Governança em segurança pública: O valor da gestão da resiliência e da gestão da continuidade
quarta-feira, 15 de junho de 2022
Atualizado em 14 de junho de 2022 11:13
Introdução
Escrevemos esse artigo com um sentimento de esperança, e, porque não dizer, expectativa. Expectativa de responder à sociedade sua principal pergunta: quem é que pensa Segurança Pública de forma integrada, unificada em inteligência e programas que garantam a Continuidade das Políticas de Segurança Pública?
Estamos diante de uma oportunidade incrível em meio às grandes conquistas de todos os níveis de Segurança Pública no combate ao terrorismo, tráfico de drogas, corrupção e tantos outros crimes. Mas também em meio às crises constantes em Segurança Pública pelo País que frequentemente aparecem em algum estado.
Não que tais crises não recebam resposta rápida e de soluções, por forças tarefas e um corpo de segurança e defesa civil efetivo e rápido em todos os casos. Porém, as emergências existem e podem ser evitadas. Estamos falando de um momento de oportunidade em meio à crise institucional de alinhamento de valores e efetiva aplicação de regras penais a criminosos de qualquer ordem, desdobrando e concluindo um ciclo completo de justiça por todos os agentes, iniciado pelas Forças de Segurança.
Esse artigo tem a finalidade de expor e conceituar a urgente necessidade de Políticas Estratégicas integradas em Segurança Pública e a implantação de Políticas de Gestão de continuidade que garantam a resiliência do ativo de Segurança Pública, como valor Constitucional, permanente e de Estado, e não de Governos.
A Constituição de 1824 já previa a Inteligência de longo prazo como Soluções de Continuidade pela Inteligência da ordem, do progresso e do isolamento e controle de Emergências situacionais. Com o passar dos anos, terminologias modernas surgem com a criação do conceito de ambientes V.U.C.A. (voláteis, incertos, complexos e ambíguos), trazido pelo exército norte-americano (Army War College, 1991).
Certamente, nossa inteligência integrada, com visão de longo prazo, já alertou sobre esse ambiente na época do Império.
Resiliência e Continuidade
É fundamental analisar a Revolução ou Transformação Silenciosa que vivemos: da inteligência permanente da Gestão da Continuidade e da Resiliência nos mais diversos escopos da Administração Pública, em especial a Segurança Pública, tema deste artigo.
O Brasil decidiu inserir-se no "novo compromisso ou novo contrato global da relação público-privado", sendo signatário de acordos internacionais regidos pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), passando então a introduzir novos compromissos em nosso ordenamento jurídico, influenciando temáticas relativas à governança, como o Decreto Federal nº 9203/2017. O valor da Segurança Pública é também ressignificado nesse processo, com propostas que a fortalecem como bem público e garantem sua Continuidade.
Nesse contexto, verifica-se que a nova revolução silenciosa da governança não limita-se apenas ao mundo jurídico, pois incluem também a adoção de princípios e técnicas inovadoras de Administração Pública a fim de produzir bons resultados. Eis o que chamamos de ciência social aplicada. É, portanto, uma nova forma de administrar, considerando nosso arcabouço legal e propondo uma visão permanente de gerenciamento.
No Brasil, a preocupação com a Continuidade foi primeiramente levantada por Benjamin Constant, quando de seus aconselhamentos liberais em nossa Constituição de 1824. (Arquivo Nacional - memória da Administração Pública Brasileira). Sua preocupação era institucional e voltada à caracterização de um poder que fosse institucionalizado e com a função de equilibrar e pensar em Soluções de Continuidade (LYNCH, 2010, p. 96).
Na época sua sugestão era de que existisse uma estrutura de poder, de inteligência Brasileira, que pensasse em soluções de Continuidade, livre dos acirramentos sociais, do radicalismo dos ânimos políticos e de conflitos radicais de rupturas institucionais.
Nesse aspecto, deixando de lado questões relativas às estruturas de poder e tensões políticas, é crucial demonstrar que existe valor permanente na Gestão de Continuidade, pela sua utilidade, previsibilidade constitucional e anseio da sociedade brasileira. Trata-se de uma área técnica, cujo objetivo principal é consolidar a visão de longo prazo no setor público.
Percebe-se que o instrumento da Gestão de Continuidade foi então uma intenção não institucionalizada em Constituições posteriores e, por consequência, não foi pensado como solução de Gestão, ou de Administração Pública. Cada órgão, seja do Legislativo, Executivo ou Judiciário, passou a desenvolver políticas de Segurança Pública, submetidas aos seus próprios conceitos, levando à fragmentação dos valores e objetivos centrais da Segurança Pública ao longo dos anos e Governos.
Entretanto, a preocupação com a Continuidade corporativa ou institucional de países foi oficializada no Livro Branco da Comunidade Europeia (2017). A esse movimento foram desencadeadas inúmeras iniciativas do Bloco, bem como de práticas sistematizadas que veremos a seguir.
Debater Continuidade e a forma com que ela será gerenciada, em um ambiente de Governança, é onde mora o desafio principal desse artigo - demonstrar Resiliência no ambiente Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo - V.U.CA.
No atual momento, estamos vivenciando o desdobramento da modernização do Estado e de tais acordos, estado a Estado, e em todas suas autarquias públicas com efeitos poderosíssimos na esfera privada. Estamos nos referindo às novas políticas de Governança Pública, definição de valores públicos e Gestão de Riscos no escopo público, que produzirão seus efeitos transformadores radicais no futuro.
A Gestão da Continuidade é uma evolução natural da maturidade da cultura de riscos, devendo ser utilizada como uma de suas etapas, conforme a avaliação da eficácia das políticas de Gestão de Riscos. A Gestão de Continuidade tem como um dos seus objetivos amadurecer o nosso grau de resiliência frente ao futuro, o que, em última instância, eleva os padrões de planejamento e controle.
A Gestão de Continuidade utiliza-se do conceito de Resiliência, universalmente conhecido em diversas áreas de conhecimento, como a Física, que a define como a capacidade de dado material resistir a cargas externas e manter ou recuperar suas propriedades originais, mesmo após suportar a carga que provou sua deformação. Então estamos falando de sua resistência em não se romper, e, mais do que isso, manter suas condições normais de propriedades originais.
Já a etimologia da palavra Resiliência, vem do Latim, Resilio, Risilire. Resilio seria derivada de Re (indica retrocesso) e Salio (saltar, pular), significa então saltar... voltar saltando. O novo dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, por exemplo, traz o significado de Resiliência, do Inglês Resilience, como sendo a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de uma deformação elástica. E também resistente a um choque.
Posteriormente, o conceito ganhou sinônimos para múltiplas aplicações, seja no campo sociológico, psicossocial, psicológico e tantas outras áreas de conhecimento, como sendo a capacidade de uma sociedade ou pessoa em absorver pressões, estresses, e construir processos de recuperação, regeneração e adaptação. Entende-se por característica positiva de pessoas flexíveis, adaptáveis, moldáveis a diversas circunstâncias adversas. E, ainda assim, manter-se operando, atuando e existindo.
A Gestão de Continuidade utiliza-se de Estratégias de Continuidade e Objetivos de Continuidade. Que estes sejam estabelecidos, dentro de contextos inicialmente estudados, mesmo que impregnados de riscos (alguns já materializados e outros não). Mesmo que em cenários de impactos e outros não. Mesmo que em situações paralisadas e outras não.
A Gestão de Continuidade tem como um de seus fundamentos a não interrupção de algo, a correta administração dos riscos e o retorno de seus objetivos iniciais de Continuidade originais. Desse modo, garante que as operações permaneçam em níveis considerados ideais ou inicialmente planejados.
É necessário também que objetivos de Continuidade sejam estabelecidos dentro dos contextos inicialmente estudados de riscos (alguns materializados e outros não).
Agrupando conceitos e objetivos, concluímos por uma forma de gerenciar que tenha como foco principal pensar em soluções de continuidade, estabelecer objetivos de continuidade, planejar controles operacionais de continuidade, e todas as medidas de gestão para manter os riscos nos níveis considerados normais, aceitáveis, de propriedade original ou ideal.
Estamos falando de uma forma de administrar, da garantia do controle, da conformidade, da gestão dos riscos. É estar preparado para assumir novos patamares de competências.
É, portanto, evolução natural da Ciência da Administração, de planejar e garantir um futuro prometido.
A Gestão de Continuidade é uma nova prática de gestão de fato, e conceitualmente, uma evolução teórica de observação de múltiplos fenômenos e seus efeitos prometidos, executados e implantados no presente.
O ponto principal desse ensaio é que todos desejamos manter e garantir a continuidade de algo que esteja dando certo. E, mesmo que encontremos adversidades ou circunstâncias contrárias, consigamos trazer a uma condição passada considerada normal ou ideal.
Os conceitos e práticas da Gestão de Continuidade são fundamentais para a Segurança Pública Nacional, permitindo condições de recuperação e de fortalecimento em meio às crises, garantindo assim a estabilidade e a viabilidade econômica e social brasileira.
Conclusão
É urgente a necessidade de superação da fase de conformidade com leis e regulamentos e, assim, demonstrar a capacidade de atender aos princípios assumidos e internalizados em andamento em diversos programas e iniciativas de Segurança Pública.
Isso significa que os gestores devem ter consciência sobre Gestão de Continuidade e Resiliência como ferramenta da Governança em Segurança Pública e Defesa Civil, o que facilita o êxito de reformas, medidas, ações, projetos e inovações em diversas esferas do setor público.
A Gestão de Continuidade em Segurança Pública possui seis escopos de aplicação:
(1) - Gestão da Continuidade de prevenção de conflitos e resposta a impactos em torno de Valores entregues a sociedade que norteiam os diversos órgãos que participam do processo de Segurança Pública e Defesa Civil. Há necessidade da uniformização dos Valores, sem conflitos de conceitos entre todos os agentes públicos envolvidos com a segurança pública (preventivo, investigativo, repressivo, agentes e órgãos penitenciários e órgãos do judiciário);
(2) - A Gestão dos cenários e contextos sociais, econômicos, políticos, institucionais: É o gerenciamento em fases conhecidas, da contenção das crises, da pronta recuperação planejada e da deterioração do ambiente de ciclo completo de todos os agentes que fazem e aplicam a Segurança Pública e Defesa Civil, com a finalidade de prevenir os riscos e controlar os seus possíveis impactos nas Estratégias de Continuidade em Políticas de Segurança Pública e Defesa Civil. Será o ato de gerenciar, monitorando a degradação do ambiente socioeconômico, político e institucional Brasileiro;
(3) - A Institucionalização de Estratégias de Continuidade em Segurança Pública: Promover a definição de Estratégias de Continuidade de longo prazo, visando observar o país em seu tamanho integral e os diversos agentes de Segurança, pelo País, em Núcleos de Inovações integradas em gestão da Segurança Pública e Defesa Civil.
(4) - Gestão da Integração total das inteligências pelo País: Uniformização dos investimentos, práticas de Gestão de continuidade entre os órgãos de Segurança e Defesa Civil e um plano integrado estratégico para delineamento das ações pelo País, tornando-as uniformes, previsíveis e coordenadas;
(5) - A Gestão do Planejamento Estratégico e de Planos de comando Unificados: Etapas institucionais previstas em legislação: a) Institucionalizado de maneira a prevenir sua paralisação entre governos e que seja um instrumento efetivo seguido por força de lei que norteie valores institucionais de gerenciamento principais estratégicos que sejam únicos e uniformes, sem a possibilidade de distorções e conflitos; b) A institucionalização de planos táticos e operacionais a serem desdobrados, com metas integradas interestaduais em temas como infraestrutura de informação, informações de inteligência, capacidade operacional, padrão de qualidade, índices de eficiência e eficácia, integração entre agentes de segurança e defesa civil, participação da sociedade e tantas outras abordagens emergentes, obedecendo a políticas e diretrizes dos Planos Operacionais de Segurança Pública e Defesa Civil; c) A gestão integrada de planos de recuperação e retomadas frente às paralisações e emergências, com foco no retorno a níveis considerados normais de operações; d) Efetiva representatividade constitucional de Planejamento Estratégico e representatividade autônoma de condução e prestação de contas a população;
(6) - A Gestão do ambiente das Inovações em Segurança Pública, que merece um processo permanente e integrado de Gestão das Inovações em âmbito nacional, buscando uniformizar as práticas em segurança e torná-las modernas, de modo que nenhum Estado da Federação possua deficiências na prevenção e combate ao crime.
Referências
1 - ALVES, Cleber Francisco. A influência do pensamento liberal de Benjamin Constant na formação do Estado Imperial Brasileiro. Senado Federal, 2008.
2- BEER, F. P., & Johnston, E. R., Jr. (1989). Resistência dos materiais (P. P. Castilho, Trad.). São Paulo: McGraw-Hill. (Original publicado em 1981).
3- Livro Branco, Comunidade Europeia - 2017.
4- LYNCH, Christian Edward Cyril. O poder moderador na Constituição de 1824 e no ante projeto de Borges de Medeiros de 1933 - Um estudo de Direito Comparado. Senado Federal - Revista de informação legislativa, v. 47, n. 188, p. 93-111, out./dez. 2010.
5- The Army War College Experience, Herbert F. Barber.
6- CARNEIRO, Claudio - Compliance o Estado da Arte - Cap. 3 - pag 171 - Co autor Britto, José Geraldo Falcão - Gestão de Continuidade: o que vem depois do Risco - uma nova disciplina. Curitiba - PR , Instituto Memória ).
7- Família de normas Internacionais ISO 22300 - fonte: ISO - ISO 22316:2017 - Segurança e resiliência - Resiliência organizacional - Princípios e atributos.
8- BRITTO, José Geraldo Falcão - Novas edições acadêmicas - Gerenciamento de riscos e continuidade de operações , 2015.
9- BRITTO, José Geraldo Falcão - Liderança da Alta Gestão em tempos de crises - ed. Literare books - 2020.
10- Membro de Núcleo de Excelência em governança Corporativa - CRA-SP.