Sobre o sistema judiciário nas esferas Federal e estadual
quarta-feira, 6 de março de 2019
Atualizado às 07:24
Emerson Ademir Borges de Oliveira
Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga
A divisão do Poder Judiciário em Federal e estadual é inerente à forma federalista de Estado. Desta forma, concede autonomia aos entes federados em relação aos três poderes, pois todos passam a gozar de um Legislativo, Executivo e Judiciário na esfera da União - Federal - e na esfera dos Estados - estadual.
Vale dizer, todos os entes federados - o todo e as partes - têm sua parcela de representatividade do Poder.
No Brasil, com a elevação do município a ente federativo há uma falha desse sistema, tendo em vista que tal ente possui Legislativo e Executivo, mas não Judiciário. Já defendemos aqui nesta coluna, no texto "A competência da União III", de 1º de agosto de 2018, a criação de um Poder Judiciário Municipal.
Naquela ocasião, afirmamos:
"Por derradeiro, uma verdadeira inovação: a criação de um Poder Judiciário Municipal: o Judiciário de Resolução de Conflitos.
O Judiciário Municipal será vocacionado para a solução pacífica dos conflitos, por meio de conciliação e mediação. Será instância obrigatória para todas as demandas judiciais que envolvam direitos disponíveis ou que possam ser negociados pelas partes. Apenas o insucesso da solução pacífica abrirá portas para a Justiça Estadual ou Federal. Ademais, a solução não violaria o princípio de inafastabilidade da Jurisdição porque o Judiciário Municipal estaria inserto no próprio Poder Judiciário. Por consequência, a nova atribuição retiraria a função primordial de negociação das demais Justiças, que passariam a atuar para a solução do conflito por meio de decisão judicial.
A prática certamente traria impactos relevantes para as Justiças Estadual e Federal, que passariam a atuar de forma mais específica e quantitativamente muito mais suavizadas, em razão do Judiciário Municipal. Ademais, os atores municipais encontram-se mais próximos às partes, a fim de compreender suas realidades e poder auxiliar o encontro da solução com mais presteza".
Neste modelo proposto, estaria completada a representatividade de todos os entes federativos em relação a cada uma das funções estatais.
O Poder Judiciário Federal teria sua competência dilatada, equilibrando com as competências da própria União, e desafogando o Judiciário Estadual. Como dissemos em "A competência da União I", em 18 de julho de 2018, os crimes Federais, a merecer competência da União, seriam aqueles que ofendem a União e a soberania do país e cuja legislação e administração já seriam da própria União. Oferecemos como exemplo os atos corruptivos, pois ofendem o Brasil como um todo.
Também estariam sob a esfera federal as questões que atribuímos a União - para legislar e administrar: a) crimes federais e respectiva anistia; b) direito marítimo, aeronáutico, espacial, ferroviário e militar; c) direito da terra; d) requisição; e) águas, energia (inclusive nuclear) e combustíveis: f) comunicação de nível regional (entre mais de um Estado), nacional ou internacional; g) correios; h) nacionalidade; i) áreas e direitos indígenas; j) armas, Forças Armadas, guerra, paz e defesa do território brasileiro; k) polícias federais; l) registros públicos, civis e comerciais; m) fronteiras; n) ciência e tecnologia.
Ora, se a competência para legislar e administrar tais questões é da própria União por serem considerados assuntos de interesse nacional, nada mais óbvio que o julgamento de demandas que envolvam tais assuntos se dê na Justiça Federal. Claro que, como já dissemos, após a passagem obrigatória pelo Judiciário Municipal de Conciliação e Mediação. Este Judiciário deteria, inclusive, competência para o plea bargaining, enquanto espécie de conciliação penal pré-processual.
Os demais assuntos, cuja legislação e administração caiba aos Estados, estariam inseridos na sorte de competências da Justiça Estadual. Assim, por exemplo, os crimes que não atinjam o país considerado em seu todo, como aqueles comuns contra a vida ou patrimônio particular.
Na realidade, é basicamente este o modelo que fora tomado como base no cenário norte-americano. Homogêneo ou simétrico na estrutura federalista, o Judiciário americano é dividido em estadual e federal - dual -, de forma que esta, representando a União, não se imiscua nos assuntos típicos da competência estatal e de interesse meramente local1. Em regra, adota-se o sistema de especialização para o Judiciário Federal e o sistema residual para o Judiciário Estadual.
Na base jurisdicional norte-americana, tanto estadual como federal, tem-se os juizados de primeira instância (trial courts), dos quais caberá recurso para os tribunais de apelação (affirm).
O Tribunal do Júri, destinado apenas a realizar análise fática, tem competência cível e criminal nos Estados Unidos, considerando-se, nesta, os crimes de maior potencial ofensivo (felonies) e, naquela, danos materiais (money damages), perda de propriedade (recovery of property) e danos em geral decorrentes de culpa ou dolo (torts).
Por uma questão de eficiência, não somos favoráveis a uma utilização tão ampla do Júri, mas apenas para os crimes dolosos contra a vida, como hoje ocorre.
As Justiças Estadual e Federal, em nossa proposta, contariam com uma primeira e segunda instâncias, sendo a primeira monocrática e a segunda colegiada, como ocorre hoje, mas apenas, repise-se, após a passagem pelo Judiciário Municipal. A junção e a uniformidade em direção a um Tribunal Superior único da Justiça Comum se manteria, mas seu acesso seria ainda mais excepcional do que atualmente.
No próximo texto, apresentaremos as propostas para a divisão entre a Justiça Comum e as Especializadas.
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