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Justiça põe em quarentena todos os trabalhadores de fazenda na Bavária

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Atualizado às 07:21

Apesar de muitos países na Europa já terem flexibilizado as regras de combate à pandemia, principalmente o isolamento social, permitindo a circulação das pessoas e o retorno das atividades econômicas, ainda que condicionada a rígidas medidas de higiene e distanciamento, não se pode imaginar que o coronavírus já esteja debelado.

E a prova disso é o aumento, embora de forma (ainda) não alarmante, do número de casos de contágio em razão das férias de verão no continente europeu. Na Alemanha não é diferente e o governo está acompanhando e documentando os novos números da doença diariamente.

Um dos grandes desafios agora é ver como se dará o retorno ao trabalho, às escolas e, em geral, a volta de atividades que envolvam aglomeração.

Na Bavária, um agricultor, produtor de pepinos em conserva, está correndo o risco de perder toda a safra por falta de trabalhadores para ajudar na colheita. Isso, porque quase metade dos trabalhadores foram contaminados pelo Sars-CoV-2.

O caso

O caso aconteceu na região de Dingolfing-Landau, onde o agricultor chega a empregar em sua fazenda, por temporada, cerca de mil empregados temporários provenientes de países como Bulgária, Romênia e Hungria, dentre outros.

Nesse verão, estavam laborando em sua propriedade aproximadamente 470 pessoas, que trabalham em turnos alternados e, durante a estadia no país, ficam hospedadas em containers adaptados, em grupos de duas a cinco pessoas.

Em 25/7/2020, foi feita uma inspeção no local e cerca de 174 contratados testaram positivo ao coronavírus. Apenas cinco dias depois, o número aumentou em mais 52 pessoas, que até então estavam abrigadas nos alojamentos dos trabalhadores sadios.

O fato levou os agentes públicos a interditar o local, determinando o isolamento de todos os trabalhadores para conter a propagação descontrolada do vírus.

A medida de interdição amparou-se na Lei de Proteção contra Infecção, a chamada Infektionsschutzgesetz, que foi reformada esse ano e adaptada à situação da pandemia de Covid-19.

Para o Poder Público, a medida de colocar todos os empregados em quarentena visa proteger não apenas essas pessoas, mas também a população, pois o isolamento promoveria uma interrupção na cadeia de contágio.

De observar, disse o Município, que o teste negativo indica apenas que não há contaminação. Mas a pessoa, embora testando negativo à Covid-19, pode ser agente transmissor da doença e - seja nos containers, durante o transporte no ônibus ou no campo - contaminar os demais trabalhadores e terceiros, além de se expor massivamente a risco de dano.

O produtor de pepinos tentou resolver o problema administrativamente, apresentando um plano de medidas que garantiriam, a seu ver, a segurança no local de trabalho.

Dentre as medidas, ele se comprometia a colocar em campo apenas as pessoas que testaram negativo; a ocupar os ônibus de transporte dos empregados com, no máximo, dezoito pessoas, mantendo distanciamento; a desinfetar regularmente os veículos, além de adquirir máscaras e luvas de proteção, realizar frequentemente testes de Covid-19 e até contratar tradutores para garantir que as regras de segurança seriam totalmente compreendidas pelos empregados.

Mas os agentes de saúde pública acharam o plano ineficiente e insuficiente para evitar o virulento contágio, o que poria em risco os trabalhadores, a população e a rede pública hospitalar.

O agricultor, então, entrou com ação perante o tribunal administrativo da cidade de Regensburg, na Bavária (Bayerisches Verwaltungsgericht Regensburg), pedindo a concessão de medida liminar a fim de que os trabalhadores sadios continuassem na colheita.

Ele alegou risco de dano irreparável, uma vez que a colheita de pepinos só dura até metade de agosto e que, sem os trabalhadores contratados, ele perderia toda a safra, comprometendo seriamente sua existência, vez que a colheita de pepinos representa 85% de seu faturamento anual.

Mas o Tribunal de primeira instância considerou a determinação do Poder Público necessária, adequada e proporcional. Trata-se do processo VG Regensburg RN 14 E 20.1311, julgado semana passada, no dia 04.08.2020.

Segundo a decisão, o completo isolamento dos trabalhadores é medida adequada e indispensável para frear a propagação incontrolada do vírus.

No caso concreto, inexiste medida eficaz menos restritiva, seja considerando o alto número de infectados, seja considerando a dificuldade de impedir totalmente o contato das pessoas infectadas com aquelas que testaram negativo e com terceiros, disse a Corte.

O VG Regensburg considerou que o plano de medidas do autor era insuficiente para impedir o contágio, pois novos infectados foram descobertos dentre aqueles que inicialmente testaram negativo.

E o risco de contágio do coronavírus é grande, até porque a pessoa infectada pode transmitir o vírus mesmo três dias antes do início dos sintomas ou ainda quando assintomática, quando ela sequer sabe ter a doença. Dessa forma, disse o Tribunal Administrativo, o temor do contágio da doença é real e a colocação de trabalhadores no campo não interromperia a cadeia de infecção.

Apesar das gravosas consequências econômicas para o autor, a medida é necessária, adequada e proporcional face ao grande risco que o Sars-CoV-2 representa para a saúde da população, tendo em vista o risco de desenvolvimento difícil da doença em muitas pessoas.

Dessa forma, a preservação da saúde dos trabalhadores e de terceiros tem absoluta primazia diante do interesse patrimonial do agricultor, concluiu a Corte.

Embora ainda caiba recurso da decisão, ela vem na esteira do recente escândalo envolvendo fabricante de carnes, Tönnies, cuja fábrica fora fechada após mais de 1.500 funcionários testarem positivo à Covid-19, o que levou o Poder Público a colocar os mais de sete mil empregados em quarentena.

A importância do caso

O coronavírus tem provocado intensa discussão na Alemanha acerca dos deveres e obrigações dos empregadores para evitar contaminação no ambiente de trabalho, o que envolve a assunção de custos com a adoção de medidas de segurança, as quais podem variar desde a disponibilização na empresa de álcool gel até a realização semanal de testes nos funcionários, como imposto no estado de Nordrhein-Westfalen tem exigido, em medida já questionada judicialmente.

Isso sem falar no debate em torno da obrigação do empregador de disponibilizar todo o aparato técnico necessário e adequado para os trabalhadores em home office. Tudo isso envolve custos de implementação, mas, sobretudo, riscos de responsabilidade.

Dessa forma, o coronavírus tem colocado as questões trabalhistas no centro dos programas de compliance das empresas, pois os riscos decorrentes do descumprimento das regras e normas sanitárias no ambiente de trabalho são altos, vez que pode ser decretado até o fechamento temporário da empresa para interromper a cadeia de contaminação, como mostra o caso comentado.

Isso nos convida a refletir sobre como o problema tem sido solucionado aqui no Brasil, onde o isolamento social está afrouxando (nunca foi, a rigor, seriamente observado) e as atividades econômicas estão retornando sem que o contágio esteja diminuindo.

Já começaram a surgir algumas decisões na Justiça Trabalhista ordenando a colocação em quarentena de todos os funcionários que tiveram contato com o infectado por Covid-19, como no caso envolvendo a agência dos Correios de Jaú/SP.

Porém, em situações excepcionais, isso pode ser insuficiente para impedir a propagação do vírus, como mostram as decisões alemãs, podendo se impor, no caso concreto, a necessidade de fechar temporariamente o local de trabalho.

De qualquer forma, o debate em torno da responsabilidade dos empregadores por contágio no ambiente de trabalho parece estar só começando, pois, ao que tudo indica, sobre os empregadores vão recair os custos de planejar, implementar e manter medidas de higiene e distanciamento eficazes para impedir contágio entre os funcionários.

E aqui é importante ter um aconselhamento profissional especializado a fim de se elaborar um programa de compliance adequado e eficaz, que impeça perdas patrimoniais sensíveis para a empresa.