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A teoria da base do negócio no Direito Civil brasileiro

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Atualizado em 17 de fevereiro de 2025 10:52

O German Report recebe o contributo do jovem jurista Matheus Preima Coelho, graduado em Direito pela Universidade do Contestado e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Nosso convidado aborda tema controverso no Direito brasileiro: a teoria da quebra da base objetiva do negócio.

O problema da alteração superveniente das circunstâncias, que formaram a base da decisão de contratar (base do negócio), ainda é muito mal compreendido pela doutrina e pelos tribunais brasileiros, devido, em grande medida, à regulação deficitária do Código Civil vigente que, tentando agradar a gregos e troianos, deixou-se inspirar pelo Direito francês e italiano (supostamente, também pelo Direito alemão) no momento de disciplinar a problemática.

E, como não poderia ser diferente, o resultado foi um mosaico desarmônico (arts. 317 e 478 a 480) composto por elementos díspares e, por vezes, incompatíveis provenientes da teoria francesa da imprevisão e da teoria italiana da onerosidade excessiva. Em outras palavras: falta um regime jurídico lógico e harmônico sobre alteração superveniente das circunstâncias no Código Civil.

Basta recordar que as regras cardinais dos arts. 317 e 478 do CC têm pressupostos e, principalmente, efeitos jurídicos diversos dado que, enquanto o art. 317 conduz à revisão, i.e., à adaptação do contrato à nova realidade, o art. 478 impõe, em primeira linha, sua extinção - não obstante a teoria italiana da onerosidade excessiva se pretenda uma teoria revisionista que procura dar solução aos casos em que, após a celebração, surgem eventos de efeitos extraordinários e imprevistos que dificultam (não impedem!) a execução do contrato, o que justifica, a rigor, a prevalência da conservação sobre a extinção do pacto.

O que há de novo agora é a proposta de recepção da teoria da base objetiva do negócio no PL 4/25, que propõe reformas ao Código Civil. Após sua aplicabilidade ter sido rechaçada em massa pela doutrina civilista durante a pandemia de Covid-19, ao argumento exegético da ausência de previsão legal expressa, a teoria da base do negócio retorna à cena com a nova redação atribuída aos arts. 317, 478, 479 e 480 no PL 4/25.

Porém, o risco aqui é o mesmo de outrora, ou seja, que o legislador brasileiro, ao invés de aderir a um modelo revisionista específico, volte a fazer um mix teórico incongruente, criando uma colcha de retalhos mal feita. A redação do § 313 do BGB e do art. 437 do Código Civil português poderiam ter servido de inspiração, pois mostram que rigor dogmático, visão sistêmica e contenção regulatória são qualidades imprescindíveis ao legislador.

Matheus Preima Coelho mostra, nesse artigo, quão prejudicial para o Direito pode ser a não adoção - tanto pela doutrina, como pela jurisprudência - de uma linha teórica clara para resolver o problema da alteração superveniente das circunstâncias, que, vale frisar, não impede, mas "apenas" torna excessivamente difícil (por vezes, inútil) a execução do contrato. Confira!

***

Introdução

O PL 4/25, que dispõe sobre a reforma do CC - Código Civil1, propôs a alteração do regime da alteração superveniente das circunstâncias, atualmente presente nos arts. 317 e 478, 479 e 480 do CC, através da modificação dos arts. 317, 478, 479 e 480, além de inserir um novo artigo, o art. 480-A, introduzindo no Direito brasileiro a teoria alemã da quebra da base objetiva do negócio. Isso permite rever o acolhimento da citada teoria na lei e jurisprudência brasileira mediante confronto com o atual regime constante no § 313 do BGB (Código Civil alemão), introduzido pela reforma de modernização do direito obrigacional alemão em 2002.

Em suma, o PL 4/25 estabelece a possibilidade de revisão ou resolução do contrato quando ocorra alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de base para a celebração do contrato ou constituição da obrigação, diante de eventos imprevisíveis que geraram onerosidade excessiva para uma das partes, quando exceda os riscos do contrato, conforme redação do art. 3172 e art. 4783.

No art. 479 do PL4, manteve-se a possibilidade de o credor, réu da ação de resolução, impedi-la por meio da oferta de modificação equitativa, presente na atual redação do art. 479 do CC. Adicionou-se, no entanto, um parágrafo único com quatro incisos5, os quais definem critérios para o magistrado nos casos em que o devedor demanda a revisão do contrato e a outra parte advogue a sua resolução.

Também foi proposta a positivação do dever de renegociar no art. 4806, desde que previamente pactuado em contrato, o qual não afastará o direito à resolução ou revisão, desde que presentes os requisitos dos artigos anteriormente citados, nos termos do parágrafo único7.

Ainda, de modo a positivar a doutrina da frustração do fim do contrato, o art. 480-A8 prevê a possibilidade de resolução do contrato de execução continuada ou diferida por qualquer uma das partes, caso a finalidade contratual seja frustrada. A frustração, no PL 4/25, ocorre quando eventos imprevistos impedem o cumprimento do objetivo original do contrato, desde que esses eventos não sejam controláveis pelas partes e não façam parte dos riscos assumidos no momento da assinatura. Além disso, a resolução não depende da demonstração de requisitos do art. 478, que trata da resolução por inadimplemento.

Essas propostas de modificação avançam no trato da matéria e auxiliam a resolver profundas discordâncias e controvérsias existentes acerca do regime da alteração superveniente das circunstâncias, notadamente sobre a revisão dos contratos por onerosidade excessiva por meio da teoria da base do negócio, objeto das presentes linhas.

Confira a íntegra da coluna.


1 Disponível aqui.

2 "Art. 317. Se, em decorrência de eventos imprevisíveis, houver alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a constituição da obrigação e que isto gere onerosidade excessiva, excedendo os riscos normais da obrigação, para qualquer das partes, poderá o juiz, a pedido do prejudicado, corrigi-la, de modo que assegure, tanto quanto possível, o valor real da prestação. Parágrafo único.".

3 "Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, havendo alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a celebração do contrato, em decorrência de eventos imprevisíveis que gerem onerosidade excessiva para um dos contratantes e que excedam os riscos normais da contratação, o devedor poderá pedir a sua revisão ou a sua resolução.".

4 "Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.".

5 "Parágrafo único. Na hipótese em que o devedor tenha optado por pedir a revisão do contrato, nos termos deste artigo, poderá a outra parte, em resposta ao pedido, requerer a sua resolução, cabendo-lhe demonstrar, nesse caso, que, nos termos do artigo antecedente, a revisão: I - não é possível ou não é razoável a sua imposição em razão das funções social e econômica do contrato; II - viola a boa-fé; III - acarreta sacrifício excessivo; IV - não é eficaz, pois, a alteração superveniente das circunstâncias frustrou a finalidade do contrato.".

6 "Art. 480. As partes podem estabelecer que, na hipótese de eventos supervenientes que alterem a base objetiva do contrato, negociarão a sua repactuação.".

7 "Parágrafo único. O disposto no caput não afasta eventual direito à revisão ou resolução do contrato no caso de frustração da negociação, desde que atendidos aos requisitos legais.".

8 "Art. 480-A. O contrato de execução continuada ou diferida poderá ser resolvido por iniciativa de qualquer uma das partes, quando frustrada a finalidade contratual. § 1º Dá-se a frustração da finalidade do contrato por fatos supervenientes quando deixa de existir o fim comum que justificou a contratação, desde que isso ocorra por motivos alheios ao controle das partes e não integre os riscos normais do negócio ou os que tenham sido alocados pelas partes no momento da celebração do contrato. § 2º A resolução por frustração do fim do contrato não depende da demonstração dos requisitos do art. 478 deste Código.".