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Influenciadores digitais: fazer publicidade oculta é ato de concorrência desleal

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Atualizado às 08:08

Para muitas pessoas, postar fotos e vídeos no Instagram, YouTube ou TikTok deixou de ser um passatempo e passou a ser uma atividade lucrativa. Com efeito, os chamados influenciadores digitais ditam moda nas redes sociais, criam desejos e tendências, e influenciam massivamente o comportamento - e o consumo! - de milhares de pessoas.

De olho nessa nova forma de marketing digital, as empresas cercam as celebridades de mimos e presentes, quando não as contratam diretamente para divulgar seus produtos e/ou serviços nas redes sociais. A mídia digital permitiu o desenvolvimento de um intrincado ecossistema de publicidade digital envolvendo influenciadores, fornecedores de bens e/ou serviços e agentes intermediários.

Por isso, cresce em todo o mundo o consenso de que as celebridades digitais exercem de facto uma atividade comercial, uma nova profissão surgida com as novas mídias sociais. E mais: o influenciador atua no mercado de consumo divulgando produtos, serviços e/ou a imagem de empresas, própria ou de terceiros, devendo, portanto, se submeter não só às leis de defesa do consumidor, mas também às leis de defesa da concorrência, posto que o exercício descontrolado da atividade pode lesar também outros players do mercado.

Alguns países começaram a regulamentar a atividade dos influenciadores digitais, a exemplo da França, que recentemente promulgou a lei 451, de 9/6/23, a fim de regular a atividade do influenciador digital e combater os abusos por esses praticados nas redes sociais1. A lei francesa proíbe ao influencer promover diversos bens e serviços, como operações estéticas, tratamentos médicos e cirúrgicos, produtos com nicotina e certos produtos financeiros, além de restringir a divulgação de jogos de azar, que só poderá ser feita em plataformas que impeçam o acesso de menores de 18 anos.

No que diz respeito à discussão central do presente texto, a lei francesa impõe ao digital influencer a obrigação de indicar o caráter publicitário das postagens remuneradas, colocando na imagem ou vídeo expressamente a palavra "publicidade" ou "colaboração comercial", de forma clara, legível e facilmente identificável durante toda a promoção.

Ela joga ainda um balde de água fria nos truques das celebridades ao impor o dever de informar aos seguidores quando a imagem tiver sido retocada para, por exemplo, afinar ou avolumar a silhueta. Nesse caso, deve constar no post a menção a "imagens retocadas". O mesmo vale no caso de a imagem ser produzida por inteligência artificial ("imagens virtuais").

As penas para infrações são rígidas, variando de dois anos de prisão e multa de até 300 mil euros até a proibição, temporária ou permanente, de exercer a atividade de influenciador comercial. E nem adianta tentar se esquivar mudando de domicílio, pois o legislador francês exige que todo influenciador digital atuante no país tenha um representante legal no âmbito da União Europeia, bem como um seguro de responsabilidade obrigatório para garantir o ressarcimento de eventuais danos causados a terceiros.

Na Alemanha, o legislador não fez uma ampla regulamentação da atividade do influenciador digital, mas inseriu, em 2022, na lei contra concorrência desleal - Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (UWG) - o dever de indicar o cunho publicitário de postagens remuneradas em dinheiro ou in natura, i.e., sob a forma de qualquer tipo de proveito econômico como, por exemplo, o recebimento de produtos e/ou serviços, qualificando como prática comercial desleal a ausência de menção expressa ao caráter publicitário do conteúdo postado nas redes sociais.

Com isso, o legislador toca num ponto nevrálgico do problema: a obrigação de indicar o cunho publicitário das postagens, sob pena de configuração da prática de concorrência desleal, pondo limites à atuação desenfreada das celebridades das redes sociais, que - como atesta a realidade brasileira - fazem diuturnamente publicidade oculta dos mais diversos bens e serviços (como roupas, acessórios, viagens, hotéis, cosméticos, alimentos, etc.), a maioria camuflada sob a forma de um neutro relato de uma experiência pessoal com aquele bem ou serviço.

A alteração legislativa ocorreu depois que o Judiciário alemão começou a impor freios - leia-se: responsabilidades - à atividade do digital influencer, submetendo-o a regras que já vigoravam no mundo real para aqueles que produzem conteúdo comercial na mídia. De fato, em 2021, esta coluna (clique aqui)  noticiou as primeiras decisões sobre o tema proferidas pelo Bundesgerichtshof (BGH), Corte funcionalmente equivalente ao Superior Tribunal de Justiça, nas quais o Tribunal reconheceu o dever dos famosos de indicar o cunho publicitário de postagens remuneradas para promover produtos e/ou serviços de terceiros, entendimento reforçado recentemente no caso Diana zur Löwen. 

O caso Diana zur Löwen

Diana zur Löwen é uma das mais famosas influenciadoras da Alemanha. A jovem começou atuando nas áreas de moda e cosmética, mas vem diversificando suas atividades, falando atualmente sobre temas sensíveis, como política e investimentos financeiros. Ela foi processada por uma associação comercial de defesa da concorrência, chamada Verband Sozialer Wettbewerb e.V., por divulgar produtos e/ou serviços sob remuneração sem, contudo, indicar o caráter publicitário das postagens.

O imbróglio começou quando a blogueira publicou no Instagram, em julho de 2018, fotos suas tiradas em diversas situações, nas quais fazia referência a roupas e acessórios de grifes marcadas na postagem com tap tags, um aplicativo que remete o internauta diretamente para o site da empresa quando ele clica sobre o nome da marca indicado no post.

Primeiro, a associação notificou a influencer para que se abstivesse de fazer postagens com fins comerciais sem indicar o cunho publicitário do conteúdo - salvo se esse resultasse claramente das circunstâncias, por exemplo, através da menção expressa na postagem à palavra "publicidade" ou equivalente. As partes assinaram um acordo por meio do qual a blogueira se comprometia a não mais realizar publicidade oculta, sob pena de multa contratual.

Porém, em outubro de 2019, a jovem voltou a fazer veladamente anúncios publicitários, levando a associação a mover ação requerendo a suspensão da prática e o pagamento de multa contratual no valor 10.200 Euros, mais juros e correção monetária. Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente, sendo confirmada em grau de recurso pelo Oberlandesgericht de Colônia no processo OLG Köln I ZR 35/21. O recurso de Revision interposto pela influenciadora perante o BGH não teve melhor sorte. Trata-se do processo BGH I ZR 35/21, julgado em 13/1/2022. 

Os fundamentos da decisão do BGH

Preliminarmente, a Corte confirmou a legitimidade da associação para - nos termos do § 8 inc. 3 n. 2 da lei de defesa da concorrência2 - exigir a abstenção da conduta da influenciadora, considerada ato de concorrência desleal e aplicar a multa pela violação da lei de defesa da concorrência. No mérito, o BGH afirmou, em síntese, que o influenciador digital, que publica conteúdo pago promovendo produtos e/ou serviços, realiza atividade comercial e precisa, portanto, indicar o cunho publicitário de sua postagem, sob pena de incorrer em prática comercial desleal.

a) A atividade do influencer constitui atividade comercial

Ao contrário do que se imagina, a realização de postagens remuneradas promovendo produtos e/ou serviços não é apenas uma diversão ou a exposição de parte da vida privada de uma celebridade. Quem produz conteúdo remunerado por terceiros pratica uma ação comercial, tanto no mundo real, quanto no mundo virtual.

Na Alemanha, a lei de defesa da concorrência, mais conhecida pela abreviação UWG, tem por escopo proteger os concorrentes, ou seja, os agentes econômicos que estão em concorrência entre si, bem como os consumidores e outros atores do mercado contra práticas comerciais desleais (unlautere geschäftliche Handlungen), tutelando, em última análise, o interesse da coletividade em uma concorrência sadia (§ 1 da UWG).

O § 2, inc. 1, n. 2 do mencionado diploma define como ação comercial (geschäftliche Handlung) qualquer conduta de uma pessoa em benefício de sua própria empresa ou da empresa de outrem, realizada antes, durante ou após a conclusão de um negócio, que esteja direta e objetivamente relacionada à promoção da venda ou aquisição de bens ou serviços ou ainda, com a celebração e/ou execução de um contrato de bens ou serviços.

Para fins de proteção da concorrência, consideram-se abarcados no conceito de produtos (Waren) os bens imóveis e os chamados conteúdos digitais e, no conceito de serviços (Dienstleistungen), os serviços digitais, bem como direitos e obrigações. A norma foi acrescida na parte final do § 2, inc. 1, n. 2 após a atualização da lei, ocorrida em 24/6/2022, na qual o legislador pretendeu adaptar alguns de seus dispositivos à realidade digital, sobretudo às novas formas de comunicação e marketing na internet.

No caso em análise, a influenciadora fazia postagens para beneficiar não somente sua própria empresa, mas também empresas terceiras, como marcas de roupas, acessórios e cosméticos. E, dessa forma, realizava uma atividade comercial, nos termos do § 2, inc. 1, n. 2 da UWG, pois, segundo o BGH, todo influenciador digital que oferece em nome próprio produtos e/ou serviços ou que usa sua imagem para divulgar, de forma remunerada, produtos e/ou serviços de empresas terceiras, atua de forma comercial3.

De fato, é evidente que a exploração de um perfil no Instagram, no qual são publicadas postagens comerciais, promove - ou é objetivamente apta a promover - eventual empresa do influencer, pois aumenta sua notoriedade e seu valor comercial, despertando o interesse de outras empresas em com ele estabelecer parcerias comerciais. Além disso, como as postagens realizadas têm por objetivo influenciar a decisão comercial dos consumidores ou de outros partícipes do mercado em relação aos produtos e/ou serviços divulgados, não restam dúvidas que o influencer desenvolve uma atividade comercial em prol de sua própria empresa.

O mesmo se diga em relação às postagens destinadas a promover outras empresas. Aqui, à toda evidência, a atividade de promoção de produtos e/ou serviços pelo influenciador digital se caracteriza como uma ação comercial, mesmo que a empresa favorecida não tenha se obrigado contratualmente a realizar uma contraprestação a seu favor, afirmou a Corte de Karlsruhe.

Para saber se uma determinada ação tem ou não cunho comercial, deve-se verificar a impressão geral (Gesamteindruck) que a postagem apresenta sob a ótica de um leitor (consumidor) razoavelmente informado, atento e sensato: se o conteúdo se apresentar excessivamente comercial - i.e., tiver cunho claramente publicitário, devido, por exemplo, à inserção de links que levam ao site das marcas divulgadas - a postagem pode ser qualificada como uma ação comercial em favor da empresa favorecida, ainda quando esta não tenha prometido ao influenciador digital qualquer contraprestação (ex: dinheiro, produtos, viagens, hospedagens, etc.). Esse é o mesmo critério utilizado pela jurisprudência alemã para identificar o caráter comercial de artigos redacionais publicados na imprensa tradicional.

Dessa forma, o BGH rejeitou o argumento da blogueira de que a mera inserção na postagem do link de acesso à página da empresa na internet não poderia ser considerado um critério apto para classificar uma ação como comercial, vez que esse mecanismo é utilizado frequentemente - tanto nas mídias de notícias como nas mídias sociais - para facilitar o internauta a encontrar informações na rede. Mas o fato é que o uso dos links leva o internauta diretamente para a área de influência publicitária do fornecedor, expondo o consumidor aos produtos e/ou serviços da marca, daí resultando o cunho comercial do conteúdo. 

b) A conduta da influenciadora configurou ato de concorrência desleal

Uma vez caracterizada a atividade comercial da influenciadora - ao usar sua fama e prestígio para promover, mediante remuneração, produtos e/ou serviços de marca - o BGH concluiu que a falta de indicação do caráter publicitário das postagens configura ato de concorrência desleal, nos termos do § 5a, inc. 6 da UWG.

Segundo o dispositivo, atua de forma desleal quem não indica claramente o escopo comercial de uma ação comercial (salvo se isso resulta diretamente das circunstâncias) e a omissão dessa informação for apta a induzir o consumidor a tomar uma decisão negocial que de outro modo não tomaria. O mencionado dispositivo (inc. 6) foi suprimido na nova versão da lei alemã de combate à concorrência desleal, constando do atual inc. 4 do § 5a da UWG com a seguinte redação: 

"(4) 1 Atua ainda de forma desleal aquele que não indicar o escopo comercial de uma ação negocial, desde que isso não resulte diretamente das circunstâncias, e a não indicação seja adequada a induzir o consumidor ou outro partícipe do mercado a tomar uma decisão comercial que ele não tomaria de outro modo. 2 Uma ação em benefício da empresa de outrem não tem escopo comercial quando a pessoa que age não recebe de empresa alheia qualquer pagamento ou qualquer contraprestação similar pela ação, nem deixa que isso lhe seja prometido. 3 Presume-se o recebimento ou a promessa de uma prestação, a menos que a pessoa que age demonstre não o ter recebido."4 

Dessa forma, pela nova redação do §5a, inc. 4 da UWG, uma postagem não patrocinada - em dinheiro ou vantagens patrimoniais - não tem, em princípio, escopo comercial. A lei, porém, presume que a divulgação de bens e/ou serviços pelo influenciador é feita de forma remunerada pela empresa beneficiada, cabendo ao influencer o ônus de provar que os respectivos bens e/ou serviços foram por ele adquiridos.

Conquanto o caso sub judice não tenha sido julgado sob a égide da nova lei, que lhe é posterior, o BGH foi expresso ao reafirmar o dever do influenciador digital de indicar o cunho publicitário das postagens pagas, salvo se o caráter comercial resultar das circunstâncias de forma clara e evidente, logo à primeira vista, para o consumidor.

E o caráter promocional do conteúdo deve ser indicado logo no início da postagem e não apenas ao final, depois que o seguidor já tomou conhecimento do conteúdo e foi "capturado" pela publicidade, disse o BGH, pois o escopo do dever de identificação publicitária é justamente evitar que o consumidor seja exposto, de forma despreparada - e, logo, seduzido - pelo conteúdo publicitário. Em outras palavras: o dever de indicar o cunho publicitário do post visa permitir que o consumidor possa se preparar para avaliar aquele conteúdo de forma crítica ou até decidir dele nem tomar conhecimento.

Ademais, os seguidores esperam autenticidade do influenciador digital, ou seja, que a exposição de sua vida privada e de suas experiências não seja movida exclusivamente por fins comerciais e é essa expectativa que leva os seguidores a depositar uma confiança maior na avaliação do influencer do que em um anúncio publicitário. Portanto, os seguidores têm a expectativa legítima de que o influenciador informe claramente quando publicar conteúdo remunerado.

No caso concreto, Diana zur Löwen havia divulgado roupas e joias sem indicar que se tratava de conteúdo publicitário - como, aliás, fazem diversas celebridades aqui no Brasil. Como ela demonstrou que as roupas utilizadas nas fotos lhe pertenciam, a violação do dever de identificação da publicidade restou configurada apenas em relação às joias que a empresa Six lhe dera de presente em troca de divulgação nas redes sociais.

Segundo o BGH, a prática de concorrência desleal restou caracterizada, porque - além de não ter indicado o cunho publicitário da postagem em relação às joias utilizadas - a omissão da informação era apta a induzir o seguidor (consumidor) a tomar uma decisão comercial que de outra forma não tomaria.

No direito alemão e europeu, decisão negocial (geschäftliche Entscheidung) não é apenas a decisão de contratar. Ela envolve toda decisão do consumidor - ou de outro partícipe do mercado - relacionada diretamente com o processo de aquisição do produto e/ou serviço, como, por exemplo, a decisão sobre se, como e sob quais condições ele vai contratar, efetuar um pagamento, manter ou devolver um produto e/ou serviço oferecido ou exercer um direito relacionado a esse contrato, como explicita o § 2, inc. 1 n. 1 da UWG.

Para o BGH, o simples fato do internauta ler a postagem publicada pelo influenciador e eventualmente clicar sobre a imagem para ver a marca dos produtos e/ou serviços divulgados não configura uma decisão negocial, nos termos da lei de combate à concorrência desleal. Porém, o ato seguinte de clicar sobre o link que leva diretamente para o site da marca já pode ser qualificado como tal, pois, através desse mecanismo, o consumidor é exposto aos produtos e/ou serviços ofertados.

Dessa forma, as postagens de Diana zur Löwen tinham nítido cunho publicitário, o qual foi, contudo, omitido e essa omissão era apta a induzir seus seguidores a tomar uma decisão negocial que de outro modo não tomariam, configurando a publicidade oculta um ato de concorrência desleal, nos termos do § 5a, inc. 6 da UWG (§ 5a, inc. 4 da versão atual da lei). 

Síntese

Em suma: a prática corriqueira da influenciadora de divulgar produtos sem indicar o cunho publicitário das postagens, ou seja, sem informar aos seguidores que se tratava de conteúdo pago, seja em dinheiro, seja em "presentes" da empresa beneficiada, configura no direito alemão ato de concorrência desleal na medida em que omite o escopo comercial da postagem e essa omissão é apta a induzir o consumidor - ou outro partícipe do mercado - a tomar uma decisão comercial que ele não tomaria de outro modo. Por essa razão, o BGH considerou válida a multa aplicada pela associação à influenciadora, que, desde então, tem inserido a expressão Werbung (publicidade) logo no início de suas postagens comerciais no Instagram.

Note-se que o legislador alemão disciplinou apenas um aspecto da atividade do influenciador digital, impondo-lhe o dever de indicar o cunho comercial das postagens remuneradas a fim de combater práticas de concorrência desleal no mercado. Muitos outros aspectos da atividade do digital influencer, principalmente sua eventual responsabilização civil e penal, ainda estão em discussão por lá, da mesma forma que no Brasil. 

A discussão no Brasil

Por aqui, a doutrina tem se debruçado sobre a atividade - principalmente, a responsabilidade - do influenciador digital. Ainda não há legislação específica sobre o assunto e os influencers têm atuado nas redes sociais sem quaisquer freios e, não raro, de forma abusiva e desleal. O caso Diana zur Löwen serve de alerta para as celebridades brasileiras, que fazem postagens comerciais sem informar que se trata de conteúdo remunerado em dinheiro ou in natura, através de "presentes" enviados pelas empresas na clara expectativa de que o "mimo" seja devidamente divulgado nas redes sociais.

Embora não haja na legislação brasileira uma disposição semelhante ao § 5a, inc. 4 da lei alemã de defesa da concorrência, que expressamente qualifica como prática desleal a omissão do cunho comercial de uma postagem remunerada, é evidente que o influenciador digital promove a venda de produtos e/ou serviços no mercado de consumo e, por isso, deve se submeter - também - aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).

E, nesse ponto, o art. 31 do CDC é claro ao afirmar que toda oferta ou apresentação de produtos e/ou serviços deve ser correta, clara e precisa, exigindo o art. 36 do referido diploma que toda publicidade seja fácil e imediatamente identificada como tal pelo consumidor. A norma proíbe a publicidade oculta ou indireta (merchandising), vendando o art. 37 do CDC, por seu turno, toda publicidade enganosa ou abusiva.

Vale lembrar ainda ser defeso fazer postagens para promover bebidas alcóolicas, tabaco, medicamentos, terapias e agrotóxicos em desconformidade com as exigências da Lei 9.294/96, que, com base no art. 220 § 4º da Constituição, restringe os anúncios publicitários de tais produtos e serviços. A inobservância dessas regras sujeita o infrator - inclusive, o influencer - a sanções no plano civil, administrativo e penal. Afinal, a internet não é terra sem lei e tudo o que vale no mundo real, vale no mundo virtual.

Dessa forma, o digital influencer que faz publicidade oculta - e, portanto, ilícita - de produtos e/ou serviços em seus perfis nas redes sociais, viola o art. 36 do CDC, sujeitando-se, em decorrência da violação do dever de identificação publicitária, a sanções administrativas, como a multa, nos termos do art. 56, inc. 1 do CDC. Caso faça ou promova publicidade enganosa, abusiva ou capaz de induzir o consumidor (seguidor) a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, incorrerá a celebridade nos tipos penais previstos nos arts. 67 e 68 do CDC, cuja pena varia de detenção de três meses a dois anos e multa5.

Atento às novas formas de marketing digital e à complexidade da atividade do digital influencer, o CONAR elaborou, em 2021, um Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais, onde apresenta orientações para a aplicação das regras do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ao conteúdo comercial difundido em redes sociais, em especial ao gerado pelos influenciadores digitais.

O material deixa claro que toda mensagem, contratada por anunciante (fornecedor) ou agência, destinada a estimular o consumo de bens e/ou serviços, feita pelos influenciadores digitais, precisa ser claramente identificada como publicitária (item 1.1), salvo se o cunho publicitário resultar evidente de seu contexto.

Se não evidente o cunho comercial da mensagem, é necessária a menção explícita da identificação publicitária por meio do uso das expressões como "publicidade", "publi", "publipost" ou equivalente. A identificação do cunho publicitário da postagem deve ser facilmente perceptível sobretudo para crianças e adolescentes, devendo o conteúdo comercial ser claramente distinto dos demais conteúdos gerados pelo influenciador (item 1.1.2).

As disposições do CONAR, contudo, soam tímidas diante do poder que as celebridades têm de influenciar o comportamento de consumo de milhares de seguidores. Assim, para que o conteúdo gerado pelo influencer seja considerado de natureza comercial e, portanto, sujeito ao dever de identificação publicitária, o item 1 do Guia exige a presença de três elementos cumulativos: primeiro, a divulgação de um produto e/ou serviço; segundo, uma compensação ou relação comercial, ainda que não financeira, com o anunciante e/ou agência e, terceiro, o controle editorial da postagem do influenciador, ou seja, a ingerência por parte do anunciante e/ou agência sobre o conteúdo da mensagem divulgada.

A exigência cumulativa desses elementos parece exagerada. Note-se que ao exigir que a empresa beneficiada ou uma agência exerça de fato o controle editorial do conteúdo da postagem, o CONAR permite que os influenciadores produzam por conta própria uma gama infindável de conteúdos comerciais sem a obrigação de identificá-los como publicidade, como vê-se com frequência em redes sociais como Instagram e YouTube.

Além disso, nos termos do item 2 do referido Guia, o CONAR aparentemente não considera o recebimento de brindes, viagens e hospedagens como uma contraprestação in natura ofertada pela empresa na expectativa de divulgação pelo influenciador. E, portanto, a divulgação desse conteúdo não é qualificada pelo órgão como anúncio publicitário, mesmo quando seja evidente que esses "benefícios" podem afetar - e afetam, em regra - a imparcialidade da avaliação do influencer e, consequentemente, o teor da mensagem que, ao fim e ao cabo, destina-se a estimular o consumo do produto e/ou serviço nas redes sociais.

Essa situação difere daquela em que o influenciador faz menção, de forma espontânea, a marcas de produtos e/ou serviços adquiridos por meios próprios, sem que os tenha recebido como recompensa - ou promessa de recompensa - pela divulgação nas redes sociais. Esse tipo de postagem não tem, de fato, cunho comercial, não surgindo aqui o dever de identificação publicitária. É o caso da celebridade que exibe no Instagram o vestido de grife recentemente adquirido. Se ela foi, porém, presenteada com o vestido, a postagem deve ser considerada publicitária.

Por fim, mas não menos importante, é a discussão acerca da eventual responsabilidade do influenciador por fato ou vício do produto e/ou serviço, nos termos dos arts. 12, 14, 18 e 20 do CDC. A doutrina se divide, havendo quem pleiteie a irresponsabilidade dos influenciadores, quem sustente uma responsabilidade subjetiva e quem defenda a responsabilidade objetiva dos influencers, aos moldes da responsabilidade do fornecedor, no que tange aos efeitos patrimoniais decorrentes da realização da publicidade ilícita6. O tema, contudo, ainda exige reflexão.

Do exposto, percebe-se que muito ainda precisa ser discutido acerca da atividade exercida pelos influenciadores digitais. Inicialmente um passatempo, hoje se trata de atividade comercial apta a lesar não apenas os consumidores, mas também a concorrência, como mostra a decisão alemã comentada. Em prol da segurança jurídica, seria importante o parlamento nacional regular a atividade a fim de evitar abusos nas redes sociais.

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A França já havia regulado a atividade dos menores influenciadores, mais conhecidos como youtubers mirins, por meio da Lei 1266/2020. Sobre o tema, confira-se o excelente artigo de: DENSA, Roberta e DANTAS, Cecília. Regulamentação sobre o trabalho dos youtubers mirins na França e no Brasil. Migalhas de Responsabilidade Civil, Migalhas, 1/12/2020.

2 Tradução livre: "§ 8 Supressão e omissão. (1) Aquele que praticar um ato comercial inadmissível, nos termos do § 3 ou do § 7, pode ser interpelado para que promova sua remoção e, em caso de risco de repetição, se abstenha de o praticar. A pretensão à abstenção existe quando iminente uma infração ao § 3 ou ao § 7. (...). (3) As pretensões do inc. 1 cabem: (...) 2. às associações com capacidade jurídica para a promoção de interesses comerciais ou profissionais independentes, que estejam registadas na lista das associações comerciais qualificadas nos termos do § 8b, desde que a elas pertença um número substancial de empresários que ofereçam bens ou serviços, do mesmo tipo ou de tipo semelhante, no mesmo mercado e a infração afete os interesses dos seus membros, (...)."

No original: § 8 Beseitigung und Unterlassung (1) Wer eine nach § 3 oder § 7 unzulässige geschäftliche Handlung vornimmt, kann auf Beseitigung und bei Wiederholungsgefahr auf Unterlassung in Anspruch genommen werden. Der Anspruch auf Unterlassung besteht bereits dann, wenn eine derartige Zuwiderhandlung gegen § 3 oder § 7 droht. (...). (3) Die Ansprüche aus Absatz 1 stehen zu: (...) 2. denjenigen rechtsfähigen Verbänden zur Förderung gewerblicher oder selbstständiger beruflicher Interessen, die in der Liste der qualifizierten Wirtschaftsverbände nach § 8b eingetragen sind, soweit ihnen eine erhebliche Zahl von Unternehmern angehört, die Waren oder Dienstleistungen gleicher oder verwandter Art auf demselben Markt vertreiben, und die Zuwiderhandlung die Interessen ihrer Mitglieder berührt, (...).

3 BGH IZR 90/20 (Influencer I), j. 9/9/2021, Rn. 34-36.

4 (4)

1 Unlauter handelt auch, wer den kommerziellen Zweck einer geschäftlichen Handlung nicht kenntlich macht, sofern sich dieser nicht unmittelbar aus den Umständen ergibt, und das Nichtkenntlichmachen geeignet ist, denVerbraucher oder sonstigen Marktteilnehmer zu einer geschäftlichen Entscheidung zu veranlassen, die er andernfalls nicht getroffen hätte.

2 Ein kommerzieller Zweck liegt bei einer Handlung zugunsten eines fremden Unternehmens nicht vor, wenn der Handelnde kein Entgelt oder keine ähnliche Gegenleistung für die Handlung von dem fremden Unternehmen erhält oder sich versprechen lässt.

3 Der Erhalt oder das Versprechen einer Gegenleistung wird vermutet, es sei denn der Handelndemacht glaubhaft, dass er eine solche nicht erhalten hat.

Sobre o caso envolvendo o cantor sertanejo Gustavo Lima, que fez lives durante a pandemia consumindo álcool em excesso, fato que levou o CONAR e instaurar a Representação Ética n. 078/20 contra o artista, confira-se: SILVA, Michael César; BARBOSA, Caio e GUIMARÃES, Glayder. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais na "era das lives". Coluna Migalhas de Responsabilidade Civil, Migalhas, 10/6/2020.

6 Para um panorama acerca do tema, confira-se: SILVA, Michael; BARBOSA, Caio e BRITO, Priscila. Publicidade ilícita e influenciadores digitais: novas tendências da responsabilidade civil. Revista IBERC v. 2, n. 2, p. 1-21, mai-ago 2019. Veja-se, ainda, em relação à responsabilidade das celebridades: MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3ª ed., São Paulo: RT, 2010, p. 220 ss.