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Forma e sistema de governo no Brasil: nossas escolhas plebiscitárias foram corretas? Parte II: sobre a continuidade da República e do Presidencialismo ou possibilidades de mudança

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Atualizado às 07:58

Rafael de Lazari

No texto passado, se falou a respeito das escolhas plebiscitárias feitas pela população brasileira em 1993, que consagraram (na verdade, mantiveram) a República e o presidencialismo como forma e sistema de governo, respectivamente. Se disse, ademais, sobre as divergências doutrinárias quanto à natureza implicitamente pétrea dos institutos, tomando-se partido pela não petrificação dos modelos republicano e presidencialista (passíveis de alteração por eventual emenda constitucional, portanto).

Atualmente, o presidente da República, importando essencialmente o modelo norte-americano, exerce as funções de chefia de Estado e de chefia de Governo. Suas atribuições estão dispostas no art. 84, CF, em exemplificativo rol que não distingue atuação interna (chefia de Governo) de atuação externa (chefia de Estado). Desta forma, num mesmo dispositivo, do mesmo modo que se fala em nomeação e exoneração dos Ministros de Estado (inciso I - típico caso de chefia de Governo), se dispõe sobre as relações com Estados estrangeiros (inciso VII - típico caso de chefia de Estado).

O presidencialismo vem passando por críticas no país, por uma série de fatores (com boa dose de razão, é verdade): hipertrofia do Poder Executivo (inchaço da máquina estatal presidencialista), excessiva concentração de poder nas mãos de um só homem, dificuldade de contornar crises políticas quando o chefe da função perde a governabilidade etc. A história recente pátria, ademais, mostra que, "talvez", as coisas não estejam realmente tão bem: dois impeachments, em 1992 e 2016, com o país paralisado durante o processo e o quase colapso político e econômico de suas instituições. Consequentemente, defesas pela Monarquia e/ou pelo Parlamentarismo acabam sendo um processo natural no debate sobre formas e sistemas governamentais.

Aliás, especificamente no que tange ao sistema de governo, é preciso lembrar, ainda, de um modelo híbrido, comumente chamado semipresidencialista, que busca reunir os aspectos positivos do presidencialismo e do parlamentarismo (notadamente mediante a desconcentração do poder, que é tão forte se predominantemente nas mãos do Presidente - como ocorre no presidencialismo - ou se predominantemente nas mãos do Parlamento - como ocorre no parlamentarismo). No semipresidencialismo, o Presidente da República reparte suas funções com o Primeiro-Ministro, e ambos coexistem com o Parlamento (e com as demais instituições republicanas). Expressão cunhada pelo cientista político francês Maurice Duverger, o semipresidencialismo é adotado em países como Portugal e França, e são fortes os adeptos de sua implantação no Brasil caso se queira fazer por aqui uma profunda e real reforma política.

No mais, desde já externando extremo respeito aos adeptos de uma e/ou outra corrente, manifesta-se aqui, ao menos no atual estágio de conhecimento dos fatos, pela manutenção do Presidencialismo Republicano. Mas, ao invés de "desmerecer" argumentos parlamentaristas e monárquicos, toma-se o sentido de ressaltar os argumentos presidencialistas e republicanos. Veja-se, portanto: os argumentos monárquicos e parlamentaristas são excelentes e contundentes (notadamente a melhor governabilidade e a diluição do poder no Parlamentarismo, bem como a colocação do Rei acima de interesses partidários na Monarquia), mas entende-se que o Presidencialismo Republicano é, simplesmente, mais bem embasado que as hipóteses anteriores, e substancialmente mais adequado para o contexto histórico brasileiro.

Vamos sintetizar em dois argumentos (pelas limitações que uma coluna impõe). Primeiro, porque forma e sistema de governo devem dialogar com a forma de Estado pátria, que é federativa. A diluição geográfica de poder que o federalismo (especificamente o brasileiro) possibilita (vide a posição dos Municípios desde a CF/1988, com ênfase), pressupõe órgãos fragmentados e vinculados a autoridades locais e regionais, o que somente o Presidencialismo Republicano possibilita com satisfação. Para alterar forma e sistema de governo no Brasil, portanto, seria preciso repensar a Federação, e nesse caso uma simples emenda constitucional talvez não fosse suficiente para resolver a questão (afinal, neste caso, além da divisão de Poderes, se mexeria também na própria estrutura existencial do Estado). Se é possível um modelo parlamentarista parecido com o da Alemanha para o caso dos Estados da federação brasileiros, vislumbra-se grande dificuldade em encaixar tal modelo nos Municípios. Noutro giro, se é tão difícil desconstituir um Presidente da República do cargo quando ele pratica ilícitos, o que dizer de um Rei que governa arbitrariamente? Pegando o caso britânico de exemplo, não se consegue pensar no "impeachment" da Rainha Elizabeth II, com o perdão da licença poética.

Em segundo lugar, não é verdade que exista concentração de poder em demasia na República Presidencialista. Tanto a República quanto o Presidencialismo são excessivamente controlados, com base em critérios sólidos e constitucionalmente dispostos. O segundo dispositivo da Constituição Federal, por exemplo, de pronto traz a noção de freios e contrapesos para a República, o que se revela em vários momentos (um exemplo clássico é o do impeachment do Presidente da República, em que o chefe do Executivo é julgado pelo Senado após juízo autorizativo da Câmara dos Deputados, sendo o Senado presidido pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal). Igualmente, o Presidente da República não age de forma incondicionada: se indica Ministro para o Supremo Tribunal Federal que não reúna bons atributos, o Senado tem a prerrogativa de rejeitar; se adere a tratado internacional que ofende o ordenamento jurídico brasileiro, o Congresso pode refutá-lo; se pratica crime comum relacionado ao exercício de suas funções, o Supremo Tribunal Federal pode julgá-lo. Isso sem contar várias outras manifestações, como os Conselhos da República e da Defesa Nacional, bem como os controles desempenhados em caso de estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal.

Deste modo, se é verdade que o republicanismo e o presidencialismo têm defeitos, não menos correto é o fato de que ambos são mais completos e abrangem o maior número possível de situações. Não se exclui, a título de conclusão, a possibilidade de uma mudança futura de posicionamento, dada a solidez dos argumentos monarquistas e parlamentaristas (e a cujos estudiosos são tecidos elogios, aliás). Entretanto, é preciso antes demonstrar como é possível superar qualitativamente o Presidencialismo Republicano, que tem defeitos, mas defeitos ajustáveis pontualmente.