quanto aos detalhes, gerando uma limitação no que se refere a compreensão da essência da Governança. Isso nos parece um "default" arriscado, até para que possamos nos questionar se os "quês" e os "comos" estão impactando em resultados para o "porquê" da Governança.
Edgar Schein (2018, p.10), autor que cunhou o termo cultura organizacional, fala que os líderes precisam desenvolver a habilidade de fazer perguntas, o que ele chamou de indagação humilde. Para ele, o mais importante não são as respostas que o líder dá, mas a humildade de saber que é preciso questionar se estamos no caminho certo. No mesmo sentido, Sandra Guerra, em a "A Caixa-preta da Governança" (2017, p.13) nos chama atenção para a importância de desenvolvermos duas capacidades na alta gestão: de ouvir e de perguntar.
Os líderes do setor público precisam se questionar: Faz sentido isso para a nossa organização? É relevante que se faça isso agora de acordo com a nossa maturidade? Por que estamos fazendo isso? Qual resultado estamos esperando? Essa ação irá gerar esse resultado? A singela resposta de "porque os órgãos de controle recomendaram" não pode ser aceita, se o que se quer é estabelecer uma nova cultura e inspirar alguém a fazê-lo, especialmente numa política de governança sustentável a longo prazo.
Que fique claro que os trabalhos, as recomendações e decisões exaradas pelos órgãos de controle são fundamentais na construção dessa caminhada. A comunicação, alinhada à necessidade de sensibilização de todo corpo técnico, pode, e deve, se utilizar dos dados e informações disponíveis. O próprio Decreto 9203, de 2017, traz essa diretriz insculpida em suas disposições.
Manifestações dos órgãos de controle também são formas de "comunicar" a Governança. Eles legitimam as decisões tomadas pelas instituições públicas e direcionam ações de seus gestores. Simplificam caminhos, por meio da sistematização de experiências e expõem fragilidades que merecem ser reconhecidas e corrigidas. Além disso, todo "quê" e "como" é muito importante desde que esteja sustentado numa boa comunicação, diretamente alinhada junto ao "porquê".
Acreditamos que os "porquês" da Governança são: i) construir e garantir a manutenção de uma relação de confiança entre nossas instituições e a sociedade; e ii) promover uma maior coordenação entre as iniciativas de aprimoramento institucional. Ora, num Estado Democrático de Direito, haveria maiores propósitos do que esses?
Nesse sentido, quando falamos em confiança, não estamos nos referindo apenas ao agir de maneira ética e íntegra, mas inserimos também a ideia de promovermos (e comunicarmos) a prestação de melhores serviços aos cidadãos, de forma tempestiva, adequada e de boa qualidade. Assim, nos resta claro que uma mentalidade de Governança será fortemente fomentada se nos utilizarmos da ferramenta mais antiga e eficaz de todas: a comunicação.
Simon Sinek (2018, p. 165) diz que a ação de mudar o mundo exige o apoio daqueles que acreditam. Sendo assim, é preciso comunicar o propósito de cada organização. Destacar a importância e exaltar a relevância da governança para que possamos de fato transformar nosso país e dar sentido ao trabalho dos servidores, gestores e colaboradores públicos.
Ultrapassar a percepção meramente acadêmica da Governança e inserí-la na realidade institucional especificamente tratada. Reconhecer-se para governar-se. Identificar "quem" (liderança), "como" (estratégia) e "para que" (controle) dentro de cada espaço público é o primeiro passo, permitindo-se inovar, racionalizando, simplificando, mas sempre olhando para suas fragilidades ("porquê").
E, nesse processo, é preciso comunicar, com clareza e objetividade, que somente por meio de ações, coerentes e congruentes, que promovam a governança poderá acontecer um aumento na confiabilidade social nas estruturas e instituições públicas, bem como na capacidade dos órgãos de atender a cada um dos cidadãos.
De outra via, é igualmente por meio da implementação efetiva de boas práticas de governança, que os servidores, gestores e/ou colaboradores poderão acreditar que a instituição que compõem está comprometida com a entrega de valor público.
Para ambas as perspectivas aqui apresentadas, quando reforçamos a importância da comunicação, pode-se pensar em grandes campanhas de marketing ou na apresentação de discursos eloquentes e persuasivos, mas não é disso que falamos neste ensaio. Não que tais instrumentos não possam compor as estratégias de comunicação. Nesta ocisão, porém, temos que chamar a atenção, para algo mais simples: uma comunicação institucional genuína.
Admitindo que o ato de comunicar é, antes de tudo, saber escutar e que somente por meio da escuta poderemos realmente compreender onde estão e quais são os desafios a serem enfrentados, temos que os dados e informações então obtidos constituirão uma das importantes, - se não a mais -, evidência a ser utilizada na definição da estratégia de governança institucional.
Entenda-se que a escuta institucional poderá ser perfectibilizada de distintas formas. Consultas públicas, questionários, reuniões, diálogos institucionais, conversas informais, e, inclusive, por meio de comunicação não verbal, do qual a conduta exemplar/modelo a ser seguido, é uma das possibilidades. E, como base no resultado obtido, aliado a outros dados/ informações, deverá ser construído o conteúdo e direcionado a mensagem de implementação da Governança.
Não é novidade que muitos desses instrumentos já se encontram normatizados e inseridos no dia a dia das instituições públicas. Lembremo-nos da consulta pública, hoje largamente difundida no âmbito federal e utilizada como ferramenta de busca de melhoria regulatória. Porém, o que, de fato, queremos ressaltar nesta ocasião é que, salvo engano, dados e informações obtidos a partir de sua utilização ainda não foram absorvidos com a amplitude com que deveriam e, também, que métodos como a comunicação não verbal, diálogos institucionais e conversas informais sequer são incorporadas como uma forma factível de comunicar por parte das instituições públicas.
E, quando afirmarmos que implementar a Governança Pública pressupõe uma mudança de cultura, a utilização das diversas formas de comunicação faz toda a diferença. Lembremo-nos ainda que a sensibilização do corpo técnico e das lideranças do órgão é indicador diretamente relacionado ao sucesso desta empreitada.
Basta pensarmos que, ao entrar em um diálogo a fim de sensibilizar quanto a importância da Governança, o gestor público precisa estar aberto para compreender a percepção institucional dos demais integrantes da Instituição. Verificar as lacunas de comunicação, comumente identificadas nas distintas formas de se visibilizar a Governança na prática. E isso, parece se tornar mais simples por meio do diálogo. Nesse momento, comunicação e sensibilização institucional se confundem.
Segundo Dale Carnegie (2012, p. 143), aquele que se convence contra a própria vontade acaba mantendo sua opinião anterior.
Acreditamos, porém, que sensibilização e a construção coletiva de uma nova mentalidade são capazes de ampliar nossa capacidade de implementar políticas públicas e de repensar nossas estruturas, relações e estratégias. E é disso que a Boa Governança precisa.
Absorvendo o que nos ensina Edgar Schein (2018, p. 64) quando afirma que não é só o que a gente pergunta que faz a diferença, mas com que atenção ouvimos a resposta, parece ser valioso buscar subsídios na teoria da comunicação a fim de selecionarmos a melhor estratégia para implementação da Governança.
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CARNEGIE, Dale. Como fazer amigos e influenciar pessoas. 52ª edição atualizada. Companhia Editora Nacional, 2012.
GUERRA, S. A caixa-preta da governança. 2a edição ed. [s.l.] Best Business, 2017.
SCHEIN, Edgar. Liderança sem ego. A arte da indagação humilde para construir equipes fortes e comprometidas. Editora Cultrix, 2018.
SINEK, Simon. Comece pelo porquê. Como grandes líderes inspiram pessoas e equipes a agir. Sextante, 2018.