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A reforma do CC e os alimentos familiares pleiteados entre cônjuges e conviventes

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Atualizado em 17 de dezembro de 2024 14:52

Seguindo na análise de algumas das propostas formuladas pela comissão de juristas nomeada no âmbito do Senado Federal para a reforma do CC, a respeito dos alimentos familiares, analisarei as sugestões feitas para aqueles pleiteados entre cônjuges e conviventes, sobretudo para os atuais arts. 1.702, 1.703 e 1.704 da lei geral privada.

Começando-se pelo primeiro comando, enuncia ele atualmente que na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, o outro, culpado, será obrigado a prestar os alimentos, obedecidos os critérios legais relativos ao binômio ou trinômio alimentar. Manteve-se, assim e de forma expressa, a influência da culpa quanto aos alimentos, o que é mitigado pelo conteúdo dos atuais arts. 1.694, § 2º, e 1.704, parágrafo único, do CC, analisados a seguir.

Observa-se, portanto, que a norma hoje menciona a separação judicial, estando revogada diante da emergência da emenda constitucional 66/10 e do julgamento do STF no seu Tema 1.053 de repercussão geral, concluindo-se pela retirada desse instituto do sistema jurídico brasileiro. Nos termos da tese final do decisum, do ano de 2023, "após a promulgação da emenda constitucional 66/10, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico". Portanto, não há qualquer aplicação prática atual do seu conteúdo, o que justifica a sua modificação imediata.

Nesse contexto, a comissão de juristas encarregada da reforma do CC sugere um capítulo III, para subtítulo dos alimentos, a saber: "Dos alimentos devidos às famílias conjugais e convivenciais". Nesse novo título estarão os arts. 1.702, 1.704, 1.708 e 1.709, sendo os demais revogados, por razões distintas, sobretudo para adaptação à nova organização temática construída pela professora Rosa Maria de Andrade Nery, relatora-Geral do anteprojeto.

Nos termos do art. 1.702, caput, ora proposto, "em caso de dissolução do casamento, da sociedade conjugal ou convivencial, sendo um dos cônjuges desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694". Não haverá, assim, mais a menção à separação judicial, diante de sua retirada do sistema jurídico, sendo o texto alterado para contemplar o divórcio, a separação de fato - que, pelo anteprojeto, também põe fim à sociedade conjugal - e a dissolução da união estável.

Ademais, sugere-se um parágrafo único ao art. 1.702, para confirmar o caráter transitório e excepcional dos alimentos para os cônjuges ou conviventes, na linha da jurisprudência hoje consolidada no âmbito do STJ: "Verificando-se que o credor reúne aptidão para obter, por seu próprio esforço, renda suficiente para a sua mantença, poderá o juiz fixar a pensão alimentícia com termo final, observado o lapso temporal necessário e razoável para que ele promova a sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho".

Consoante as justificativas da subcomissão de Direito de Família, em boa hora, a projeção "consagra os alimentos transitórios, entendimento já assente na jurisprudência. Entende-se que não é necessária uma regulamentação exaustiva do instituto, de sorte a deixar uma cláusula geral a ser interpretada pela jurisprudência, que poderá acompanhar a evolução da sociedade, que cada vez mais prega pela igualdade de gênero, bem como pela devida inclusão no mercado de trabalho". A esse propósito vale lembrar a assertiva 14, publicada na edição 65 da ferramenta Jurisprudência em Teses do Tribunal da Cidadania, com os seguintes dizeres: "Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira". Espera-se, portanto, a aprovação dessas modificações pelo Congresso Nacional, pois são mais do que necessárias.

No que diz respeito ao atual art. 1.703 da codificação privada, expressa ele o seguinte: "Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos". Nesse contexto, quanto aos alimentos devidos aos filhos diante do fim da conjugalidade, e que envolvem indiretamente o tema central deste texto, visando à sua manutenção digna, determina a norma que os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos, ou seja, de acordo com as suas possibilidades.

Repetindo o art. 20 da lei do divórcio, percebe-se que o dispositivo não menciona a culpa no que tange aos alimentos devidos aos filhos, devendo-se levar em conta os rendimentos e o patrimônio dos genitores, incidindo a proporcionalidade ou razoabilidade, o tão aclamado binômio outrinômio alimentar. Novamente, diante da emenda do divórcio, que retirou do sistema a separação judicial, esse art. 1.703 do CC/02 deve ser lido atualmente com menção aos "cônjuges divorciados", ou seja, com ressalvas.

No projeto de reforma, diante da nova organização dada ao tema dos alimentos, e da retirada da separação judicial do sistema jurídico, a comissão de juristas sugere a revogação expressa do dispositivo, sendo certo que a leitura correta do seu conteúdo, que possibilita o pleito de alimentos dos filhos em caso de divórcio ou dissolução da união estável dos seus pais, será retirada das propostas feitas para os arts. 1.697, 1.697-A e 1.699.

Quanto ao art. 1.704, prescreve atualmente em seu caput que, "se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial". E, nos termos do seu polêmico parágrafo único, "se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência".

Assim, mais uma vez, manteve-se literalmente na codificação privada em vigor a influência da culpa quanto aos alimentos, o que já era retirado do art. 19 da lei do divórcio, segundo o qual "o cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juiz fixar". Assim, o cônjuge inocente pelo fim da união pode pleitear os alimentos do culpado, de forma integral e sem qualquer ressalva, o que é retirado do caput da norma em comentário. Quanto à possibilidade de o culpado pleitear alimentos do inocente, a premissa geral, que igualmente consta do preceito em análise, é pela resposta negativa.

Entretanto, nos termos do vigente art. 1.694, § 2º, da lei civil, os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Melhor explicando, o comando legal está prevendo expressamente que, em casos de dissolução do casamento, da sociedade conjugal ou da união estável, aquele que foi o culpado pelo fim do relacionamento, o que acabou por causar eventual situação de necessidade, terá somente direito aos alimentos necessários ou indispensáveis, visando à manutenção da sua dignidade.

O art. 1.694, § 2º, do CC/02, como se nota, quebrou a regra geral, consagrada há tempos, de que o culpado não pode pleitear alimentos do inocente, abrandando o impacto da culpa na separação judicial litigiosa e, eventualmente, na ação de dissolução de união estável, para aqueles que entendem pela possibilidade de discussão da culpa nessas ações, o que é meu caso. Nesse contexto, o parágrafo único do art. 1.704 complementa esse último dispositivo ao enunciar que, se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Em resumo, somente serão devidos os alimentos indispensáveis ou necessários ao culpado se preenchidos esses últimos requisitos, ou seja, se o culpado não tiver parentes em condições de fazê-lo, nem condições de trabalho, tudo dentro do binômio ou trinômio alimentar. Reafirmo a minha posição doutrinária no sentido de que esses critérios igualmente servem para a ação de reconhecimento e dissolução de união estável, se a culpa eventualmente for discutida nesta última demanda.

De todo modo, todas essas normas devem ser analisadas à luz da emenda constitucional 66/10, surgindo três correntes doutrinárias sobre o tema da culpa e dos alimentos.

A primeira corrente, que prevalecido, sustenta a total impossibilidade de discussão de culpa para a dissolução do casamento, incluindo a questão de alimentos, estando revogados tacitamente os arts. 1.702 e 1.704, caput, do CC/02. Como consequência, desaparece a relevância jurídica dos arts. 1.694, § 2º, e 1.704, parágrafo único, do CC/02, devendo os alimentos ser fixados de acordo com o binômio outrinômio alimentar.

Para a segunda corrente, não há possibilidade de se discutir a culpa para a dissolução do casamento em sede de ação de divórcio. Todavia, a culpa pode ser debatida em sede de ação especial de alimentos, podendo os alimentos ser fixados nos parâmetros dos arts. 1.694, § 2º, e 1.704, caput e parágrafo único, do CC.

Por fim, a terceira corrente alega que em algumas situações, de maior gravidade, a culpa pode ser debatida em sede de ação de divórcio, inclusive para a análise da fixação dos alimentos necessários. Destaque-se que tais alimentos também podem ser pleiteados em ação autônoma, o que depende da opção processual dos requerentes.

Sigo na atualidade essa terceira corrente, pois não houve, na minha opinião doutrinária, a revogação de todos os preceitos aqui citados, mantendo-se um sistema dual, com e sem culpa, podendo esta ser mitigada em algumas situações. Assim, o art. 1.702 do CC/02 somente terá aplicação aos separados judicialmente até a emenda do divórcio, eis que a separação jurídica foi banida do sistema, mesmo tendo sido reafirmada pelo CPC/15. Pode-se até ler no dispositivo menção à ação de divórcio e não mais à separação judicial. De todo modo, como está claro, a questão está nebulosa no âmbito doutrinário, sendo necessário alterar o CC para deixá-la mais efetiva na prática.

No que diz respeito à jurisprudência, antes da emenda do divórcio, os preceitos citados já vinham recebendo a devida aplicação pela jurisprudência nacional, cabendo a transcrição de duas ementas, para ilustrar:

"Separação judicial. Culpa da ré verificada. Demonstração da relação extraconjugal bastante suspeita mantida entre a ré e terceiro, com as características do denominado 'quase adultério', que constitui injúria grave. Alimentos. Ausência de comprovação de não ter parentes em condições de prestá-los. Inteligência do art. 1.704, parágrafo único, do CC. Encargo indevido. Valores depositados em conta vinculada ao FGTS do autor. Adoção do regime de comunhão parcial de bens. Partilha indevida, por não integrar o patrimônio comum" (TJSP, Apelação com Revisão 566.291.4/0, Acórdão 3642822, 1.ª Câmara de Direito Privado, Rosana, rel. des. Luiz Antonio de Godoy, j. 19/5/09, DJESP 8/7/09).

"Alimentos. Inexistência da obrigação de prestar alimentos decorrente de vínculo matrimonial, em razão da existência de filhas maiores e capazes. Dever de sustento previsto no parágrafo único do art. 1.704 do novo CC. 1. Em suas razões a autora sustenta sua necessidade de perceber alimentos e a possibilidade da ré em prestá-los, o que não afasta a obrigatoriedade proveniente do vínculo de parentesco existente com suas filhas. 2. Embora seja questão incontroversa o vínculo matrimonial ainda existente entre as partes, vigorando, em tese, o dever de mútua assistência entre os cônjuges, na forma do art. 1.566 do CC, também é fato incontroverso que a autora é mãe de filhas maiores, as quais teriam o dever de auxílio no seu sustento, em razão do vínculo de parentesco, afastando a obrigação por parte do apelado, nos termos do que dispõe o parágrafo único do art. 1.704 do CC vigente. Precedentes citados: TJRJ Acórdão 2006.001.59227, rel. des. José de Samuel Marques, julgado em 10/1/07 e Acórdão 2006.001.65409, rel. des. Rogério de Oliveira Souza, julgado em 27/03/2007" (TJRJ, Acórdão 2007.001.32813, Rio de Janeiro, rel. des. Letícia de Faria Sardas, j. 9/8/07, DORJ 5/3/08, p. 312).

Porém, desde a emergência da emenda do divórcio têm prevalecido os julgados que desassociam os alimentos da culpa no âmbito do divórcio, ou mesmo da separação judicial. Veja-se, nessa linha, entre os primeiros julgados:

"No mais, sabe-se que, com a alteração da redação do art. 226, § 6º, da CF/88 pela emenda constitucional 66/10, a separação judicial deixou de existir, tornando-se desnecessário o transcurso do tempo para a decretação do divórcio e a discussão sobre culpa. Desta forma, não se cogita mais da culpa na análise da obrigação de prestar alimentos, que serão definidos pela necessidade do outro cônjuge em hipóteses excepcionais, do que não se trata o caso" (TJSP, agravo 0060840-25.2013.8.26.0000, 4.ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Maia da Cunha, j. 9/5/13).

Tal afirmação também tem prevalecido no âmbito do STJ, na linha da primeira corrente doutrinária que expus, que deve ser considerada a majoritária para os devidos fins práticos. Conforme aresto publicado no Informativo 558 da Corte, "com a edição da emenda constitucional 66/10, a nova redação do art. 226, § 6º, da CF/88 - que dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio - eliminou os prazos à concessão do divórcio e afastou a necessidade de arguição de culpa, presente na separação, não mais adentrando nas causas do fim da união, deixando de expor desnecessária e vexatoriamente a intimidade do casal, persistindo essa questão apenas na esfera patrimonial quando da quantificação dos alimentos. Criou-se, dessa forma, nova figura totalmente dissociada do divórcio anterior". Diante dessas afirmações, conclui-se no aresto pela desnecessidade da audiência para a concessão do divórcio, o que conta com o meu apoio em tal aspecto. Vejamos:

"Assim, os arts. 40, § 2º, da lei 6.515/77 - lei do divórcio - e 1.122, §§ 1º e 2º, do CPC, ao exigirem uma audiência a fim de se conceder o divórcio direto consensual, passaram a ter redação conflitante com o novo entendimento, segundo o qual não mais existem as condições preexistentes ao divórcio: De averiguação dos motivos e do transcurso de tempo. Isso porque, consoante a nova redação, o divórcio passou a ser efetivamente direto. A novel figura passa ser voltada para o futuro. Passa a ter vez no Direito de Família a figura da intervenção mínima do Estado, como deve ser. Vale relembrar que, na ação de divórcio consensual direto, não há causa de pedir, inexiste necessidade de os autores declinarem o fundamento do pedido, cuidando-se de simples exercício de um direito potestativo. Portanto, em que pese a determinação constante no art. 1.122 do CPC, não mais subsiste o referido artigo no caso em que o magistrado tiver condições de aferir a firme disposição dos cônjuges em se divorciarem, bem como de atestar que as demais formalidades foram atendidas. Com efeito, o art. 1.122 do CPC cuida obrigatoriamente da audiência em caso de separação e posterior divórcio. Assim, não havendo mais a separação, mas o divórcio consensual direto e, principalmente, em razão de não mais haver que se apurarem as causas da separação para fins de divórcio, não cabe a audiência de conciliação ou ratificação, por se tornar letra morta. Nessa perspectiva, a audiência de conciliação ou ratificação teria apenas cunho eminentemente formal, sem nada a produzir. De fato, não se desconhece que a lei do divórcio ainda permanece em vigor, discorrendo acerca de procedimentos da separação judicial e do divórcio (arts. 34 a 37, 40, § 2º, e 47 e 48), a qual remete ao CPC (arts. 1.120 a 1.124). Entretanto, a interpretação de todos esses dispositivos infraconstitucionais deverá observar a nova ordem constitucional e a ela se adequar, seja por meio de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, seja como da interpretação conforme a CF/88 ou, como no caso em comento, pela interpretação sistemática dos artigos" (STJ, REsp 1.483.841/RS, 3.ª turma, rel. min. Moura Ribeiro, j. 17/3/15, DJe 27/3/15).

Diante desse panorama, de distância da lei da realidade doutrinária e jurisprudencial, é necessário melhorar o art. 1.704 do CC/02, tendo em vista a emenda do divórcio e a retirada da separação judicial do sistema jurídico. Assim, o texto que passou na votação final da comissão de juristas encarregada da reforma do CC, após intensos debates, foi o seguinte: "Art. 1.704. O fim da sociedade conjugal ou convivencial do devedor com o credor de alimentos extingue o dever alimentar". Com isso, encerra-se qualquer discussão sobre a discussão de culpa para os alimentos, bem como a possibilidade de pleito de alimentos pós-divórcio, sendo certo que bastará a separação de fato do casal para a extinção da obrigação de alimentos familiares.

Destaco que, na comissão de juristas, chegou-se a analisar uma proposta em favor do cônjuge ou convivente em situação de extrema vulnerabilidade, para a manutenção da obrigação do outro cônjuge ou convivente em casos tais, enumerados de forma excepcionalíssima na proposição de um parágrafo único para o último comando. Porém, por ampla maioria, o texto foi rejeitado, com o meu voto contrário, pois penso que seria necessária uma regra nesse sentido.

Seja como for, não se pode negar que as propostas trazem maior segurança jurídica para o instituto dos alimentos familiares, sobretudo para os pleitos formulados por cônjuges ou conviventes, sendo o atual tratamento desatualizado e distante da posição que prevalece na doutrina e na jurisprudência, além de gerar muitas dúvidas práticas. Espera-se, por tudo isso, a sua profunda análise e aprovação pelo parlamento brasileiro.