O financiamento das campanhas eleitorais
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
Atualizado às 08:33
Emerson Ademir Borges de Oliveira
Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga
Nos últimos anos, a sequência de fatos públicos e notórios envolvendo esquemas de corrupção e campanhas políticas arrefeceu os debates acerca do financiamento das campanhas eleitorais. Questões como o aumento da contribuição pública, limitação de doações e proibição de contribuição de pessoas jurídicas perpassam cotidianamente em um ambiente em que o dinheiro pode fazer a diferença em termos de eleição. Como asseveram Bruno Silva e Emerson Cervi, a universalização do sufrágio nas democracias conduz a quadros de "encarecimento das campanhas e o consequente protagonismo do dinheiro"1.
Primeiro, gostaria de compartilhar dois pressupostos que tomo para a análise deste tema: 1) campanhas muito caras tendem ao abuso do poder econômico, alcançando o voto pela força financeira e não pelo convencimento real do eleitor; 2) campanhas muito caras tendem a ficar ainda mais caras depois que o candidato alcança seu mister e a conta sempre será, em grande parte, pública.
Digo isso, antes de mais nada, porque tenho para mim que o convencimento sadio não necessita de campanhas faraônicas. Ao contrário, as inserções em excesso acabam conduzindo ao malfadado quadro de adesão ao voto por insistência. É o mesmo que ocorre com a publicidade comercial: quanto maior o seu leque, maior o alcance. O problema é que o voto não está - ou não deveria estar - à venda.
E, quanto ao segundo item, a experiência recente demonstrou que o superfaturamento de obras públicas tinha como destino a alimentação de campanhas políticas. Logo, quem paga o preço somos nós.
Desde a Minirreforma Eleitoral de 2015, levada a efeito pela lei 13.165, com alterações da lei 13.488/2017, há quatro possibilidades de financiamento das campanhas eleitorais, que se fundem em um sistema misto, mesclando financiamento público e privado2: a) Fundo Partidário; b) doações de pessoas físicas; c) recursos próprios; d) Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Como se vê, na esteira da decisão do STF, na ADI 4.650, o legislador vedou, com acerto, a doação realizada por pessoas jurídicas, muitas vezes contaminada pela troca de favores no pós-eleição, como a vitória em licitações e celebração de contratos com valores superfaturados.
Nesse sentido, ressaltam Luciana Ferreira e Luiz Magno Pinto Bastos Junior: "O financiamento misto de campanhas, apontado no contexto da reforma política como um dos fomentadores da crise de representatividade vivida no Brasil, é comumente associado a casos de corrupção, e foi alvo recente de ação direta de inconstitucionalidade, a qual julgou inconstitucional o financiamento de partidos e de campanhas eleitorais por empresas"3.
Pois bem.
A utilização do Fundo Partidário dá-se da seguinte forma: 5% é distribuído de forma igual entre todos os partidos; os restantes 95% são distribuídos de forma proporcional ao tamanho da bancada do partido na Câmara dos Deputados. Nas eleições presidenciais de 2018, o Fundo alcançou a cifra é R$ 880 milhões. Vale lembrar: em grande parte, dinheiro público constituído por dotações da União, multas, penalidades, doações e outros recursos.
Já as doações de pessoas físicas encontram-se sob a égide do novel artigo 23 da lei 9.504/97. Tais doações, em dinheiro ou valor auferido em dinheiro, serão limitadas a 10% do rendimento bruto do doador no ano anterior à eleição. Assim, quem auferiu R$ 100 mil em 2017 poderia doar apenas R$ 10 mil nas eleições de 2018. Para quem extrapolar o excesso, incidirá multa de 100% sobre o valor excedido. A identificação precisa do doador, enquanto requisito, proporcionará a verificação do enquadramento nos limites legais, conforme Declaração de Imposto de Renda.
Seguindo a mesma linha, para as próximas eleições, o autofinanciamento estará restrito a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo candidato no ano anterior às eleições.
Por fim, quanto ao FEFC, tem-se a seguinte distribuição: a) 2% igualmente entre todos os partidos; b) 15% proporcionalmente ao número de representantes no Senado Federal; c) 48% proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados; d) 35% de acordo com o percentual de votos obtido na última eleição para a Câmara dos Deputados. Para 2018, foram distribuídos R$ 1,7 bilhão. Frise-se, novamente: dinheiro público fornecido pelo Tesouro Nacional.
Não se olvide que o estabelecimento do teto de gastos para as campanhas partidárias colabora, em grande parte, para evitar o abuso do poder econômico. Nas eleições de 2018, o limite de gastos para Presidente, no primeiro turno, fora fixado em R$ 70 milhões e, para o segundo turno, em R$ 35 milhões (art. 5º da lei 13.488/2017). Para que se tenha uma ideia, nas eleições de 2014, a campanha vitoriosa de Dilma Rousseff custou R$ 350,4 milhões. Em 2018, a campanha mais cara registrada, do candidato Henrique Meirelles atingiu R$ 44,2 milhões, ao passo que a campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro custara R$ 1,7 milhão, incluindo os dois turnos. Seu adversário, no segundo turno, Fernando Haddad declarou despesas de R$ 34,4 milhões.
Dentre os candidatos à Presidência em 2018, Geraldo Alckmin recebera R$ 44,8 milhões de recursos públicos, oriundos do FEFC e do Fundo Partidário, do total de R$ 46 milhões que registrara como possíveis gastos.
A restrição da arrecadação, todavia, não pode ignorar os riscos decorrentes da omissão de créditos na contabilidade partidária. Medida que também deve ser duramente combatida, sob pena de tornar qualquer outra ineficaz, é o famigerado Caixa Dois de campanha, tomando base em créditos não oficialmente contabilizados. O Caixa 2 merece combate severo, não apenas na esfera penal (art. 350 do Código Eleitoral), mas também na esfera eleitoral, com a inelegibilidade da chapa ou candidato sempre que o valor omitido superar dez salários mínimos.
O financiamento de campanhas deve ser, para o bem da própria Administração, e para proporcionar maior inserção dos eleitores na vida política, realizada quase totalmente por pessoas físicas, com sistemas, inclusive, de crowdfunding, minimizando os recursos públicos decorrentes do Fundo Partidário e do FEFC, que certamente fazem falta em outros setores.
Mantida deve restar a proibição de doações por pessoas jurídicas e a limitação percentual na doação das pessoas físicas, como ocorre atualmente, assim como a limitação de gastos de acordo com o cargo em concorrência.
Medidas como tais, certamente, auxiliam a democracia, conduzem a um quadro eleitoral hígido, com eleições justas e limpas. E o erário público agradece, direta e indiretamente!
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2 GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
3 FERREIRA, Luciana; BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. O financiamento de campanhas eleitorais sob a ótica da democracia. Resenha Eleitoral, v. 20, n.2, ago./dez. 2016, p.84.