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Entrevista: Stefan Grundmann

segunda-feira, 17 de março de 2025

Atualizado às 08:21

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura (ENFAM) e a Associação Luso-Alemã de Juristas - Deutsch-Lusitanische Juristenvereinigung (DLJV) - realizam hoje e amanhã o evento "Direito brasileiro em transformação" (Das brasilianische Recht im Wandel) em comemoração aos 200 anos de imigração alemã no Brasil.

Inicialmente, a conferência estava prevista para ocorrer em 2024, em Brasília e Porto Alegre. Porém, devido à trágica enchente que atingiu o Rio Grande do Sul ano passado, os eventos foram adiados, realizando-se nos dias 17 e 18 de março na sede da ENFAM, em Brasília, e nos dias 21 e 22 do corrente mês, em Porto Alegre, onde a DLJV realizará seu tradicional encontro anual (Jahrestagung).

A DLJV é a mais antiga associação destinada a fomentar o diálogo comparado entre os ordenamentos jurídicos de língua germânica e portuguesa. Ela congrega juristas da Alemanha, Portugal, Brasil, bem como de países africanos de língua portuguesa, a exemplo de Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, além de Goa (Índia), Timor Leste (Ásia) e Macau (China). Dessa forma, a DLJV é uma das poucas associações de juristas a ter presença em quase todos os continentes.

Fundada pelo saudoso Prof. Dr. Dr. h. c. multi Erik Jayme, professor emérito da Faculdade de Direito de Heidelberg, a DLJV é presidida desde 2008 pelo Prof. Dr. Dr. Dr. h. c. Stefan Grundmann, titular da cátedra de Direito Privado e Empresarial, Direito Europeu e Teoria Jurídica da Humboldt Universidade (HU) de Berlim, cátedra ocupada no século 19 por Friedrich Carl von Savigny.

Antes de assumir a cadeira de Savigny em 2004, Stefan Grundmann passou pelas universidades de Frankfurt/Oder (1994), Regensburg (1995), Halle-Wittenberg (1995) e Erlangen-Nürnberg (2000). Foi diretor da Faculdade de Direito da HU entre 2020 e 2022 e, desde 2013, leciona também no Instituto Europeu de Florença, na Itália. Seu reconhecimento internacional revela-se nas passagens como professor convidado por renomadas universidades, como King's College (Londres), Roma I, La Sapienza e LUISS, Oxford, Cambridge, New York, Harvard, Columbia e Universidade Herzlya (Tel-Aviv).

Stefan Grundmann é um jurista completo: estudou direito, filosofia e arte, sempre com a alma e os olhos voltados para o direito comparado e internacional, assim como para disciplinas próximas, como a sociologia e, sobretudo, a economia. Foi aluno de Claus-Wilhelm Canaris, que o escolheu para substituí-lo na redação do renomado Staub HGB, um comentário sobre o Código Comercial alemão (HGB) que conta atualmente com dezoito volumes e que foi concebido por Hermann Staub, mais conhecido no Brasil como o pai da teoria da violação positiva do contrato - tema, ainda hoje, mal compreendido entre nós.

O espirito internacionalista e interdisciplinar de Stefan Grundmann revela-se desde sua formação, perpassa as suas riquíssimas publicações e manifesta-se em sua atuação profissional. Ele fundou a Society of European Contract Law (SECOLA), onde ocupa o posto de presidente honorário desde 2023. É cofundador e membro da direção da European Law School, rede que congrega as faculdades de direito de Berlim, Londres, Paris, Roma, Amsterdã, Atenas, Lisboa e Madrid e, desde 2024, é diretor da Gesellschaft für Rechtsvergleichung, a sociedade alemã de direito comparado.

Foi Erik Jayme, seu orientador no doutorado, quem despertou nele o interesse pela língua e pelo direito português e, posteriormente, pelo direito brasileiro. Tive o privilégio de ser sua orientanda durante o doutorado na Humboldt Universidade e de auxiliá-lo na administração da DLJV desde 2018, desempenhando as funções de secretária-geral da associação, o que muito me honra.

Dentre suas áreas de interesse incluem-se o direito europeu, alemão e comparado dos contratos, direito bancário, direito societário, teoria jurídica, direito transnacional e governança. Seus escritos sobre deveres de informação no comércio jurídico e, principalmente, no mercado de capitais são leitura obrigatória para quem se dedica ao estudo do complexo problema da obtenção e transmissão de informação na sociedade contemporânea.

Menção merecem ainda seus artigos sobre proteção do investidor no mercado de capitais, pluralismo metodológico, competição regulatória, trust e negócio fiduciário, sobre o direito da perturbação da prestação (tão relevante para o direito obrigacional português e brasileiro), direito de danos, direito internacional da compra e venda, redes contratuais e regulação.

De sua farta e densa publicação, destacam-se os manuais: Treuhandvertrag (negócio fiduciário, fruto do doutoramento), Europäisches Schuldvertragsrecht (direito europeu dos contratos), Europäisches Gesellschaftsrecht (direito societário europeu) e Bankvertragsrecht (direito bancário, publicado em dois volumes).

Grande ressonância têm ainda as obras European Company Law, publicado inclusive na China em 2018 e New Private Law Theory, escrito em coautoria com Hans Micklitz e Moritz Renner, além dos diversos comentários ao Código Civil, no renomado Münchener Kommentar zum BGB; ao Código Comercial, no Staub-HGB  e no HGB-Kommentar, este último coordenado por Ebenroth, Boujong, Joost e Strohn, bem como o Grosskommentar Aktienrecht, um comentário à lei das sociedades anônimas publicado pela editora de Gruyter.

Stefan Grundmann pertence à geração de juristas alemães marcada por forte pensamento sistemático, mas também europeu, transnacional e interdisciplinar. Não à toa ele foi condecorado, em 2022, como Cavaliere del'Ordine della Stella d'Italia, o equivalente italiano à Légion d'honneur e, em 2024, com o título de doutor honoris causa em Atenas, na Grécia, berço da civilização ocidental.

Nessa entrevista, ele fala sobre sua formação, os grandes mestres que o inspiraram, sobre a ciência jurídica alemã, o direito europeu, a análise econômica do direito e a chamada teoria pluralista do direito. Em suma: sobre o passado, presente e futuro do direito em um mundo em transformação. Confira!

O senhor estudou direito e história da arte na Universidade de Munique. Quais os professores que mais lhe marcaram nessa época?

Comecei meus estudos em direito e filosofia, e já me deparei com o primeiro professor de direito que marcou verdadeiramente minha vida: o Prof. Dr. Dr. h. c. Erik Jayme, que me impressionou com sua personalidade culta, calorosa e aberta. Talvez ele tenha sido o homem de cultura mais vasta que tive o privilégio de conhecer e, ao mesmo tempo, um internacionalista de coração. Fiz meu doutorado com ele em direito internacional privado em um tema de direito comparado: a teoria da qualificação no direito internacional privado.

Isso me levou a Portugal, pois a codificação portuguesa de 1966 continha norma a respeito, sobre a qual havia decisões e discussões interessantes. Isso abriu o mundo lusitano para mim e foi importante para a Alemanha, que estava na época reformando seu Direito Internacional Privado. Foi também ele quem despertou em mim o amor pela história da arte, que ocupou um lugar ao lado da filosofia. Não fiz minha tese de livre-docência (Habilitation) com ele, porque achava os estudos internacionais mais interessantes no contexto da economia, por serem mais complexos, "multinacionais" por excelência, interdisciplinares, uma intersecção entre o privado e o público e, ao contrário de Jayme, não queria me ocupar tanto com direito de família e sucessões.

O senhor chegou a estudar com Karl Larenz ou com Claus-Wilhelm Canaris?

Naquela época, Karl Larenz não lecionava há muito tempo. Eu só li seus manuais e diziam que ele não era considerado muito inspirador em suas aulas. Claus-Wilhelm Canaris era o contrário: ele era muito bom para alunos exigentes, mesmo sendo geralmente difícil. Acima de tudo, ele foi a grande autoridade em direito civil da minha época de estudante e de pesquisador com sua inovadora tese de livre-docência sobre a responsabilidade pela confiança (Vertrauenshaftung), mas também com o primeiro comentário sobre uma área complexa do direito, o direito bancário, que ele estruturou de forma completamente inovadora e paradigmática no comentário de Herman Staub ao Código Comercial alemão, mais conhecido como Staub'scher Großkommentar.

Nesse comentário, ele abordou todo o fenômeno, organizou-o por completo, praticamente dissecou-o e incluiu todas as referências a áreas vizinhas, como o direito de insolvência. Eu admirava sua profundidade e força inovadora no campo dogmático-sistemático (que outros nunca ou quase nunca haviam alcançado), mas também o via como um expoente de uma era que estava chegando ao fim. Dei a entender isso em um laudatio proferido durante uma cerimônia em sua homenagem: ele era o nosso corifeu do direito civil, mas em uma era que estava chegando ao fim: o direito privado da Alemanha. Mas o futuro que irrompia ainda não havia chegado.

O que faltou a Canaris, a meu ver, foi uma forte referência à Europa, o vínculo com a regulamentação do bem-estar público e, em grande parte, a referência a outras disciplinas que também têm as normas jurídicas como seu objeto de observação e lançam luzes sobre aspectos completamente novos, como a economia. Considero essas três referências absolutamente centrais para o nosso tempo, e quando eu - muito mais tarde - sucedi Canaris nos comentários de Staub ao direito bancário, eu o reescrevi do zero, considerando praticamente tudo o que havia sido dito durante a crise financeira (2008) e nos debates na Universidade Europeia, em Florença, ou seja, reescrevi com forte referência à Europa, bem entrelaçado com a regulação do bem-estar público (em meio à crise financeira, com diversas novas regulamentações da União Europeia) e com os pontos de conexão interdisciplinares que me pareceram indispensáveis.

Entretanto, Canaris não deixou sua marca apenas no direito civil. Ele foi o jurista - altamente político e visionário - que conceituou e moldou definitivamente a relação entre a Constituição e o direito privado com a chamada teoria dos deveres de proteção (Schutzpflichtstheorie). Em termos políticos, ele, de fato, se distinguia diametralmente de seu mestre Larenz, que se envolveu com o nacional-socialismo. Mas a estrela absoluta em Munique era um penalista: Claus Roxin, tanto na sala de aula quanto como pessoa, retórico e, naturalmente, como dogmático. Quase me tornei penalista sob sua influência.

E por que escolheu Klaus Hopt como supervisor de sua tese de livre-docência?

Europa, direito privado e regulamentação, bem como conectividade interdisciplinar - tudo isso caracteriza Klaus Hopt, que, de fato, acabou sendo meu supervisor na Habilitation e a quem mais sou devedor em minha formação. Na obra coletiva Deutschsprachige Zivilrechtslehrer des 20. Jahrhunderts (civilistas alemães do século 20), descrevi todos esses aspectos em mais de 40 páginas. Eu o convidei para ser meu supervisor quando ele já era bastante conhecido, mas ainda não estava Munique, nem no Instituto Max Planck de Hamburgo, mas sim em uma pequena, mas muito boa, universidade em Tübingen. Minha escolha baseou-se nos mesmos motivos que levaram o Instituto Max Planck a convidá-lo para Hamburgo: nenhum especialista em direito comercial e econômico deixou uma marca tão profunda tanto no direito alemão quanto no direito internacional e europeu como ele, ou seja, em ambos os "mundos", com igual intensidade e não apenas aqui ou lá. Um passo para gigantes! E isso se deve à sua amplitude, precisão meticulosa e capacidade de identificar, prever e moldar claramente as linhas gerais. Não devo tanto a ninguém quanto a ele, mas cada um é uma personalidade à sua maneira que eu procuro me inspirar.

Internacionalmente, meus maiores mestres foram Richard Buxbaum, Melvin Eisenberg, bem como Hugh Collins e Massimo Bianca - ambos também "parceiros" acadêmicos, embora mais velhos do que eu. Cada um à sua maneira, seja porque um foi realmente marcante como teórico do direito societário e do direito contratual, seja porque o outro trouxe realmente uma interdisciplinaridade ampla e multifacetada para o direito, por exemplo, através da abordagem "Regulating Contracts".

O senhor sempre teve uma orientação mais internacionalizante, o que se reflete em suas passagens por Aix-en-Provence, Lausanne, Lisboa e Berkeley. Mas, afinal, quão apto o direito à internacionalização?

Não há nada mais belo do que a riqueza do mundo, ou seja, o mundo internacional, incluindo o mundo do direito, e sou grato pela oportunidade de vivenciar essa riqueza. A questão da capacidade do direito de se internacionalizar poderia encher páginas. Um dos aspectos mais bonitos da orientação internacional é que aquilo que percebo como meu lar se torna infinitamente maior, mais colorido, infinitamente mais inspirador do ponto de vista intelectual e emocional. Na verdade, sinto que grande parte da Europa, e até mesmo algumas partes de outros continentes, são meu verdadeiro lar - muito importante: também através da língua, da leitura e, portanto, do sentimento.

De onde veio o interesse pelo direito português, que não desempenha - ou desempenhou - na Europa um papel central como os direitos francês, italiano ou inglês?

No início, foi pura coincidência. Eu queria aprender outro idioma e, na época, já falava inglês, francês, italiano, espanhol, russo e até grego moderno - em parte, por meio da história da arte (italiano), em parte por meio de estadias mais longas e sólidos relacionamentos (francês), em parte por meio do grego antigo. No início, pensei na Espanha, cujo idioma eu já dominava. Meu professor [Erik Jayme], no entanto, amava Portugal mais do que qualquer outro país. E havia o Código Civil de 1966, uma das melhores codificações de direito privado que conheço. Claro, sistemático, com excelentes soluções. Portugal venceu a competição de ideias, por assim dizer, e nesse aspecto foi superior às codificações mais conhecidas da França e da Alemanha, incluindo a Áustria. Tudo isso foi decisivo - e talvez, acima de tudo, o amor de meu orientador por Portugal.

Nunca me arrependi de minha escolha. A excelente educação em Portugal me impressionou desde muito cedo. E o fascínio aumentou enormemente quando comecei a entender que por trás desse pequeno país - "cume de cabe?a toda (da Europa)", como disse Camões - havia um mundo inteiro. Jayme o chamou de "seu mundo lusitano" e fundou a Associação Luso-Alemã de Juristas (DLJV), que ele dirigiu por longos anos e eu, como sucessor, a presido por quase vinte anos. Talvez seja a única associação de juristas a abranger todos os principais continentes, em todo o mundo, de norte a sul, de leste a oeste. Um pequeno e grande microcosmo. E na América do Sul, que eu sempre amei, o Brasil desempenha o papel principal. Em termos de população e de área, cerca de metade do continente e o país absorve tanta coisa como uma esponja (por exemplo, a ideia de Jayme do diálogo das fontes).

A Europa e seus valores fundamentais estão sendo desafiados atualmente. Pode-se ainda sonhar com um direito europeu uniforme ou será que esse objetivo pode ser frustrado pelo movimento antiglobalizante do momento?

O lema europeu é: "Europa unida na diversidade". Portanto, um direito europeu uniforme nunca foi o objetivo - ou, pelo menos, nunca foi um objetivo pelo qual valesse à pena lutar. No entanto, um direito uniforme ou, pelo menos, padronizado é certamente desejável em algumas áreas importantes, mas de forma alguma em todas elas. Eu me ocupo de algumas áreas que são, de fato, particularmente uniformes, como o direito bancária e de mercado de capitais, bem como, crescentemente, o direito da sustentabilidade corporativa. O direito geral das empresas e dos contratos, por exemplo, é pouco uniformizado, menos ainda o de família e de sucessões. A teoria que pretende identificar quais matérias regulamentares seriam passíveis (preferíveis) de legislação descentralizada e em quais melhor seria uma legislação centralizada é extensa, universalmente discutida e dela me ocupei por várias décadas - inclusive, o (fracassado) projeto de código europeu opcional dos contratos.

Cabe primordialmente à Europa (Uniã3o Europeia) decidir como o direito europeu deve ser modelado. Há, contudo, um desafio dentro da própria União Europeia. Embora não seja periférico, ele não é significativo o bastante para desacelerar as coisas de forma significativa e na Polônia, por exemplo, estamos vendo um contramovimento de retorno a uma maior simpatia à democracia e à Europa. Não faz sentido agora fazer prognósticos sobre se os atuais desafios externos levarão a uma europeização mais intensa ou se a neutralizarão, da mesma forma que não é possível prever se a globalização será realmente enfraquecida de forma permanente. Em minha opinião, essa última hipótese é ainda mais duvidosa, pois há um grande número de poderosos atores globais, inclusive da economia, que promovem a globalização, apesar de todas as dificuldades. Resumindo: a economia global e a vontade da sociedade de se globalizar são muito fortes, de modo que as políticas que tentam freá-las podem simplesmente não ser fortes o suficiente e serem superadas.

A meu ver, os conceitos teóricos para explicar e fortalecer um regime transnacional de regras juridicamente vinculantes (ou, pelo menos, influentes) se intensificaram e se aprofundaram enormemente nas últimas décadas. Falamos de uma competição entre ordens jurídicas, em constitucionalização do direito transnacional e a chamada "empresa multinacional" (multinational enterprise) tem sido objeto de amplas discussões. Mesmo em uma área tão controversa como a sustentabilidade, os protocolos de Kyoto e de Paris (atos jurídicos internacionais vinculantes) criaram infinitamente mais direito material a nível global do que na década de 1980. Além disso, há o forte efeito extraterritorial que dois dos três maiores blocos econômicos globais - EUA e Europa - costumam atribuir a seu direito quando o consideram de fundamental importância. Em termos de produto nacional bruto, isso representa mais da metade da criação de valor no mundo, com um efeito cascata que vai além disso. Talvez um dia até a China venha com uma extensão de efeitos extraterritoriais.

A Europa tem muitos valores que são importantes para ela. Nem todos eles são compartilhados em todo o mundo, mas alguns valores centrais são certamente reconhecidos em princípio. A proteção dos direitos humanos, dos direitos de personalidade e a busca pela sustentabilidade parecem se destacar um pouco - esta última talvez menos reconhecida universalmente. Importante para o papel da Europa no mundo, no entanto, é ela estar disposta a apoiar esses dois ou três valores fundamentais - enquanto um dos três mais fortes blocos econômicos mundiais. Concretamente, isso se faz de duas maneiras. Em primeiro lugar, a Europa obriga as empresas sediadas no continente europeu a levar em conta esses valores em todo o mundo e a tê-los em conta em suas próprias ações, ou seja, em toda a cadeia de valor que controlam, não importa em que parte do mundo ela seja realizada. Em segundo, no entanto, a Europa também vincula a essa filosofia as empresas mundiais que utilizam o mercado europeu de forma significativa, ainda quando em menor grau. Para os principais valores, como a Europa os vê, esse é um enorme impacto global que é exigido.

Embora o direito alemão seja acusado de não ser competitivo internacionalmente, o senhor prestou consultoria ao processo legislativo na China, principalmente nas áreas do direito contratual e bancário. Até que ponto o direito alemão e chines têm semelhanças estruturais e como o senhor vê a influência do direito alemão - e do direito europeu - no mundo?

Poder prestar consultoria legislativa, como um jovem professor, para a economia emergente mais importante da época em temas de direito contratual, societário e mercado de capitais, com uma série de publicações, foi um privilégio absoluto, uma grande oportunidade. Para ser franco, pude aconselhar a (agora) segunda maior economia do mundo em um inúmeras áreas do direito econômico. Desde então, tenho vários alunos lá e vários de meus livros também foram publicados em mandarim. É claro que a consultoria nunca se concentrou na Alemanha, mas sempre no direito comparado e sempre foram convidados especialistas de três ou quatro jurisdições importantes - eu, principalmente para o direito alemão, mas também para o direito europeu.

E a abordagem mais persuasiva sempre era adotada. Por isso, o direito chinês é fortemente influenciado pelo direito alemão - naturalmente, devido a um grande número desses consultores e influências, na codificação civil e até mesmo estruturalmente - e também pelo direito europeu. O fato de o direito alemão ter tido uma influência tão forte - provavelmente a mais importante - em uma economia de nível mundial não é exatamente um indício de sua falta de competitividade. Em geral, eu não mediria a competitividade do direito alemão pela frequência com a qual ele é escolhido como a lei aplicável (sua complexidade e seu idioma podem depor contra isso).

As influências indiretas parecem-me muito mais importantes: de um lado, o direito alemão influencia fortemente o direito europeu e, de outro, tem influência profunda sobre o pensamento jurídico em todo o mundo, por exemplo, em Portugal e no Brasil, ainda quando parcialmente intermediado pela Itália. Também em termos de conteúdo, acho que a forte ênfase na proteção dos direitos humanos e da personalidade, na solidariedade e na boa fé, no multilateralismo e na sustentabilidade são valores que não são ultrapassados. Eles caracterizam a Alemanha e a Europa. Pelo contrário, vejo neles um grande potencial futuro para uma sociedade permanentemente em equilíbrio.

A teoria da análise econômica do direito tem de grande importância no direito americano, mas sofre fortes críticas e resistências na Alemanha. Por quê?

Deixe-me responder a essa pergunta com algumas breves considerações. Em primeiro lugar, não é verdade que o Law and Economics seja rejeitado, em geral, na Alemanha, muito embora seja, de fato, menos proeminente que nos EUA. Há vários manuais em alemão sobre Law and Economics. Talvez o mais conhecido seja o de Hans-Bernd Schäfer e Claus Ott. O Comentário de Munique ao BGB (Münchener Kommentar) discute o direito da responsabilidade civil delitual ("Torts") com os instrumentos da análise econômica do direito. Eu mesmo não sou um opositor da Law and Economics, mas sim um simpatizante de seu adequado enquadramento, ou seja, como uma das várias disciplinas que tornam a reflexão sobre o direito mais rica. Não como a visão dominante, mas sim como uma das várias fontes importantes de conhecimento.

Em outras palavras: uma teoria jurídica pluralista faz mais jus ao direito. Isso nos leva a uma das razões centrais para uma "reserva" - não uma rejeição - da análise econômica do direito. A primeira é que o direito alemão é, de fato, dogmaticamente muito desenvolvido. Essa pode até ser a característica globalmente mais perceptível. Entretanto, outras características me parecem ainda mais importantes: o direito alemão está particularmente entrelaçado com a realidade da vida, com a prática jurídica. Quase todos os grandes juízes e profissionais têm doutorado e passaram por uma formação acadêmica intensa. O intercâmbio entre as duas áreas é extremamente intenso: os tribunais aprendem com a academia, discutem e a citam; a academia não imita a prática, mas é um interlocutor na discussão.

A segunda razão tem uma longa tradição. No início da nossa era, na década de 1920, ela se tornou um conteúdo central, o núcleo do desenvolvimento jurídico. Refiro-me à preocupação extremamente precoce com os fatos jurídicos (sociologia do direito, principalmente com Max Weber) e com a internacionalidade, a diversidade do mundo (Ernst Rabel), uma preocupação entre os maiores protagonistas da disciplina jurídica (comparável, na melhor das hipóteses, à França, que mais tarde tomou um caminho diferente). Assim, o estudo da realidade da vida, amplo e complexo, internacional, multifacetado - e não limitado a uma escola de pensamento - tem sido intensamente buscado há um século por renomados juristas. Ouço praticamente o tempo todo nas discussões na Alemanha que a Law and Economics é demasiadamente reducionista e demasiado pouco realista. O tema da sustentabilidade é um bom exemplo disso.

Nos últimos anos, o senhor tem falado muito sobre uma teoria pluralista do direito. O que você propõe exatamente?

Até o final do século 19, a ciência do direito (ao lado da filosofia política) era a única ciência sobre a sociedade e sua ordem - com a imagem da balança, do equilíbrio entre todos os interesses, pelo menos como ideal e meta. A divisão em diferentes ciências sociais trouxe grandes ganhos em conhecimento, mas, para as ciências jurídicas, trouxe também um distanciamento das fontes de conhecimento, na medida em que não integrou visões interdisciplinares. A teoria jurídica pluralista justifica, dessa forma, dois postulados: primeiro, o postulado de estar aberta à interdisciplinaridade, ou seja, de incluir essas outras fontes de conhecimento - um postulado que é compartilhado por todos, embora não necessariamente seguido. Coletivamente, as ciências jurídicas também poderiam alcançar em relação a esse primeiro postulado.

O segundo postulado me parece ainda mais importante - teoricamente, mas, acima de tudo, na prática - e revolucionário, ou seja, que todas as disciplinas relevantes, como disciplinas vizinhas, devem ser incluídas. Desde a economia até a sociologia, passando pelas ciências comportamentais, a filosofia política e algumas outras. Isso é particularmente difícil e, por isso, meu texto base (New Private Law Theory - A Pluralist Approach, publicado pela Cambridge University Press em 2021) tentou exemplificar isso através de uma abordagem concreta recorrendo a uma série de exemplos, constelações de casos e subáreas do direito. Por trás disso reside a ideia de que uma teoria jurídica pluralista só "funciona" realmente quando aplicada a um problema concreto e a um caso específico, levando em conta todos os conhecimentos que parecem relevantes.

Em um artigo complementar, publicado na revista alemã Rabels-Zeitschrift 2022, demonstrei as três grandes vantagens da teoria pluralista: em primeiro lugar, ela é heuristicamente mais rica, ou seja, uma riqueza incomparavelmente maior de conhecimento torna-se frutífera e, em segundo e terceiro lugar, ela corresponde ontologicamente mais à essência da ciência do direito e pode ser melhor justificada normativamente (em termos de teoria constitucional) do que todas as alternativas.

Isso significa que, se o direito é de fato a disciplina do equilíbrio (balança), que primeiro leva todos os interesses em consideração (mesmo que depois tenha que sopesá-los e ponderá-los), então ele deve antes de tudo todos os interesses relevantes. Eles não devem ser excluídos a priori do processo de ponderação. Os melhores "representantes" ou "auxiliares de formulação" para esses interesses são certamente as disciplinas que se ocupam profundamente com eles, que os tomam como objeto de estudo: por exemplo, o social, a coesão, os relacionamentos e a confiança na sociologia; a eficiência e a busca do progresso individual na economia; a consideração de nossos processos de pensamento e de tomada de decisão na ciência comportamental, etc.

E, normativamente, uma teoria pluralista me parece ser a mais justificável, porque o ponto de referência mais alto, i.e., as constituições (por exemplo, na Alemanha e na Europa, mas também em outros lugares) prescrevem isso. Todas elas são a expressão de uma visão pluralista de mundo, levando em conta interesses divergentes, como a proteção individual da dignidade humana, a proteção social ou a liberdade, inclusive a liberdade empresarial. O art. 2º da Constituição Europeia (Tratado da União Europeia) postula explicitamente exatamente isso. De um modo geral, pode-se dizer: uma teoria pluralista do direito é, em especial medida, uma teoria de coesão social e equalização. E como tal, decidi colocá-la no centro de minha pesquisa., por todos os mencionados acima.

Os dois maiores desafios são o excesso de conhecimento e a questão da priorização e hierarquização. A melhor maneira de lidar com o excesso de conhecimento é coletivamente. Em minha opinião, é preciso investir muito mais energia em uma visão pluralista do direito (também em termos justeorético) e, portanto, também em seu objetivo de promover a coesão social. Em termos de priorização, sugiro se orientar mais em uma avaliação paralela da respectiva Constituição relevante - semelhantemente ao que tem sido praticado há décadas em relação à temática da eficácia dos direitos fundamentais (também) no direito privado. Nesse ínterim, existe também uma rica discussão sobre isso, com várias propostas alternativas.

Com essas considerações em mente, podemos voltar à questão, levantada no âmbito da análise econômica do direito, sobre se a eficiência econômica seria - senão a única, pelo menos a principal - Leitlinie, i.e., o principal critério orientador de decisões no direito dos contratos ou das sociedades. E a resposta é claramente negativa. A ideia de que apenas uma interpretação de interesses deve ser dominante na ordem social foi até bem-sucedida, mas deve ser rejeitada teoricamente - e, também, em seus efeitos - por ser unilateral e míope.