O caso Reichsbürger e os ataques à democracia
terça-feira, 7 de fevereiro de 2023
Atualizado às 11:57
Após um ano atribulado, a coluna German Report sofreu algumas reformulações e passa agora a ter periodicidade quinzenal. E iniciamos a primeira coluna do ano com um tema polêmico: os recentes ataques à democracia.
O novo ano começou conturbado por aqui. Após a posse no novo presidente eleito, o país assistiu atônito e incrédulo à invasão - e depredação - do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Foi o maior ataque às principais instituições democráticas perpetrado no país com o intuito declarado de derrubar a ordem constitucional vigente e implantar um regime autoritário sob o comando do candidato derrotado nas urnas ano passado.
Muitos partícipes da tentativa de golpe foram presos e a polícia e o Ministério Público estão em busca dos reais organizadores e financiadores do fracassado golpe.
Algo semelhante, mas em menor escala em termos de destruição, ocorreu em 6/1/2021 nos EUA quando os apoiadores do então presidente Donald Trump invadiram o Congresso norte-americano a fim de reverter sua derrota nas eleições presidenciais e impedir a certificação da vitória do candidato democrata, Joe Biden.
Dois anos após a invasão do Capitólio, o FBI, a polícia federal norte-americana, já prendeu mais de 950 envolvidos, 350 pessoas foram condenadas por acusações variadas, 192 já receberam sentenças de prisão e cerca de 350 pessoas ainda estão sendo procuradas por suspeita de participação no maior ataque à democracia estadunidense1.
Trump, por sua vez, vem enfrentando uma série de processos desde que deixou o cargo. Em dezembro de 2022 foi divulgado o relatório final da Comissão da Câmara que investigou o episódio. O documento, com mais de 800 páginas, concluiu que o ex-presidente conspirou com várias pessoas para anular os resultados legais das eleições de 2020 e não agiu para impedir que seus partidários atacassem a sede do Congresso.
Também restou comprovado que comitês do Partido Republicano e a campanha de Trump pagaram mais de 12,6 milhões de dólares para as pessoas e empresas que organizaram o comício que antecedeu o ataque ao Capitólio2.
A Comissão constatou que o ex-presidente desempenhou um papel central na insurreição e que os acontecimentos não teriam ocorrido sem sua participação. Em outras palavras: Donald Trump foi o principal responsável pela invasão do Capitólio3.
Por isso, a Comissão recomendou ao Departamento de Justiça processar Trump pelos crimes de insurreição, obstrução de procedimentos oficiais, conspiração para promover fraude, sedição (conspiração para derrubar o governo) e falsas declarações.
Foi a primeira vez na história norte-americana que o Congresso recomendou um processo criminal contra um ex-mandatário da nação. A Comissão também propôs que Trump e seus aliados sejam impedidos de ocupar cargos políticos, com base na 14ª Emenda da Constituição do país, que prevê o banimento de insurgentes.
Da mesma forma que o ataque no Brasil, o assalto ao Capitólio não tem precedentes na história dos Estados Unidos e foi classificado como terrorismo interno pelo FBI, sendo visto como uma tentativa de golpe de Estado por Donald Trump.
Nessa quadra conturbada da história estamos vivenciando vários ataques à democracia, camuflados, em sua maioria, sob o escudo da liberdade de expressão. Na Alemanha, 25 pessoas foram presas em 7/12/2022 sob a acusação de tramar para derrubar a ordem constitucional vigente.
O Caso Reichsbürger
O evento ficou conhecido como o Caso Reichsbürger, cuja tradução literal seria "Cidadãos do Império", um grupo que pretendia restaurar o Império Alemão sob o comando do até então desconhecido "príncipe" Heinrich 13º P. R., que já tinha até negociado uma nova ordem para o país com autoridades russas, a ser implantada assim que o atual governo fosse derrubado.
Estima-se que o grupo de insurretos tenha cerca de 21 mil membros espalhados principalmente pelos estados de Brandenburg, Mecklenburg-Vorpommern e na Baviera4, muito embora alguns integrantes tenham sido detidos na cidade austríaca de Kitzbuehel e em Perugia, na Itália.
Dentre os membros do Reichsbürger encontram-se aristocratas, políticos, magistrados, ex-membros da polícia e ex-soldados da Forças Armadas (Bundeswehr) e do Nationale Volksarmee (NVA), o antigo Exército Nacional Popular, da Alemanha Oriental, ironicamente denominada República Democrática Alemã (Deutsche Demokratische Republik - DDR). Segundo a Promotoria, esses homens possuem treinamento militar especial e, por isso, são considerados particularmente perigosos.
Um dos integrantes do grupo, o aristocrata Rüdiger Wilfried Hans von Pescatore, foi comandante de um batalhão de paraquedistas e acabou sendo expulso do exército devido à venda não autorizada de armas dos estoques do antigo exército da Alemanha Oriental. A figura tem passagens pelo Brasil.
Segundo noticiado na imprensa, o extremista de direita chegou com a família ao sul do país em 2016, tendo passado antes por São Paulo e Rio Grande do Norte. Embora já de volta à Alemanha, ele tem empresas abertas em Pomerode e Blumenau5.
A escolha de Santa Catarina não foi à toa: o sul concentra a maior quantidade de células neonazistas no Brasil, como demonstrou a antropóloga Adriana Dias, que estuda o neonazismo no país desde 20026.
Foi ainda em Santa Catarina, na cidade de São Miguel do Oeste, que manifestantes bolsonaristas, protestando contra o resultado das eleições, fizeram supostamente uma saudação nazista durante a execução do hino nacional7.
Outro membro importante preso na operação Reichsbürger foi a juíza Birgit Malsack-Winkemann, ex-deputada do partido de extrema direita Alternative für Deutschland (AfD), que até então atuava no juízo de primeira instância (Landgericht) em Berlim.
Ou seja, os membros do Reichsbürger são pessoas com importantes contatos, que detém conhecimento acerca das instituições democráticas e recursos financeiros para promover uma tentativa de golpe que, ainda quando malsucedida, pode disseminar fragmentos da ideologia extremista no meio social, concluiu a Procuradoria-Geral da República na Alemanha.
O grupo nega a existência da República Federal da Alemanha e afirma que o Estado atual é uma organização administrativa ainda ocupada pelas potências vencedoras da 2ª Guerra Mundial: EUA, Reino Unido e França.
Para esses lunáticos, as fronteiras de 1937 do Império Alemão ainda existem. Eles não aceitam a legalidade das autoridades governamentais e autodenominam seus pequenos "territórios nacionais" com nomes como "Segundo Império Alemão", "Estado Livre da Prússia" ou "Principado da Germânia".
Eles se recusam a pagar impostos, têm passaportes e carteiras de motorista próprios, e confeccionam camisetas e bandeiras para fins publicitários, não obstante tais atividades sejam claramente ilegais.
O Departamento Federal de Proteção da Constituição (Bundesverfassungsschutz), que tem, dentre outras competências, o dever de observar movimentos antidemocráticos no país, vem investigando o Reichsbürger há algum tempo.
Segundo o Bundesverfassungsschutz, a maioria dos membros do Reichsbürger é do sexo masculino e tem mais de 50 anos. Eles são adeptos de ideologias populistas de direita, antissemitas e neonazistas, o que levou o órgão a classificar o grupo como de extrema direita8.
Mas a verdade é que esse grupo, como tantos outros, congrega um mix heterogêneo de tendências, como - ainda - teóricos da conspiração e ideologias de liberdade e resistência, formando uma perigosa mistura ideológica que o sociólogo alemão Andreas Zick denomina de "extremismo conspiratório"9.
Em comum eles têm a perda da fé na democracia, que aparenta ser incapaz de solucionar crises em um mundo cada vez mais complexo, razão pela qual buscam o estabelecimento de um Estado alternativo.
Fiel às práticas nazistas, o Reichsbürger, tem especial apreço por armas de fogo e pela prática de atos de violência. Na operação policial, a polícia encontrou grandes depósitos de armas e munições.
Com base nas investigações e relatórios do Bundesverfassungsschutz, o Procurador-Geral da República, Peter Frank, concluiu que a associação tinha o objetivo de eliminar a ordem fundamental livre e democrática, usando violência e meios militares, razão pela qual ordenanou a grande operação policial que prendeu vários membros do grupo acusados de formar uma célula terrorista que pretendia derrubar o governo por meio de ações violentas.
Os presos estão sendo processados, dentre outros, pelos crimes de atra traição (Hochverrat) do § 83 alínea 1 e formação de associação terrorista, nos termos do § 129a, ambos do Strafgesetzbuch (StGB), o Código Penal alemão.
Interessante notar que a prisão e o processo criminal se deram por bem menos do que aqui, pois os Reichbürger não saíram do estágio do mero planejamento de golpe de estado, ao contrário do que ocorreu em 8 de janeiro, em que uma turba bolsonarista ultrapassou os limites do mero plano e partiu para a ação, depredando os três poderes mais importantes da república a fim de derrubar o governo e a ordem livre e democrática vigente.
A mensagem dada aos terroristas alemães é clara: a democracia não tolera ataques, nem sequer planos ou tentativas de golpe contra a ordem democrática constitucional. A democracia vai se defender com suas armas institucionais contra qualquer tipo de tentativa de derrubada do Estado Democrático de Direito.
E, evidentemente, não adianta recorrer ao discurso ensaiado de que, ao bradar contra a democracia, tais grupos estão apenas exercendo o direito legítimo de liberdade de expressão.
O Judiciário alemão tem mostrado que sabe, como poucos, separar o joio do trigo e delimitar o que faz - e, principalmente, o que não faz - parte do conteúdo do direito fundamental à liberdade de expressão.
Democracia defensiva
Nessa esteira, a jurisprudência alemã tem sido uníssona ao afirmar que discursos antidemocráticos, fake news e discursos de ódio não são abarcados e tutelados pela liberdade de expressão, ainda quando provenientes de agentes políticos, como parlamentares.
Tais discursos precisam, ao contrário, ser combatidos, tendo em vista que a democracia é clausula pétrea garantida no art. 79 III da Grundgesetz (GG), a Lei Fundamental alemã, que não por acaso é chamada de cláusula ou garantia eterna (Ewigkeitsklausel ou Ewigkeitsgarantie, respectivamente).
Com isso, resta claro que a norma possui validade permanente no ordenamento jurídico enquanto a Lei Fundamental vigorar na República Federal da Alemanha.
Protegidos pela imutabilidade da Ewigkeitsgarantie encontram-se ainda, v.g., a dignidade humana (art. 1 GG), a liberdade, os direitos fundamentais e os princípios estruturantes do Estado alemão: república, democracia, forma federativa, estado social e estado de direito.
Dessa forma, como bem frisou a Min. Sibylle Kessal-Wulf, do Tribunal Constitucional alemão, em palestra ano passado no Supremo Tribunal Federal, comentada nesta coluna, a Lei Fundamental alemã optou pela democracia defensiva e não tolera ataques contra a ordem livre e democrática sob o pálido manto da liberdade de expressão.
O problema da vinculação de magistrados à ordem constitucional
Na esteira desses dramáticos acontecimentos de claro cunho antidemocrático, surge o espinhoso problema da vinculação de agentes públicos - e, a rigor, também políticos - à ordem constitucional estabelecida pela Grundgesetz, em vigor desde 1949.
A prisão da juíza Birgit Malsack-Winkemann trouxe à tona a dúvida sobre o que fazer quando magistrados conspiram ou se opõem à ordem constitucional livre e democrática vigente.
Já estavam tentando afastar a juíza, por meio da premiada aposentadoria, antes da prisão devido às suas posições reacionárias e pouco republicanas quando ela ainda era deputada do partido de extrema direita AfD, entre os anos de 2017 a 2021. Com a prisão em dezembro do ano passado, sua situação está praticamente insustentável10.
Afastada do cargo, ela enfrenta atualmente processo penal e administrativo. O temor é que suas declarações - sobretudo contra imigrantes - despertem na sociedade a impressão de que a ela não pode mais dizer o direito, i.e., julgar com imparcialidade, prejudicando a imagem da magistratura como um todo.
Segundo a mídia, a juíza é conhecida adepta de teorias conspiratórias e da ideologia QAnon, um grupo norteamericano, de tendências extremistas de direita, que desde 2017 vem propagando teorias conspiratórias na internet. Por tudo isso, Malsack-Winkemann está correndo o risco de perder definitivamente seu cargo.
Foi o que aconteceu com outro juiz, também ex-deputado da extrema direita (AfD), Jens Maier, que foi aposentado compulsoriamente pelo Landgericht (LG) de Leipzig em sentença prolatada em 1/12/2022, nos autos do processo Az. 66 DG 2/22, depois de ter sido qualificado pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição como extremista de direita.
Após perder as eleições para o Bundestag em 2021, Maier queria retornar à magistratura, mas o Ministério da Justiça de Dresden achou por bem aposentá-lo compulsoriamente a fim de evitar grave dano à administração da Justiça11.
De acordo com o § 31 da Lei da Magistratura alemã - a Deutsches Richtergesetz (DRiG) - a fim de evitar um grave prejuízo para a administração da Justiça, um juiz pode ser transferido ou colocado em aposentadoria se assim o exigirem fatos externos à sua atividade judicial. Diz a norma:
"§ 31. Remoção no interesse da administração da justiça. Um juiz vitalício ou um juiz temporário pode ser colocado
1. em outro cargo judicial com o mesmo salário base final,
2. em aposentadoria temporária ou
3. em aposentadoria
se fatos externos à sua atividade judicial exigirem obrigatoriamente uma medida deste tipo, a fim de evitar um grave prejuízo para a administração da justiça."12
O LG Leipzig afirmou que um juiz precisa se portar de forma a não pôr em risco sua independência e imparcialidade e esse dever não é restringido por um mandato parlamentar. Ademais, as inúmeras declarações polêmicas de Jens Maier não foram feitas apenas da tribuna do Parlamento, mas em espaço público e nas mídias sociais como Twitter e Facebook, antes mesmo do início de seu mandato parlamentar.
A decisão foi pioneira e tem forte caráter educativo na medida em que deixa claro que "nenhum inimigo da Constituição pode dizer o direito na Alemanha", como sintetizou a Ministra da Justiça da Saxônia, Katja Meier13, comemorando a decisão de afastamento do magistrado extremista. Em outras palavras: juiz que não mantém lealdade à Constituição, não pode dizer o direito.
Birgit Malsack-Winkemann está em maus lençóis: além de estar presa sob suspeita de terrorismo e temporariamente afastada do cargo, corre o risco de perder definitivamente a função e suas remunerações, pois - ao contrário daqui - jl há um movimento político no Parlamento alemão para que os proventos de aposentadoria do juiz sejam cortados nesses casos.
Assim, o magistrado não seria premiado com a aposentadoria e suas benesses, mas tratado como se demitido por justa causa, disse Lena Kreck, política do partido de esquerda (Linke) que está articulando uma mudança urgente na legislação14.
A situação no Brasil
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça está começando a julgar casos semelhantes, mas ainda não puniu magistrados envolvidos em atos antidemocráticos, nem aqueles que adotam clara postura antidemocrática, seja no exercício de suas funções ou fora delas.
Mas, é provável que, em breve, surjam as primeiras decisões definitivas nesse sentido tendo em vista a frequência com que magistrados têm exposto seus posicionamentos político-partidários, por vezes extremistas, sob o escudo da liberdade de expressão.
Recentemente, o órgão decidiu, por unanimidade, aplicar pena de censura à juíza eleitoral da cidade de Guaraniaçu (PR), Regiane Tonet dos Santos, pelo compartilhamento de publicações em rede social com conteúdo político-partidário em pleno ano eleitoral15.
Em outro caso mais problemático, o Corregedor Nacional de Justiça, Min. Luís Felipe Salomão, afastou o juiz Wauner Batista Machado, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte (MG) por ter autorizado um empresário a obstruir uma avenida pública para realizar ato em frente ao quartel do Exército16.
A decisão foi derrubada pelo Min. Alexandre de Moraes (STF) na ADPF 519/DF logo após os atos terroristas ocorridos em Brasília no fatídico dia 8 de janeiro. Na Decisão CNJ 1471456, de 9/1/2023, o Corregedor foi no ponto: decisões judiciais não podem atentar contra o próprio Estado Democrático de Direito.
Salomão entendeu que no caso concreto houve a prática de graves infrações disciplinares pelo juiz, como a utilização do cargo para a prática de atos que favoreciam ataques ao Estado Democrático de Direito, o que legitima o afastamento imediato do magistrado do exercício de suas funções jurisdicionais.
O CNJ também está investigando outros magistrados envolvidos em postagens e/ou declarações antidemocráticas. Maria do Carmo Cardoso, juíza do TRF-1, teve seus perfis nas redes sociais Instagram e Twitter suspensos por postagens reveladoras de postura político-partidária17, o que é vedado pelo art. 95, parágrafo único, inc. III da Constituição Federal.
Outra submetida a processo disciplinar foi a juíza Ludmila Lins Grilo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que participou de evento com conotação política e fez ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal, além de divulgar na internet o canal do blogueiro bolsonarista, Allan dos Santos, após suas contas terem sido bloqueadas pelo STF no inquérito das fake news18.
No Brasil, os magistrados também estão - evidentemente - sujeitos a diversos deveres funcionais inerentes à magistratura, dentre os quais o de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Em relação especificamente ao uso de redes sociais, o CNJ publicou a Resolução 305, em 17/12/2019, na qual o órgão - preocupado em zelar pela autonomia e independência do Poder Judiciário, bem como pelos princípios da moralidade e da impessoalidade, previstos no art. 37 da Constituição - estabelece diretrizes éticas a serem observados no uso das redes sociais.
Tal como o Judiciário alemão, o CNJ tem consciência de que a integridade de conduta do magistrado, fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional, contribui para a confiança dos cidadãos na judicatura. Daí a necessidade de impor restrições e exigências pessoais no uso das redes sociais, distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Até porque, a conduta individual do magistrado nas redes sociais pode acarretar profundos impactos - positivos e negativos - sobre a percepção da sociedade em relação à credibilidade, legitimidade e respeitabilidade da atuação da Justiça.
Em outras palavras: a confiança da sociedade no Poder Judiciário está diretamente relacionada com a imagem dos magistrados, inclusive com o uso que eles fazem das redes sociais fora do âmbito da atividade jurisdicional.
Assim, conquanto a manifestação do pensamento e a liberdade de expressão sejam direitos fundamentais dos magistrados, o CNJ ressalta que esses direitos não são absolutos e precisam ser compatibilizados com os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, principalmente com o direito de ser julgado por um Judiciário imparcial, independente, isento e íntegro.
Por isso, o art. 3º da mencionada normativa exige, em seu inciso I, dentre outras coisas, que o juiz adote postura seletiva e criteriosa para o ingresso - e sua identificação - em redes sociais (alínea a) e atue de forma moderada, com decoro e respeito (alínea b).
No que tange ao conteúdo das manifestações, os juízes devem, v.g., evitar expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar, perante a sociedade, a independência, imparcialidade, integridade e idoneidade do magistrado e/ou abalar a confiança do público no Poder Judiciário (art. 3º, inc. II, alínea a).
Eles devem se abster que publicar e/ou compartilhar conteúdo impróprio ou inadequado (art. 3º, inc. II, alínea c), bem como - e principalmente - evitar autopromoção ou superexposição nas redes sociais (art. 3º, inc. II, alínea b).
Dentre as condutas expressamente vedadas está a manifestação de opiniões que demonstrem atuação político-partidária, como apoio ou crítica a candidatos, lideranças políticas ou partidos políticos, nos termos do art. 4º, inc. II da mencionada Resolução, que reproduz o art. 95, parágrafo único, inc. III da Constituição. Outra importante vedação é a emissão e/ou compartilhamento de discursos de ódio ou discriminatórios, prevista no art. 4º, inc. III da Resolução 305/2019.
Embora não haja previsão expressa à manifestações antidemocráticas, parece evidente - em razão da vinculação do juiz à ordem constitucional - que o exercício da função jurisdicional é incompatível com ataques à ordem livre e democrática estabelecida pela Carta Magna de 1988.
É como dizem os alemães: os inimigos da Constituição não podem dizer o direito.
__________
1 Dois anos após ataque ao Capitólio, há mais de 900 presos, 192 condenados à prisão e 350 foragidos. Extra, 6/1/2023. Disponível aqui.
2 O que aconteceu com invasores do Capitólio, nos EUA. Deutsche Welle, 10/1/2023. Disponível aqui.
3 U-Ausschuss veröffentlicht Abschlussbericht: Trump hauptverantwortlich für Sturm aufs Kapitol. LTO, 23.12.2022. Disponível aqui.
4 Quem é o grupo suspeito de planejar um golpe na Alemanha. DW 7/12/2022.
5 Ex-militar preso acusado de organizar golpe contra o governo alemão já morou no Brasil e tem empresas em SC. G1, 9/12/2022. Disponível aqui.
6 Segundo a antropóloga, existem pelo menos 530 núcleos extremistas no Brasil, um universo que pode chegar a 10 mil pessoas. Os estudos indicam que houve um crescimento de 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Eles exaltam o masculinismo, em uma masculinidade tóxica que implica em ódio ao feminino, mas também ao negro, à população LGBTQIAP+, a nordestinos e a imigrantes, além de serem antissemitas e de negarem o holocausto, diz a estudiosa. Grupo neonazistas crescem 270% no Brasil em 3 anos; estudiosos temem que presença online transborde para ataques violentos. Globo.com, 16/1/2022. Disponível aqui.
7 Manifestantes fazem saudação nazista durante execução do hino nacional em SC. Correio Braziliense, 2/11/2022. Disponível aqui.
8 Quem é o grupo suspeito de planejar um golpe na Alemanha. DW 7/12/2022.
9 Quão perigoso era o grupo que tramava golpe na Alemanha? DW 09/12/2022.
10 Gross-Razzia in Reichsbürgerszene: Auch Richterin und Ex-AfD-Abgeordnete festgenommen. LTO, 7/12/2022.
11 AfD-Politiker muss in vorzeitigen Ruhestand: Jens Maier darf nicht wieder Richter sein. LTO, 1/12/2022.
12 No original: "§ 31. Ein Richter auf Lebenszeit oder ein Richter auf Zeit kann
1. in ein anderes Richteramt mit gleichem Endgrundgehalt,
2. in den einstweiligen Ruhestand oder
3. in den Ruhestand
versetzt werden, wenn Tatsachen außerhalb seiner richterlichen Tätigkeit eine Maßnahme dieser Art zwingend gebieten, um eine schwere Beeinträchtigung der Rechtspflege abzuwenden."
13 AfD-Politiker muss in vorzeitigen Ruhestand: Jens Maier darf nicht wieder Richter sein. LTO, 1/12/2022.
14 Berliner Justizsenatorin will Reichsbürger-Richterin in den Ruhestand versetzen. Welt, 22/12/2022. Disponível aqui.
15 Juíza eleitoral é punida por posicionamento político em redes sociais. In CNJ, 29/11/2022. Processo Administrativo Disciplinar 0003379-07.2022.2.00.0000, instaurado em 2017.
16 Corregedoria afasta juiz mineiro que autorizou ato contra o Estado Democrático de Direito. In CNJ, 10/1/2023. Disponível aqui.
17 Corregedor do CNJ bloqueia juíza bolsonarista nas redes sociais. Folha de São Paulo, 14/12/2022.
18 CNJ investiga juíza de MG por 'possível envolvimento` com blogueiro bolsonarista. Correio Braziliense, 21/9/2022.