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Negação do holocausto não é liberdade de expressão

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Atualizado às 09:48

A coluna German Report inicia o novo ano - e a nova década de 2020 - comentando uma das mais importantes decisões da Cour Européenne des Droits de L'Homme, proferidas em 2019.

Ela foi comentada na época no canal do Instagram (@karinanfritz15), mas, pela relevância e atualidade, merece ser abordada nessa coluna.

Trata-se do caso Pastörs v. Germany, Application n. 55225/14, julgado pela 5a Sessão da Corte, em 3/10/2019.

No caso, a Corte de Strasbourg decidiu que negar o holocausto não está abrangido pela liberdade de expressão.

Dessa forma, o Tribunal rejeitou queixa movida por Udo Pastörs, ex-chefe do partido ultranacionalista de direita NPD (Partido Nacional Democrata), suposto difusor de ideias neonazistas.

Em 28 de janeiro de 2010, o político fez em um pronunciamento no Parlamento Estadual (Landstag) de Mecklenburg-Vorpommern no qual criticou o evento realizado na Casa em memória do holocausto, comemorado anualmente dia 27 de janeiro. Ele e os demais membros do partido não compareceram ao evento como forma de protesto.

O "chamado holocausto", disse ele, estaria sendo utilizado para fins políticos e comerciais, inclusive pelos partidos burgueses. Segundo Pastörs, desde o final da 2a Guerra Mundial, os alemães vêm sendo expostos a uma série interminável de críticas e mentiras propagandísticas, cultivadas de maneira desonesta, principalmente por representantes dos chamados partidos democráticos.

Para o político, o evento ocorrido na Casa Legislativa nada mais era do que "projeções de Auschwitz", tendo o termo sido empregado como sinônimo de "mentira de Auschwitz", outra expressão frequentemente utilizada por ele.

Pastörs afirmou que o evento em memória às vítimas do holocausto seria um "teatro de consternação" de uma "cultura de culpa".

Em 2012, o Tribunal da Comarca de Schwerin condenou Pastörs a oito meses de prisão e a multa de 6 mil euros por calúnia e difamação da memória dos milhares de falecidos na tragédia.

A sentença foi confirmada pelo Tribunal Estadual de Rostock, que afirmou que Pastörs teria negado o holocausto em sua fala.

Ele recorreu ao Tribunal Constitucional em Karlsruhe, o Bundesverfassungsgericht, alegando imunidade parlamentar e violação à liberdade de expressão.

Mas a Corte julgou improcedente a queixa constitucional, em 2014, sob o argumento de que a negação do holocausto não estaria abrangida pelo conteúdo do direito fundamental à liberdade de expressão (Meinungsfreiheit).

Ao contrário, da forma como feita, a fala de Pastörs caracterizava uma "negação qualificada do holocausto" (qualifizierte Auschwitzleugnung), enquadrável no § 187 do Código Penal, tendo por vítimas os milhares de judeus perseguidos e mortos durante a tirania nazista.

O massacre sistemático em massa dos judeus, cometido nos campos de concentração durante a 2a Guerra Mundial, é um fato histórico comprovado, afirmou a Corte Constitucional, de forma que a liberdade de expressão parlamentar não lhe dá o direito de negar a historia e falar absurdos, denegrindo a memória das pessoas mortas em Auschwitz.

Diante da condenação, o político recorreu ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos alegando que as cortes alemãs selecionaram indevidamente um pequeno trecho de seu discurso e o interpretaram mal, e que, por isso, a decisão violava sua liberdade de expressão, prevista no art. 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Mas a Corte de Strassburg entendeu que a condenação de Pastörs, na Alemanha, por suas declarações sobre o holocausto não viola seu direito à liberdade de expressão, protegido pelo citado dispositivo.

Ao contrário: afronta valores da própria Convenção, pois sua fala só pode ser objetivamente entendida como uma "negação do massacre racista sistêmico dos judeus", ocorrido durante o regime nazista na Alemanha.

Sua condenação criminal foi uma interferência proporcional ao "objetivo legítimo perseguido" e, portanto, "necessária em uma sociedade democrática".

A Corte acentuou que, em princípio, as manifestações parlamentares são dignas de proteção e necessárias em uma sociedade democrática, razão pela qual os Estados só têm uma margem muito limitada para regular o conteúdo do discurso parlamentar.

Carecem, contudo, de proteção aquelas manifestações que - como a de Pastörs - contrariam os valores democráticos da Convenção.

A decisão da Corte de Strassburg, na esteira do entendimento do Tribunal Constitucional Alemão, representa uma importante delimitação do conteúdo do direito fundamental à liberdade de expressão, que não pode servir de escudo para afastar condenações, penais ou civis, de qualquer pessoa que dele abuse a fim de atentar contra os valores fundamentais da ordem constitucional, como democracia, liberdade, igualdade e dignidade humana. Excelente precedente a ser seguido no resto do mundo, inclusive por aqui.