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Direcionar câmera para a casa do vizinho fere os direitos de personalidade

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Atualizado às 09:31

Segundo o Tribunal de Koblenz, cidade situada na região da Renânia, no noroeste da Alemanha, instalar uma câmera direcionada à casa do vizinho atenta contra os direitos de personalidade, ainda quando a câmera seja de brinquedo, pois surge para o vizinho a pressão de estar sendo permanentemente vigiado.

O caso

O proprietário instalou duas câmeras em seu imóvel: uma fictícia, no pé de avelã (aveleira) localizado bem rente à linha divisória com o terreno lindeiro e a outra, de verdade, no alto da janela. As duas estavam direcionadas ao imóvel do vizinho.

O vizinho reclamou, pediu para ele redirecionar as câmeras para o seu próprio terreno, mas nada adiantou. A briga de vizinhos, então, foi parar no Judiciário.

O processo

O vizinho entrou com uma ação solicitando que os dois aparelhos fossem retirados ou reposicionados de forma a não filmar seu imóvel e nem a área pública comum a ambos, pois não queria que ele e sua família fossem filmados por lente alheia.

O proprietário dos equipamentos alegou que o sistema visava inibir a ação de eventuais criminosos, que tentassem invadir sua residência, de forma que as câmeras haviam sido instaladas exclusivamente por questões de segurança.

O juízo de primeira instância, da Comarca de Betzdorf, deu ganho de causa ao vizinho, mesmo considerando que a câmera mais próxima, instalada na aveleira, era de brinquedo e incapaz de captar qualquer imagem.

A decisão do LG Koblenz

O Tribunal de Relação de Koblenz - o Landgericht (LG) - confirmou a sentença de primeiro grau, prolatada em abril último. Trata-se do processo LG Koblenz AZ 13 S 17/19, julgado em 5/9/2019.

Segundo o Tribunal, a jurisprudência alemã é uníssona no sentido de que a permanente vigilância através de câmeras fere os direitos de personalidade das pessoas atingidas, mais especificamente seu direito à autodeterminação informacional.

Esse direito à autodeterminação informacional engloba o poder do indivíduo de, em princípio, decidir sozinho quando e em quais limites situações de sua vida privada podem ser expostas.

Em casos de instalação de câmeras em imóveis particulares, o responsável precisa ter cuidado para que o aparelho não capte imagens nem da área particular do imóvel alheio, nem de áreas públicas limítrofes, utilizadas por ambos.

Ao violar esse dever de cuidado e invadir a esfera privada alheia, o ofensor viola os §§ 1004 e 832 I do BGB, fazendo surgir para o lesado uma pretensão de afastar a conduta lesiva, aqui traduzida na pretensão de retirar os equipamentos dos locais onde possam captar imagens e sons do imóvel lindeiro.

Exceções são admitidas apenas em casos específicos quando, da ponderação dos direitos de personalidade em colisão, resultar um interesse superior do usuário dos equipamentos, que seja digno de tutela.

Isso seria o caso, por exemplo, disse o Tribunal, quando a própria segurança da pessoa esteja concreta e consideravelmente ameaçada, o que, no entanto, não restou demonstrado no caso em análise.

O simples objetivo de afastar e/ou captar invasores não seria suficiente, na visão dos juízes de Koblenz, para legitimar a instalação de câmeras voltadas para o imóvel alheio.

Isso vale ainda quando se trate de câmeras fictícias, que não funcionem, pois as mesmas desencadeiam nos vizinhos a "pressão de estar sendo diuturnamente vigiados" e isso, por sua vez, também viola os direitos de personalidade, disse o LG.

O vizinho nunca vai estar seguro de que a câmera fictícia não foi posteriormente trocada por uma verdadeira, que capte indevidamente imagens de sua vida privada.

No caso concreto, o Landgericht considerou que a câmera instalada na aveleira sequer produziria um efeito inibitório nos criminosos, porque não estava totalmente a vista.

E, considerando o tenso relacionamento existente há anos entre os vizinhos, os juízes entenderam que a instalação das câmeras tinha mais um cunho provocativo do que uma efetiva preocupação com a segurança.

Por isso, o LG Koblenz condenou o proprietário a retirar as câmeras do ponto em que se encontravam.

No Brasil, a situação não é diferente, pelo menos quando o equipamento capta imagens e sons do imóvel alheio. Discutível é se seria vedado por filmar áreas comuns. E o fundamento é o mesmo: invasão de privacidade.

Interessante, contudo, é notar que enquanto um vizinho brasileiro cumularia a ação de obrigação de fazer (objetivando a retirada da aparelhagem) com pedido de dano moral, o colega alemão limitou-se a pleitear apenas a abstenção. Será que estamos abusando do instituto do dano moral?