Federalismo e intervenção - Parte 1
quinta-feira, 16 de maio de 2019
Atualizado em 15 de maio de 2019 14:57
Rafael de Lazari
Dentro da organização do Estado, o estudo dos mecanismos de intervenção tem elevada importância, pois implica uma contrariedade temporária de todas as lógicas federativas. Isto porque, em regra, a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal (tão menos em municípios situados em Territórios), bem como os Estados não intervirão nos municípios. É, pois, preciso observar a autonomia de cada ente federativo, como manifesto lógico da estrutura repartida de poder que qualifica esta forma de Estado. A regra é a não intervenção. Pode-se dizer que o constituinte consagra um instituto, mas deseja que ele não seja utilizado.
Todavia, em algumas hipóteses, excepcionalíssimas e temporárias, é possível a intervenção, que consiste em ato eminentemente político com a finalidade de restabelecer no ente que a sofre os valores federativos pátrios. Por ser medida excepcional (e sabendo que exceções devem ser interpretadas restritivamente), perfilha-se ao entendimento segundo o qual as hipóteses de intervenção são taxativas.
Ademais, numa imperiosa consideração a ser feita, é preciso lembrar que a intervenção se dá sempre do "ente maior" no "ente menor". Não se utiliza as expressões "maior" e "menor" com o sentido de "poder", por serem absolutamente autônomos todos os entes federativos. Diz-se, isso sim, no sentido de "abrangência": a União intervém nos Estados que a formam; cada Estado intervém nos Municípios que o formam; a União intervém nos Municípios se estes estiverem situados em Territórios federais (pois, como o próprio nome já indica, eventual Território a ser instituído ficará sob a tutela da União).
Vejamos, em primeira análise, um quadro elucidativo da intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal (nos termos do art. 34, CF):
Intervenção para manter a integridade nacional (art. 34, I, CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Presidente da República) |
Intervenção para repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra (art. 34, II, CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Presidente da República) |
Intervenção para colocar fim a grave comprometimento da ordem pública (art. 34, III, CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Presidente da República) |
Intervenção para garantir o livre exercício dos Poderes das unidades da Federação, se os Poderes obstados forem o Legislativo e o Executivo (art. 34, IV, CF) -> Intervenção provocada por solicitação (ato discricionário do Presidente da República, já que "solicitação" não tem o sentido de mandamento) |
Intervenção para garantir o livre exercício dos Poderes das unidades da Federação, se o Poder obstado for o Judiciário (art. 34, IV, CF) -> Intervenção provocada por requisição do Supremo Tribunal Federal (ato vinculado do Presidente da República, já que "requisição" tem o sentido de mandamento) |
Intervenção para reorganizar as finanças da unidade da Federação (art. 34, V, "a" e "b", CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Presidente da República) |
Intervenção para prover a execução de ordem ou decisão judicial (art. 34, VI, CF) -> Intervenção provocada por requisição do STF, do STJ ou do TSE, a depender da matéria envolvida (ato vinculado do Presidente da República, já que "requisição" tem o sentido de mandamento) |
Intervenção para prover a execução de lei federal (art. 34, VI, CF) -> Intervenção provocada por requisição (representação interventiva manejada pelo Procurador Geral da República e acatada pelo Supremo Tribunal Federal) (ato vinculado do Presidente da República, já que "requisição" tem sentido de mandamento) |
Intervenção para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, CF) -> Intervenção provocada por requisição (representação interventiva manejada pelo Procurador Geral da República e acatada pelo Supremo Tribunal Federal) (ato vinculado do Presidente da República, já que "requisição" tem sentido de mandamento) |
Em segunda análise, um quadro elucidativo da intervenção do Estado em seus Municípios, bem como da União nos Municípios situados em Território federal (nos termos do art. 35, CF):
Intervenção pois deixou de ser paga por dois anos consecutivos a dívida fundada sem motivo de força maior (art. 35, I, CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Governador) |
Intervenção pois não foram prestadas contas devidas na forma da lei (art. 35, II, CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Governador) |
Intervenção pois não foram respeitados os mínimos em saúde e educação (art. 35, III, CF) -> Intervenção espontânea (ato discricionário do Governador) |
Intervenção para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição estadual, ou para prover a execução de lei, ordem ou decisão judicial (art. 35, IV, CF) -> Intervenção provocada por requisição (ato vinculado do Governador, que deve respeitar representação promovida pelo Procurador-Geral de Justiça acatada pelo Tribunal de Justiça competente) |
Frisa-se, apenas, que apesar de disposta no art. 35, CF, a intervenção da União nos Municípios situados em Territórios deve ser vista como modalidade de intervenção federal, já que tem a União como ente interveniente. Entretanto, enquadra-se como uma espécie de "intervenção federal anômala", pois apesar de se enquadrar na modalidade federal (consagrada no art. 34, CF), sujeita-se às hipóteses do art. 35, CF, que tradicionalmente consagra a intervenção estadual. Em outros termos, a intervenção da União nos Municípios situados em Territórios é uma intervenção federal que se submete aos requisitos do art. 35, CF.
Intervenção da União nos Estados (intervenção federal): hipóteses no art. 34, CF |
Intervenção da União no Distrito Federal (intervenção federal): hipóteses no art. 34, CF |
Intervenção da União nos Municípios situados em Territórios (intervenção federal): hipóteses no art. 35, CF |
Intervenção dos Estados nos Municípios situados em seu território (intervenção estadual): hipóteses no art. 35, CF |
(...continua na próxima coluna)