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Schockschäden: alteração da jurisprudência do BGH quanto aos pressupostos de configuração dos "danos por choque psíquico"

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Atualizado às 08:06

Após o recesso de julho, dedicado aos preparativos da visita ao Brasil do dr. Josef Christ, juiz do Tribunal Constitucional alemão, que vem ao país na próxima semana para uma rodada de palestras sobre o atualíssimo tema da "Democracia Defensiva", a coluna German Report retoma suas atividades recebendo o contributo de Cícero Dantas Bisneto, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia.

O autor aborda recente e importante alteração na jurisprudência da Corte infraconstitucional alemã - Bundesgerichtshof (BGH) - sobre o ressarcimento dos danos decorrentes de choque psíquico sofrido pelo lesado, o chamado Schockschäden, tema sobre o qual nosso convidado tem se dedicado há alguns anos.

 Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia, Cícero Dantas Bisneto está finalizando o doutorado em Direito Civil na Universidade de São Paulo sobre a causalidade psíquica, sob orientação do renomado Prof. José Fernando Simão. A tese busca demonstrar que a denominada "causalidade psíquica" constitui instituto jurídico autônomo, com conceito, características, pressupostos de aplicação e critérios de solução distintos das demais figuras causais.

No trabalho, o autor examina a compatibilidade da figura com o direito brasileiro, bem como os critérios de imputação objetiva aplicáveis na resolução desse grupo de casos, sem descurar da análise de casos concretos extraídos da jurisprudência nacional e estrangeira. O tema da presente coluna tem, portanto, grande relevância. Confira!

* * *

Cícero Dantas Bisneto

Em uma série de decisões, o Bundesgerichtshof tem aprofundado as discussões acerca do denominado "danos por choque psíquico1" ("Schockschäden")2. Recentemente, por meio de julgamento realizado em 6/12/2022 no processo BGH VI ZR 168/21, o Tribunal alemão alterou seu entendimento até então consolidado, deixando de exigir um dos pressupostos para a configuração da figura jurídica, ampliando seu espectro de incidência. Por tal razão, revela-se importante o estudo do caso apreciado pela Corte de Karlsruhe. 

O caso: BGH, Urt. v. 6 6.12.2022 - VI ZR 168/21.

No caso em comento, a filha do demandante foi abusada sexualmente dos cinco aos seis anos de idade. O réu foi condenado, em julgado do Landgericht Lüneburg, em 17/6/2016, entre outras coisas, por abuso sexual da filha do autor em dez casos. O requerente afirmou ter sofrido profunda depressão reativa e, em razão disso, ter se submetido a tratamento por meio de terapia hipnótica, após ter conhecimento dos atos perpetrados pelo réu.

Durante as investigações, o autor ficou incapacitado para o trabalho de 9/6/2015 a 5/8/2016. Em virtude dos acontecimentos, sua capacidade de concentração teve um decréscimo significativo, de modo que a estabilização de seu estado psíquico somente aconteceu, de forma gradual, após a finalização dos procedimentos criminais. Devido às perturbações sofridas, o genitor da menor demandou indenização por danos morais (Schmerzensgeld) do responsável pelos atos ilícitos praticados.

Em primeira instância, o Landgericht Lüneburg, à vista do laudo psiquiátrico e após a oitiva de testemunhas, condenou o réu ao pagamento de 4.000 ?, com acréscimo de juros e honorários advocatícios. O recurso do requerido restou improvido pelo Oberlandesgericht Celle, motivo pelo qual o BGH foi acionado, buscando-se a rejeição completa da demanda.   

O BGH analisou detidamente os pressupostos para o estabelecimento do "dano por choque psíquico" ("Schockschaden"). Passa-se ao exame destes elementos, segundo a jurisprudência da Corte alemã.

Violação a bens jurídicos ("Rechtsgutverleztung")

É firme o entendimento do BGH no sentido de que o Schockschaden exige uma efetiva lesão à saúde do lesado, nos termos do § 823 I do BGB, não se mostrando suficiente o mero abalo psíquico, como o luto ou a dor emocional, a que estão sujeitos, geralmente, segundo as regras de experiência, os afetados pela morte ou grave lesão de um familiar3. Para fins de violação do direito absoluto à saúde, deve ficar provado que o fato lesivo causou uma doença psíquica na vítima (Krankheitswert4), mediante comprovação médica5. 

Somente se verifica uma lesão à saúde, segundo a jurisprudência consolidada do BGH, quando as perturbações psíquicas resultarem em uma patologia constatável (pathologisch fassbar) e ultrapassarem os abalos à saúde a que estão expostas as pessoas afetadas pela morte ou pela lesão grave de um parente próximo. Apenas mediante a cumulação destes dois pressupostos reconhecia o BGH uma ofensa à saúde.

Neste sentido, a Corte alemã já decidiu que o agravamento da dependência ao álcool, em razão de uma depressão profunda, após a morte do marido da demandante, não se apresentaria bastante para se admitir uma violação à saúde, segundo a opinião predominante sobre a matéria6. 

Esta exigência superior de uma especial violação à saúde (besondere Gesundheitsverletzung) encontra apoio em parte da doutrina alemã7. Grüneberg8 apresenta como um dos pressupostos para o reconhecimento do Schockschaden a "perturbação grave" ("schwere Beeinträchtigung"), consistente na existência de um dano à saúde, patologicamente constatado e ancorado na circunstância de que esta lesão seja de uma natureza e gravidade tal que ultrapasse os abalos sofridos por familiares em casos semelhantes.

Lange e Schiemann9 afirmam que experiências e notícias negativas não fundamentam o dever ressarcitório se não ocasionarem consequências mais graves do que qualquer pessoa deve esperar, estando abrangidas pelo "risco geral da vida" ("allgemeine Lebensrisiko"). Além disso, segundo os autores, a ocasião deve ser adequada para provocar um efeito de choque em uma pessoa que não seja excepcionalmente sensível. 

A maioria da doutrina10, no entanto, se posiciona contra a aplicação deste critério especial. Karczewsk11 argumenta que não existe justificação para o tratamento diferenciado entre os danos psíquicos, por um lado, e, de outro, os danos externamente causados ao corpo e outras violações a direitos absolutos.

No caso das lesões físicas, afirma o autor ser indiscutível que a compensação pode ser concedida mesmo que as consequências sejam mais limitadas, desde que seja necessário um atendimento médico, como, por exemplo, na hipótese de ferimentos leves suportados após um acidente de trânsito. Também lesões "menores" à propriedade ou a outros direitos absolutos conduzem ao dever de ressarcir12.

No caso em discussão (BGH, Urt. v. 6 6.12.2022 - VI ZR 168/21), o BGH, atento às críticas doutrinárias, mencionadas no corpo da decisão, alterou seu entendimento tradicional, afirmando já não aderir à interpretação restritiva usualmente adotada.

Reconhece, assim, que, na hipótese de "dano por choque psíquico", uma perturbação mental, em uma conotação patologicamente comprovável, constitui um dano à saúde, nos termos do § 823 I BGB, ainda que tenha sido provocado ao lesado indiretamente, transgredindo um bem jurídico.

Se a perturbação mental for patologicamente constatável, de forma a ser considerada uma doença, não é necessário, para configuração de uma violação à saúde, que o distúrbio ultrapasse os prejuízos à saúde aos quais as pessoas afetadas por esse tipo de acontecimento estão normalmente expostas.

O BGH deixa claro que a mudança jurisprudencial se faz necessária para equiparar os prejuízos físicos e psíquicos no âmbito do § 823 I BGB13. Nos casos dos denominados "danos por choque psíquico" ("Schockschäden"), o fundamento da responsabilidade não consiste em uma lesão a um bem jurídico de um terceiro, mas no próprio dano à saúde do requerente.

A Corte alemã registra ainda vislumbrar o risco de que, seguindo-se a jurisprudência anterior, ao examinar a violação à saúde na forma de um "dano por choque psíquico", a comparação realizada entre o prejuízo ao demandante e a reação esperada dos parentes em situações semelhantes possa conduzir a resultados injustos.

Assim, a imputação de responsabilidade poderia ser negada nas hipóteses de perturbações psíquicas causadas por infrações penais particularmente graves, uma vez que seriam consideradas consequências normais daquela espécie de acontecimentos. No entanto, seria estabelecida a responsabilidade nos casos de distúrbios psíquicos provocados por infrações "menores", uma vez que não afetariam os parentes da vítima de forma regular.

Deve-se registrar que, no caso de morte, a discussão perde muito de sua relevância, tendo em vista que, em 2017, entrou em vigor a alteração legislativa (Gesetzes zur Einführung eines Anspruchs auf Hinterbliebenengeld) que introduziu uma terceira parte no § 844 do BGB.

Segundo o comando normativo, a pessoa responsável pela reparação deve pagar aos sobreviventes, que, no momento da lesão, possuíam uma relação de proximidade particular com o falecido, uma adequada indenização em dinheiro em razão do sofrimento emocional provocado. A lei presume esta relação de proximidade se o sobrevivente for o cônjuge, o companheiro (Lebenspartner), o pai ou filho do falecido.

Nexo de causalidade (imputação)

No que toca à investigação da causalidade fática (teoria da equivalência) entre o abuso sexual sofrido pela filha e as perturbações psíquicas suportadas pelo genitor, entendeu o BGH não haver maiores discussões. Afirmou-se, no entanto, que o dever de reparar o dano deve ser limitado pelo âmbito de proteção da norma (Schutzzweck der verletzten Norm14).

Para tanto, as consequências do ato ilícito devem ser abarcadas pelo campo de perigo delimitado pela norma. Tal não se verifica se se materializar um perigo que deve ser imputado ao "risco geral da vida" ("allgemeine Lebensrisiko") e, por conseguinte, à zona de risco do lesado.  

Segundo o BGH, a imputação deve ser negada se a vítima, em sua busca neurótica por segurança, utilizar o fato como oportunidade para evitar as dificuldades e encargos da vida profissional. Também deve ser negado o nexo, segundo a Corte, se o resultado danoso for insignificante (Bagatelle), não atingindo uma predisposição especial do lesado, em virtude de se apresentar gravemente desproporcional ao acontecimento.

Ressalta o BGH, no entanto, que não se deve deixar de imputar os danos psíquicos ao requerido nos casos em que a vítima é particularmente suscetível às lesões, devido a disposições físicas ou mentais, uma vez que o infrator não pode exigir ser colocado na posição de ter lesionado uma pessoa saudável15.

Em relação aos "danos por choque psíquico" ("Schockschäden"), o BGH indicou que é reconhecido pela jurisprudência da Corte que inexiste a conexão exigida se o terceiro, que demanda a reparação dos danos, não possui uma relação de proximidade com a pessoa inicialmente afetada, concretizando-se, nesta hipótese, um "risco geral da vida".

Não é essencial, entretanto, que o terceiro morra ou sofra ferimentos graves, assim como não se requer que o lesado esteja envolvido diretamente nos acontecimentos, bastando que ocorra um "dano por efeito remoto"16 ("Fernwirkungsschaden"). Firmou-se ainda a conclusão de que o fato de não terem sido demonstrados danos físicos ou psíquicos à filha do autor, diretamente afetada, não impede a imputação ao réu dos danos causados ao genitor. 

De acordo com estes princípios, o BGH entendeu, no caso concreto, pela imputação dos danos ao réu. Segundo o Tribunal, o enfrentamento pelo pai de uma situação de abuso sexual repetido de sua filha não se enquadra no risco geral da vida do genitor. Isto se deve ao vínculo pessoal íntimo entre pais e filhos, de modo que a violação à integridade da filha deve ser entendida como uma transgressão à integridade do pai. Outrossim, ainda que se tenha constatado que o lesado tinha uma forma disfuncional de lidar com estresse, esta predisposição não se mostra suficiente para interromper o nexo de imputação17.

Danos reflexos no direito brasileiro

No Brasil, fala-se em dano reflexo ou por ricochete na hipótese em que a lesão sofrida pela vítima repercute em uma terceira pessoa18. De acordo com Fernando Noronha19,  o dano por ricochete atinge outras pessoas, conectadas àquela que é vítima imediata de certo acontecimento lesivo. O Código Civil de 2002, diferentemente do sistema português20, não trouxe um rol de legitimados aptos ao recebimento da indenização por dano extrapatrimonial nos casos de danos reflexos.

O tema é tratado no art. 948 do CC/200221, que praticamente repetiu o art. 1.537 da Codificação de 1916, acrescentando-se a expressão "sem excluir outras reparações". A abertura sistemática garantida por esse texto assegura a indenização por danos reflexos, de forma autônoma e independente, suportados por pessoas próximas à vítima22.  

O Superior Tribunal de Justiça, ancorado no art. art. 12, parágrafo único do CC/200223, tem entendido que o dano moral reflexo é presumido24 quando haja uma proximidade entre a vítima e o parente afetado, prescindindo-se da comprovação do efetivo abalo subjetivo por ela experimentado25. Assim, diferentemente do sistema alemão, não se faz necessário comprovar a existência de uma patologia psíquica, por meio de um profissional médico habilitado.

A ausência de um rol de legitimados, no direito brasileiro, traz, como ponto positivo, o fato de ser possível conceder indenização por dano por ricochete a pessoas que, provavelmente, não seriam abarcadas pela enumeração legal, como no caso de sobrinhos que compunham o núcleo familiar da vítima.

De outro lado, no entanto, reconhece-se a dificuldade de se limitar a amplitude do direito à indenização, não contando o direito brasileiro com estudos de maior impacto acerca dos limites da indenização por danos reflexos. Diante desta circunstância, a figura do nexo causal é utilizada para impor alguns parâmetros, exigindo-se que o dano por ricochete tenha relação com o evento principal26.

Conclusão

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que o BGH não mais exige, para fins de configuração do "dano por choque psíquico" ("Schockschaden"), que a perturbação psíquica da vítima ultrapasse os prejuízos à saúde aos quais as pessoas afetadas por esse tipo de acontecimento são normalmente expostas. Basta que o dano psíquico seja patologicamente constatável, aferível por um profissional médico, ainda que não se constate qualquer dano na vítima primária. No direito brasileiro, por sua vez, não se mostra imprescindível que a lesão psíquica seja medicamente aferível, sendo mesmo presumido o dano quando parentes próximos são reflexamente atingidos pelo evento principal.

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1 A tradução do vocábulo para o vernáculo não é pacífica. Ao tratar do tema, Antunes Varela se refere ao "abalo nervoso" sofrido pela mãe ao ver seu filho ser agredido ou atropelado (VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 10 ed. Coimbra: Almedina, 2000, v. 1, p. 621, nota 1). Manuel Carneiro da Frada fala em "choque psicológico" (FRADA, Manuel A. Direito civil, responsabilidade civil: o método do caso. Coimbra: Almedina, 2010, p. 101). Guilherme Reinig e Rafael Peteffi preferem a utilização da expressão "choque nervoso" (PETEFFI DA SILVA, Rafael; REINIG, Guilherme Henrique Lima. Dano reflexo ou por ricochete e lesão à saúde psíquica: os casos de "choque nervoso" (Schockschaden) no Direito Civil alemão.Civilistica.com, ano 6, n. 2, p. 1-34, 2017, p. 6). A locução "choque nervoso" é também empregada por Júlia d'Alge Mont'Alverne Barreto (BARRETO, Júlia d'Alge Mont'Alverne. Como Alemanha e Brasil indenizam o Schockschaden e os danos por ricochete. Revista eletrônica Conjur. São Paulo, 16 mai. 2022. Coluna Direito Civil Atual. Acesso em: 07 jul. 2023). Eugênio Facchini Neto menciona que, no sistema de common law, é utilizado o termo "nervous schock" e, mais atualmente, "psychiatric injury" (FACCHINI NETO, Eugênio. A tutela aquiliana da pessoa humana: os interesses protegidos. Análise de direito comparado. Revista da AJURIS, v. 39, n. 127, p. 157-195, set./2012, p. 164-165). Opta-se, nestas breves linhas, pelo uso da expressão "dano por choque psíquico", utilizando-se a tradução literal, acrescida da menção ao tipo de choque sofrido, evitando-se a confusão com as lesões à integridade física.

2 Afirma-se que os pressupostos para o reconhecimento do Schockschaden foram desenvolvidos pelo Reichsgericht em 1931. O tribunal alemão teve que se pronunciar sobre um caso em que a autora sofreu um choque nervoso (Nervenschock) após um artefato ter explodido nas imediações, por culpa do réu, ferindo seu neto. O Reichsgericht admitiu o dever de ressarcimento em razão da violação à saúde da demandante, uma vez que esta se encontrava nas imediações dos acontecimentos (RG, Urt. v. 14.3.1931 - IX 540/30) (BEHR, Angelina Maria. Schmerzensgeld und Hinterbliebenengeld im System des Schadensrechts: ein deutsch-italienischer Rechtsvergleich unter besonderer Berücksichtigung der Haftung im Strassenverkehr. Tübingen: Mohr Siebeck, 2020, p. 220). 

3 KARCZEWSKI, Christoph. Die Haftung für Schockschäden: eine rechtsvergleichende Untersuchung. Frankfurt am Main; Bern; New York; Paris: Peter Lang, 1992, p. 10.

4 DEUTSCH, Erwin; AHRENS, Hans-Jürgen. Deliktsrecht: unerlaubte Handlungen, Schadensersatz, Schmerzensgeld. 6. Auflage. München: Verlag Franz Vahlen, 2014, p. 242; MEDICUS, Dieter; LORENZ, Stephan. Schuldrecht: besonderer Teil. 18., neu bearb. Auf. München: C.H.Beck, 2018, p. 473.

5 FISCHER, Michael. Der Schockschaden im deutschen Recht und im Common Law: eine rechtsvergleichende Untersuchung des deutschen, englischen, australischen und kanadischen Rechts. Berlin: Duncker & Humblot, 2016, p. 88.

6 BGH, NJW 1984, 1405.

7 Markesinis assevera que esta exigência ilustra bem a forte ênfase que os tribunais alemães colocam na seriedade e na natureza extraordinária do choque para fins de compensação. Embora afirmem que o entendimento sofra críticas, acabam por concordar com o entendimento (MARKESINIS, Basil S.; UNBERATH, Hannes; JANSSEN, André. Markesinis's German law of torts: a comparative treatise. 5. ed. Chicago: Hart Publishing, 2019, p. 32)

GRÜNEBERG, Christian. Vorb v § 249. Palandt: bürgerliches Gesetzbuch. 79. Auflage. München: C.H. Beck, 2020, p. 294.

9 LANGE, Hermann; SCHIEMANN, Gottfried. Schadensersatz. 3. ed. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003, p. 149.

10 FISCHER, Michael. Der Schockschaden im deutschen Recht und im Common Law., cit., p 89.

11 KARCZEWSKI, Christoph. Die Haftung für Schockschäden., cit., p. 344-345.

12 Para maior aprofundamento das críticas à posição do BGH, cf. HELDERMANN, Guido Bernd. Schadensersatz für Schockschäden Dritter im Vergleich des deutschen Rechts gemäß § 823 I BGB zum englischen bzw. irischen Recht: eine rechtsvergleichende Untersuchung über die Möglichkeiten einer angemessenen und juristisch begründbaren Haftungsbegrenzung. Berlin: dissertation.de, 2004, p. 75; Wagner. § 823. In: Münchener Kommentar: Band 2: Schuldrecht - Allgemeiner Teil I. 8. Auflage. München: C.H. Beck, 2019, p. 418.

13 No caso em que um policial, ao enfrentar resistência de um jovem no cumprimento de seu dever, sofreu uma lesão em seu polegar direito, padecendo ainda de uma doença psiquiátrica, que o incapacitou permanentemente de trabalhar, o BGH já havia afirmado que não há razão para se diferenciar os danos físicos e psíquicos suportados pela vítima, de modo que também estes devem ser imputados ao lesante, ainda que um risco profissional se concretize (NJW 2021, 925). Para uma melhor análise do julgado mencionado, cf. WAGNER, Gerhard. Deliktshaftung für berufstypische Risiken. Neue Juristische Wochenschrift, 74. Jahrg., Hfet 6/2021, p. 897-900, März 2021.

14 Acerca da aplicação teoria do escopo de proteção da norma no direito brasileiro cf. REINIG, Guilherme Henrique Lima. O problema da causalidade na responsabilidade civil: a teoria do escopo da proteção da norma (Schutzzwecktheorie) e sua aplicabilidade no Direito Civil brasileiro. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo.

15 Nils Jansen assevera que, já no direito romano, vigia a regra segundo a qual o perpetrador respondia pela lesão, independentemente da condição de debilidade da vítima (JANSEN, Nils. Conditio sine qua non in general: historical report. In: WINIGER, Bénédict et al. (orgs.). Digest of European Tort Law: essential cases on natural causation. Wien; New York: Springer, 2007, p. 12).

16 GORDLEY, JAMES; JIANG, Hao, MEHREN, Arthur Taylor von. An introduction to the comparative study of private law: readings, cases, materials. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2021, p. 439.

17 Não se apresenta correto falar-se em interrupção do nexo causal, uma vez que a causalidade não pode ser interrompida, mas, no máximo, a imputação jurídica (RISTOW, Till. Die psychische Kausalität im Deliktsrecht. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2003, p. 148).

18 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1244.

19 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 624. 

20 O Código Civil português estabelece, em seu art. 496, que, no caso de morte da vítima "o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem".

21 "Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima".

22 SILVA, Rafael Peteffi da; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Daño reflejo o por rebote: pautas para un análisis de derecho comparado. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 7, ano 3. p. 207-240, abr./jun. 2016, p. 218-219.

23 "Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau".

24 Já se teve a oportunidade de criticar, de forma mais detalhada, a ideia de dano moral presumido ou in re ipsa em: DANTAS BISNETO, Cícero. Dano moral presumido (in re ipsa) no âmbito do contrato de transporte aéreo: uma análise das inovações trazidas pela Lei 14.034/20. Revista de Direito do Consumidor: RDC, v. 30, n. 137, p. 217-242, set./out. 2021.

25 STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1253018/ SP, rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., j. 18.10.2022, DJe 25.10.2022.

26 SILVA, Rafael Peteffi da; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Daño reflejo o por rebote..., cit., p. 223.