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Denúncia da locação de idosa viola a dignidade, diz justiça de Berlim

terça-feira, 15 de junho de 2021

Atualizado às 08:20

As discussões em torno dos problemas das locações na Alemanha está na ordem do dia. Embora o Tribunal Constitucional alemão tenha declarado recentemente a inconstitucionalidade da lei berlinense que impunha teto para os alugueis na capital, a lei federal de 2015, que introduziu a possibilidade de limitações desses valores, já teve sua constitucionalidade confirmada pela Corte em 18/7/2019, em decisão comentada nesta coluna (aqui).

A citada lei introduziu o § 556d, inc. 1 ao BGB, segundo o qual, em contratos de locação residencial, os alugueis não podem superar 10% do valor médio local em áreas de mercado imobiliários tenso, nos quais há risco de falta de moradia para a população.

Como o dispositivo tem eficácia espacial restrita às áreas com mercado tenso, há relativo consenso de que é necessário uma legislação nacional que imponha um teto aos aluguéis a fim de resolver o problema da explosão dos preços nos últimos anos e do déficit habitacional no país. Sem falar no problema da forte especulação por fundos imobiliários1.

E, não há dúvidas: a locação não é um simples contrato de escambo, mas um contrato com forte cunho existencial uma vez que a moradia é direito fundamental e afeta diretamente a dignidade humana dos envolvidos, principalmente da parte mais fraca: em regra, o inquilino.

No último dia 25/5/2021, o juízo de primeira instância de Berlim, o Landgericht (LG), reforçou a necessidade de tutela da dignidade humana nesses contratos ao pôr fim a longa batalha judicial em torno da denúncia de contrato de locação envolvendo uma locatária idosa que não queria sair do imóvel, onde residia há vinte e quatro anos.

O caso

O imbróglio começou em 2015, quando a nova proprietária do imóvel resolveu denunciar o contrato de locação alegando necessidade própria, o que, nos termos do § 573,inc. 2, alínea 2 do BGB justifica a extinção do contrato.

No direito locatício alemão, há uma regra de ouro segundo a qual a "compra não quebra a locação": Kauf bricht nicht Miete, diz o § 566 BGB, indicando que o adquirente de imóvel locado precisa respeitar a locação vigente, não podendo extinguir automaticamente o contrato.

O imóvel em disputa estava alugado desde 1997, onde a locatária residia com seu marido, um sobrevivente do Holocausto que acabou falecendo em idade avançada durante a lide. Na época, eles contestaram a denúncia alegando que estavam no local há muitos anos, tendo já criado raízes no bairro e já contavam com idade avançada e limitados por problemas de saúde.

Alegaram ainda não ter recursos suficientes para encontrar um imóvel equivalente na região pelo mesmo valor, tendo em vista a explosão dos preços dos alugueis nas grandes cidades, principalmente na capital alemã.

A nova proprietária argumentava, porém, que não queria "viver mais de aluguel". Até então, ela residia com o filho menor em imóvel alugado. Mas, com a maioridade do rapaz, ela passou a morar sozinha e queria passar a residir no imóvel.

O juiz julgou improcedente a ação de despejo movida pela proprietária ao argumento de que, em decorrência da idade avançada, os inquilinos teriam a pretensão de prorrogar o contrato por prazo indeterminado, possibilidade prevista no § 574, inc. 1, período 1 do BGB.

Segundo o dispositivo, "o inquilino pode contestar a denúncia do locador e exigir a prorrogação da relação locatícia quando o fim da relação locatícia significar extremo sacrifício para o locatário, sua família ou outro membro de sua residência, o qual, considerando os interesses legítimos do locador, seja injustificável."2 

A sentença, de 12/3/2019, foi confirmada em grau de recurso. Com a interposição do recurso de revisão ao Bundesgerichtshof (BGH), a proprietária obteve sucesso. Pelo menos, parcialmente.

A decisão do BGH

Em grau de recurso, a Corte de Karlsruhe reformou parcialmente a sentença, remetendo o caso para reapreciação em primeira instância.

Segundo o BGH, a idade avançada do inquilino, por si só, seria insuficiente para caracterizar o extremo sacrifício (§ 574 I BGB) impeditivo da denúncia. O magistrado deveria analisar ainda outras peculiaridades do caso concreto, principalmente as consequências da mudança de domicílio para o locatário.

Ademais, o longo período do contrato não prova automaticamente a criação de laços e raízes no local da residência. Isso dependente fundamentalmente da forma de vida de cada inquilino, o que teria que ser apurado no caso sub judice, sublinhou a Corte.

Trata-se do processo BGH VIII ZR 68/19, julgado recentemente, em 3/2/2021.

Retorno dos autos ao LG Berlin

Com o retorno dos autos para reapreciação dos fatos e do mérito, o juiz sentenciou novamente contra a ação movida pela proprietária, negando o pedido de despejo e desocupação do imóvel, formulado com base nos §§ 985, 546 I e 566 I BGB.

Trata-se do processo LG Berlin Az. 67 S 345/18, julgado no último dia 25/5/2021.

Segundo o magistrado, a reavaliação dos fatos mostrou que os inquilinos haviam, de fato, criado laços e raízes no local. E isso, aliado à idade avançada da locatária, depõe contra a mudança repentina de endereço.

Dessa forma, estariam preenchidos os pressupostos do § 574, inc. 1, período 1º do BGB, segundo o qual o locatário pode impedir a denúncia da locação e, consequentemente, requerer o prolongamento do contrato quando o fim da relação locatícia constituir extremo sacrífico para o locatário, sua família ou outro membro do lar, e esse sacrifício se mostrar injustificável quando ponderado com os interesses legítimos do locador.

O juiz admitiu que o interesse da proprietária de retomar o apartamento era merecedor de tutela. Porém, ao interesse na obtenção (Erlangungsinteresse) da coisa contrapõe-se o interesse na continuidade (Bestandsinteresse) da posse do imóvel pelo inquilino, devendo ambos ser ponderados à luz das circunstâncias do caso concreto a fim de ser adequadamente equilibrados.

Em regra, a jurisprudência alemã entende como extremo sacrifício aquelas desvantagens de natureza econômica, financeira, familiar, de saúde ou pessoal que resultam para o locatário com o fim da locação.

Essas desvantagens não precisam ser apuradas com absoluta precisão, pois os malefícios à saúde física ou mental em decorrência da perda da residência, por exemplo, não precisam restar comprovados, bastando o risco sério de dano para a configuração do extremo sacrifício exigido na lei, como atentamente já sublinhou o Bundesgerichtshof3.

De qualquer forma, o extremo sacrifício previsto no § 574 I BGB distingue-se dos desconfortos normalmente envolvidos com uma mudança de residência, que não legitimam a prorrogação do contrato de locação.

Com base nessas linhas gerais, o magistrado concluiu que a mudança de domicílio representava grande sacrifício para a inquilina, pois ela precisaria, já em idade avançada, deixar o local no qual estava acostumada e havia construído raízes, devido à longa duração do contrato.

A experiência mostra que, em regra, a mudança de domicílio representa grande sofrimento para as pessoas idosas, pois elas já estão acostumadas no imóvel e em seu entorno, e já construíram fortes laços pessoais e sociais nas redondezas.

Quando a denúncia foi feita, a locatária já contava com 80 anos, idade indiscutivelmente avançada para uma mudança de residência. Agora, no momento da prolação da segunda sentença, já transcorreram dez anos, de modo que a inquilina teria que se mudar do imóvel beirando os 90 anos, o que lhe seria extremamente penoso, afirmou o LG Berlim.

Isso porque a senhora já havia, inegavelmente, criado raízes no local. De acordo com a jurisprudência do BGH, quando o locatário tem contatos sociais com os vizinhos, faz as compras do dia-a-dia nas proximidades, participa de atividades culturais, religiosas ou esportivas nas redondezas e usufrui de serviços nas imediações, pode-se concluir que ele criou laços e raízes profundas no local de residência.

Para o magistrado, o fato da inquilina morar há vinte e quatro anos no imóvel já indica vínculo profundo com o local. Mas a fase probatória revelou vários outros elementos a corroborar os laços no local e os penosos efeitos de eventual mudança de domicílio para a idosa locatária.

Ela demonstrou que as compras diárias eram feitas em estabelecimentos próximos à sua rua e que os locais que ela frequentava também eram todos no mesmo bairro: cafés e restaurantes, filarmônica, sinagoga, os diversos médicos, dentre os quais o geriatra, ortopedista e oculista. Ou seja, todas as suas atividades eram realizadas nos entornos da residência.

Da mesma forma, seu círculo familiar e de amizade estava nas redondezas, pois todos os amigos moravam nas proximidades, inclusive os filhos, netos e sua irmã.

Diante dessas circunstâncias, o julgador concluiu que a mudança de residência naquela altura da vida seria extremamente difícil para a idosa senhora, preenchendo o suporte fático do § 547 I BGB, que lhe confere a pretensão de prorrogar a relação locatícia por prazo indeterminado.

Diferente seria, ponderou o magistrado, se a idosa pudesse compensar a perda do imóvel de alguma forma, v.g., se ela fosse proprietária de outros imóveis ou se tivesse condições de conseguir, com facilidade, um local próximo a sua residência que lhe permitisse manter seus hábitos e os círculos de convivência. Mas, no caso concreto, faltava à locatária essa possibilidade.

Em razão das inúmeras restrições que a idosa sofreria por ter que deixar o apartamento, o LG Berlim concluiu que as consequências da perda da residência seriam tão gravosas para a locatária que violariam sua dignidade, tutelada no Art. 1, inc. 1 da Grundgesetz, a Lei Fundamental alemã.

Segundo o julgado, "o art. 1, inc. 1 da Lei Fundamental e o princípio do Estado Social obrigam o Estado a conservar os pressupostos fundamentais da existência individual e social. O Estado deve, por isso, tutelar um mínimo existencial que permita uma existência humana digna". E continua: "Esse princípio reivindica proeminente significado em área intensamente marcada pela jusfundamentalidade, como a situação de vida e moradia."4.

Seria inconciliável com a proteção da dignidade humana se a continuidade da situação de vida e moradia da idosa, amparada em contrato de locação por tempo indeterminado, não pudesse ser garantida na última etapa de sua vida, retirando, ao contrário, o ponto central de sua vida e existência (residência), no qual ela havia construído profundas raízes. Segundo a ementa da sentença:

"O encerramento da relação locatícia decorrente de denúncia pode violar o inquilino em sua dignidade humana, garantida pelo art. 1, inc. 1 da Lei Fundamental, quando ele se encontra em idade avançada, profundamente arraigado no local do imóvel locado e não há para ele nenhuma chance concreta e realizável de reconstruir, de forma permanente, com base em uma decisão autônoma, sua existência privada em outro lugar, conservando as raízes existentes em seu atual domicílio.

Se as consequências da denúncia violam o locatário em sua dignidade humana, uma ponderação dos interesses, nos termos do § 574, inc. 1 BGB, pode ser favorável ao locador quando seu interesse na obtenção [do imóvel] for especialmente urgente. É insuficiente pretender evitar desvantagens corriqueiras de conforto e econômicas."5

Sem negar a relevância dos interesses legítimos da proprietária de retomar o imóvel para uso próprio após o filho ter saído de casa e ela ter passado a viver sozinha, o juiz concluiu que os interesses da inquilina idosa de permanecer no imóvel mereciam maior tutela na ponderação dos interesses em colisão.

O magistrado assinalou que na valoração da denúncia do contrato, fundada na pretensão de uso do imóvel pelo proprietário, há de se considerar a necessidade e a urgência do dono em ter de volta o bem. No caso concreto, não restou configurada a urgência, vez que a proprietária queria o apartamento apenas para ter um conforto maior e evitar eventuais desvantagens econômicas decorrentes do aluguel de outro imóvel.

Isso, porém, seria insuficiente para afastar os interesses da idosa locatária, que já criara profundos laços no local, afirmou o julgador.

Ele também considerou irrelevante o fato, alegado pela proprietária, de que a inquilina havia lhe ofendido. Segundo ele, ainda quando isso possa qualificar, em tese, uma violação de dever (Pflichtverletzung) e, portanto, uma conduta antijurídica, ela não seria grave o suficiente para justificar a denúncia do contrato, pois para se extinguir relações contratuais de longa duração é imprescindível que a violação do dever seja considerada grave.

Dessa forma, o Landgericht Berlim julgou inválida a denúncia do contrato de locação por ofensa ao § 574 I BGB. A proprietária ainda pode recorrer da decisão. Mas a sentença já sinalizou inexistir motivos para a interposição da Revision ao BGH, nos termos do § 543 ZPO, o código de processo civil alemão.

A decisão do LG Berlim reforça a proteção de inquilinos idosos e com laços já estabelecidos no local contra a denúncia da locação pelo proprietário, ainda quando baseada na necessidade pessoal de uso do imóvel.

Não à toa o § 574 I BGB é chamado de "cláusula social" (Sozialklausel), fazendo parte do núcleo do "direito social de locação" (soziales Mietrecht), nas palavras sempre precisas de Ina Ebert, Professora da Universidade de Munique6, mostrando a preocupação do direito alemão em tutelar o inquilino, a parte geralmente mais fraca da relação locatícia, pois depende do objeto para gozar plenamente de seu direito à moradia e a uma existência digna. 

A situação no Brasil

O direito de locação é uma área sensível no Brasil. Enquanto alguns anseiam por um sistema de livre mercado que atraia investidores e aumente a oferta de imóveis no mercado, outros clamam por uma maior proteção do inquilino.

A pandemia escancarou a frágil solidariedade existente no setor com a acirrada disputa política em torno da proposta de proibição de despejo até 30/10/2020, data que o legislador emergencial imaginava que o coronavírus estaria debelado, apesar dos alertas sobre a gravidade da crise epidemiológica emitidos pelas autoridades sanitárias internacionais.

Esse dispositivo, previsto inicialmente no art. 9º do PL 1.179/2020, acabou sendo suprimido no próprio Senado Federal, prevendo a já caduca Lei 14.010/2020 apenas a proibição de concessão de liminar de despejo nas raras hipóteses do § 1º do art. 59 da Lei do Inquilinato.

Dessa forma, ao contrário do que ocorreu em outros países, inclusive na vizinha Argentina, a lei emergencial do coronavírus não proibiu os despejos por falta de pagamento durante a pandemia, mas tão só o despejo sem contraditório admitido nas restritas hipóteses do art. 59 § 1º da lei 8.425/1991.

Talvez sua inaptidão para proteger os inquilinos contra a desocupação do imóvel por atraso no pagamento dos alugueis durante a pandemia tenha contribuído para o veto presidencial ao texto do art. 9º da lei 14.010/2020, o que fez com que a norma tivesse vida curta, pois só esteve em vigor por menos de dois meses após a derrubada do veto pelo Senado, em 8/9/2020. De qualquer forma, o mencionado dispositivo era inábil a resolver o principal problema das locações urbanas em tempos de pandemia: o despejo por atraso no aluguel.

Até vozes defensoras da dignidade humana, função social do contrato, solidariedade constitucional e eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, em desapego a seus princípios, se posicionaram contra a proibição de despejo por atraso no pagamento do aluguel causado pela paralisação das atividades econômicas, medida que visava impedir que famílias inteiras pudessem parar no meio da rua durante o isolamento social, pondo em risco a vida, a saúde e a dignidade das pessoas.

O discurso de proteção da dignidade humana, função social do contrato, solidariedade constitucional, boa-fé e consideração pelos interesses legítimos do alter esvaíram-se como pó quando se exigiu uma parcela de sacrifício de cada um diante da maior crise sanitária e humanitária enfrentada no país.

No que tange à questão da denúncia do contrato, a Lei do Inquilinato (lei 8.245/1991) proíbe, como regra geral, ao proprietário de imóvel residencial, locado por prazo determinado, pedir o bem antes do término do contrato. Dessa forma, o locatário tem a segurança de que, durante a vigência do contrato, poderá usufruir do imóvel sem o receio de ter que se mudar no curso da locação.

Exceto diante das hipóteses expressamente elencadas no art. 9º da Lei do Inquilinato: mútuo acordo (inc. I), infração legal ou contratual pelo locatário (inc. II) ou falta de pagamento de aluguel e demais encargos (inc. III). Assim, se o locatário não der causa à denúncia, a locação não poderá ser desfeita, salvo acordo das partes.

Se o contrato escrito tiver prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato se dá findo o prazo estipulado, independente de notificação ou aviso prévio (art. 46). Nesses casos, o locador pode retomar o imóvel sem ter que apresentar qualquer motivo, o que se chama comumente de "denúncia vazia".

Se, findo o prazo ajustado, o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do proprietário, a locação prorroga-se automaticamente por prazo indeterminado (art. 46 § 1º). Nesse caso, o locador só poderá denunciar a locação mediante prévia notificação, concedendo o prazo de 30 dias para a desocupação do imóvel. Aqui também não se exige a apresentação de nenhum motivo para a denúncia do contrato.

Disposição semelhante ao § 574 I BGB encontra-se apenas nos contratos com prazo inferior a trinta meses, prorrogados por prazo indeterminado com a permanência pacífica do locatário no imóvel. Nesses casos, a denúncia condicionada só será admitida nas hipóteses do art. 47 da lei 8.245/1991, as quais possuem caráter de numerus clausus.

Dentre os casos em que a lei admite a retomada do imóvel, o inc. 3 do art. 47 prevê a devolução para uso do locador, do cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente, desde que o beneficiado não disponha de imóvel residencial próprio.

Parte importante da doutrina afirma militar uma "presunção de sinceridade" em favor do proprietário, que só poderia ser destruída por provas concretas apresentadas pelo locatário, embora tal conclusão não encontre amparo na letra e no espírito da lei.

A lógica parece ser, com a devida vênia, exatamente o contrário: o locador, parte presumidamente mais forte da relação locatícia, deve demonstrar a necessidade de retomar o imóvel para uso pessoal seu ou de familiar, até para evitar condutas maliciosas, incompatíveis com a finalidade social da lei especial.

Afinal, em contratos que envolvem interesses existenciais, como moradia e existência digna, não se pode imaginar que o proprietário seja o único juiz de suas conveniências, sendo vedado ao inquilino questionar a pretensão de retomada do imóvel.

O § 1º do art. 47 da Lei do Inquilinato exige a prova da necessidade da retomada em algumas situações, como quando o retomante ocupar outro imóvel de sua propriedade na mesma localidade ou quando o ascendente/descendente, beneficiário da retomada, residir em imóvel próprio.

Nesses casos, o proprietário deve demonstrar que a necessidade de mudança resulta de condições de saúde, mudança de local de trabalho, aumento ou redução dos membros da família, etc., ou seja, de circunstâncias justificáveis.

Dessa forma, percebe-se que a idosa alemã dificilmente seria tutelada pela lei brasileira, pois a proprietária do imóvel vivia de aluguel (doutrina majoritária presume a necessidade nesses casos) e houve redução do grupo familiar com a saída de casa do filho ao atingir a maioridade, passando a locadora a morar sozinha.

Nada obstante, é fácil imaginar os danos - inclusive psíquicos - causados pela denúncia da locação de locatários idosos, que precisam abandonar suas residências após décadas vivendo no local.

O caso da inquilina idosa faz-nos refletir e questionar até que ponto os empolgantes discursos de proteção da dignidade humana e da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas são efetivamente postos em prática entre nós pela jurisprudência e pela doutrina.

__________

1 Dentre outras matérias, confira-se: O inesperado impacto após a queda da lei de controle de aluguéis em Berlim. DW Brasil, 3/5/2021.

2 § 574, Abs. 1 - Der Mieter kann der Kündigung des Vermieters widersprechen und von ihm die Fortsetzung des Mietverhältnisses verlangen, wenn die Beendigung des Mietverhältnisses für den Mieter, seine Familie oder einen anderen Angehörigen seines Haushalts eine Härte bedeuten würde, die auch unter Würdigung der berechtigten Interessen des Vermieters nicht zu rechtfertigen ist.

3 BGH VIII ZR 57/13, julgado em 16/10/2013.

4 No original: "Denn Art. 1 Abs. 1 GG und das Sozialstaatsprinzip verpflichten den Staat, die grundlegenden individueller und sozialer Existenz zu erhalten. Der Staat hat deshalb jenes Existenzminimum zu gewähren, das ein menschenwürdiges Dasein überhaupt erst ausmacht... Dieser Grundsatz beansprucht herausgehobene Bedeutung im besonders grundrechtsintensiven Bereich der menschlichen Wohn- und Lebenssituation". LG Berlim 67 S 345/18, Rn. 38, p. 5.

5 No original: "Die kündigungsbedingte Beendigung des Mietverhältnisses kann den Mieter in seiner durch Art. 1 Abs. 1 GG garantierten Menschenwürde verletzen, wenn er sich in einem hohen Lebensalter befindet, tief am Ort der Mietsache verwurzelt ist und für ihn keine konkrete und realisierbare Chance mehr besteht, seine private Existenz aufgrund einer autonomen Entscheidung anderen Ortes unter Erhalt der an seinem bisherigen Wohnort vorhandenen Wurzeln erneut und auf Dauer wieder aufzubauen. Verletzen die Kündigungsfolgen den Mieter in seiner Menschenwürde, kann eine Interessenabwägung nach 574 Abs. 1 BGB allenfalls dann zu Gunsten des Vermieters ausfallen, wenn sein Erlangungsinteresse besonders dringend ist. Die Vermeidung gewöhnlicher Komfort- und wirtschaftlicher Nachteile reicht dafür nicht aus."

6 In: Bürgerliches Gesetzbuch Handkommentar. Reiner Schulze (coord.). 8a ed. Baden-Baden: Nomos, 2014, § 574, Rn. 1, p. 859.