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Da infeliz manutenção da separação de direito no novo Código de Processo Civil

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Atualizado em 29 de setembro de 2015 09:04

Uma grande infelicidade, um total retrocesso. Com essas fortes palavras pode ser resumida a manutenção da separação judicial e extrajudicial no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Vários dispositivos da norma instrumental emergente continuam a tratar das categorias, o que não deveria ocorrer, em hipótese alguma.

Não se olvide que, quando da elaboração do parecer final no Senado Federal, pelo relator senador Vital do Rêgo, foram apresentadas propostas de alteração por meio da emenda 61 - do senador Pedro Taques -, da emenda 129 - do senador João Durval - e das emendas 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142 e 143 - do senador Antonio Carlos Valadares -, visando a retirada do texto dos tratamentos relativos ao malfadado instituto da separação judicial do texto do novo Código.

Todavia, as emendas foram afastadas pelo senador Vital do Rego, que assim argumentou:

"As emendas em pauta insurgem-se contra a referência à separação (em todas as suas modalidades) como forma de dissolução da sociedade conjugal ao longo do texto do SCD. Argumenta que, com a Emenda à Constituição 66, de 2010, esse instituto teria sido abolido do ordenamento jurídico.

Não vingam, porém, as emendas.

É pacífico que, após a Emenda à Constituição 66, de 2010, não há mais qualquer requisito prévio ao divórcio. A separação, portanto, que era uma etapa obrigatória de precedência ao divórcio, desvestiu-se dessa condição.

Todavia, não é remansoso o entendimento acerca da não subsistência da separação no âmbito da doutrina civilista. (...).

Afinal de contas, a Constituição Federal apenas afastou a exigência prévia de separação para o divórcio, mas não repeliu expressamente a previsão infraconstitucional da separação e do restabelecimento da sociedade conjugal. Há quem sustente que a separação continua em vigor como uma faculdade aos cônjuges que, querendo 'dar um tempo', preferem formalizar essa separação, sem romper o vínculo matrimonial. Eventual reatamento dos laços afetivos desses cônjuges separados não haverá de passar por novo casamento, com todas as suas formalidades, mas se aperfeiçoará pelo restabelecimento da sociedade conjugal, ato bem menos formal, que pode ocorrer por via judicial ou extrajudicial.

Sublinhe-se que nem mesmo os dispositivos do Código Civil que tratam de separação foram revogados. Ora, será uma intervenção indevida, uma invasão científica, utilizar uma norma processual para fazer prevalecer uma das várias correntes doutrinárias que incandescem na seara do Direito Civil.

Dessa forma, enquanto o Código Civil não for revogado expressamente no tocante à previsão da separação e do restabelecimento da sociedade conjugal, deve o Código de Processo Civil - norma que instrumentaliza a concretização dos direitos materiais - contemplar expressamente as vias processuais desses institutos cíveis.

No futuro, em outra ocasião, se assim se entender mais adequado, poder-se-á, por via legislativa própria, modificar dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil para proscrever a separação como um instituto de Direito de Família".

Na votação final dos destaques no Senado Federal, realizada no dia 17/12/2014, havia uma insurgência pontuada pela Senadora Lídice da Mata a respeito dessa manutenção. Porém, a ilustre senadora acabou por ser convencida pela conservação da separação judicial no texto, retirando, ao final, o seu destaque. Assim, o novo Código de Processo Civil nasce com um instituto morto em vários de seus dispositivos.

Entre os vários diplomas que podem ser mencionados, em termos gerais de incidência das regras atinentes às ações de Direito de Família, o art. 693 do CPC/2015 enuncia que "As normas deste capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação" (destacamos). Na sequência, vêm as regras específicas "Do Divórcio e da Separação Consensuais, da Extinção Consensual de União Estável e da Alteração do Regime de Bens do Matrimônio".

Quanto ao divórcio e à separação judicial consensuais, como primeiro diploma especial, o art. 731 do novo CPC estabelece que as suas homologações, observados os requisitos legais, poderão ser requeridas em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: a) as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; b) as disposições concernentes à pensão alimentícia entre os cônjuges; c) o acordo atinente à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e d) o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Nos termos do seu parágrafo único, se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, conforme as normas relativas à partilha de bens, constantes dos arts. 647 a 658 do mesmo Estatuto Processual emergente.

Eventualmente, o divórcio, a separação e a extinção de união estável, feitos consensualmente - não havendo nascituro, filhos incapazes e observados os requisitos legais -, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731. Assim, confirmando a evolução inaugurada pela Lei 11.441/2007 - que inseriu o art. 1.124-A no antigo CPC -, pelo art. 733 do novo Código de Processo Civil, continua viável juridicamente o divórcio extrajudicial, por escritura pública. Lamenta-se, mais uma vez, que a separação extrajudicial esteja expressa no comando.

Como é notório, é forte a corrente doutrinária e jurisprudencial segundo a qual a Emenda Constitucional 66/2010, conhecida como Emenda do Divórcio, extingue o instituto da separação de direito, a englobar tanto a separação judicial quanto a extrajudicial. Isso porque o art. 226, § 6º, da Constituição Federal foi alterado, passando a enunciar, de forma direta e objetiva, que "o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio".

No âmbito doutrinário, a tese que propugna o fim da categoria é defendida, entre outros, por Luiz Edson Fachin, Giselda Hironaka, Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias, Zeno Veloso, Álvaro Villaça Azevedo, Rolf Madaleno, José Fernando Simão, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Entendemos que essa é verdadeiramente a posição majoritária sobre a temática no Brasil.

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de voto prolatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão pode ser extraído trecho com a seguinte manifestação acidental: "Assim, para a existência jurídica da união estável, extrai-se o requisito da exclusividade de relacionamento sólido da exegese do § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002, fine, dispositivo esse que deve ser relido em conformidade com a recente EC 66, de 2010, a qual, em boa hora, aboliu a figura da separação judicial" (STJ, REsp. 912.926/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 22.02.2011, DJe 07.06.2011). Em julgado mais recente, segue a mesma linha a Ministra Isabel Galotti, em decisão monocrática: "Após a EC 66/2010, não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da separação judicial. Não foi delegado ao legislador infraconstitucional poderes para estabelecer qualquer condição que restrinja direito à ruptura do vínculo conjugal" (STJ, Documento 40398425, Despacho/Decisão, DJE 22.10.2014).

Seguindo essa visão, deve-se entender que estão revogados tacitamente os dispositivos infraconstitucionais que tratam dos institutos da separação judicial e extrajudicial, caso dos arts. 1.571, 1.572, 1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.578 e 1.580 do Código Civil; além dos arts. 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil de 1973. Tais comandos estão revogados de forma tácita por uma incompatibilidade constitucional superveniente, como sustentam os doutrinadores anteriormente citados. A mesma dedução vale para todas as regras do Novo Código de Processo Civil que mencionam a separação de direito.

Dando sustentáculo final à premissa aqui defendida, devem ser citadas as precisas e corretas palavras de Lênio Luiz Streck, um dos maiores juristas brasileiros da atualidade, que, antes mesmo da aprovação do texto final do Novo CPC no Senado Federal, já sustentava a inconstitucionalidade do que chamou de repristinação da separação judicial1. Introduzindo o tema, aduz o doutrinador, sobre a Emenda Constitucional n. 66/2010, que "não pode haver dúvida que, com a alteração do texto constitucional, desapareceu a separação judicial no sistema normativo brasileiro - e antes que me acusem de descuidado, não ignoro doutrina e jurisprudência que seguem rota oposta ao que defendo no texto, mas com elas discordo veementemente. Assim, perde o sentido distinguir-se término e dissolução de casamento. Isso é simples. Agora, sociedade conjugal e vínculo conjugal são dissolvidos mutuamente com o divórcio, afastada a necessidade de prévia separação judicial ou de fato do casal. Nada mais adequado a um Estado laico (e secularizado), que imputa inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF/1988, art. 5º, VI). Há, aliás, muitos civilistas renomados que defendem essa posição, entre eles Paulo Lôbo, Luís Edson Fachin e Rodrigo da Cunha. Pois bem. Toda essa introdução me servirá de base para reforçar meu posicionamento e elaborar crítica para um problema que verifiquei recentemente. E já adianto a questão central: fazendo uma leitura do Projeto do novo CPC, deparei-me com uma espécie de repristinação da separação judicial. Um dispositivo tipo-Lázaro. Um curioso retorno ao mundo dos vivos"2.

E arremata, em palavras finais: "O legislador do novo CPC tem responsabilidade política (no sentido de que falo em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica). Para tanto, deve contribuir e aceitar, também nesse particular, a evolução dos tempos eliminando do texto todas as expressões que dão a entender a permanência entre nós desse instituto cuja serventia já se foi e não mais voltará. Não fosse por nada - e peço desculpas pela ironia da palavra 'nada' -, devemos deixar a separação de fora do novo CPC em nome da Constituição. E isso por dois motivos: a um, por ela mesma, porque sacramenta a secularização do direito, impedindo o Estado de 'moralizar' as relações conjugais; a dois, pelo fato de o legislador constituinte derivado já ter resolvido esse assunto. Para o tema voltar ao 'mundo jurídico', só por alteração da Constituição. E, ainda assim, seria de duvidosa constitucionalidade. Mas aí eu argumentaria de outro modo. Portanto, sem chance de o novo CPC repristinar a separação judicial (nem por escritura pública, como consta no Projeto do CPC). É inconstitucional. Sob pena de, como disse Marshall em 1803, a Constituição não ser mais rígida, transformando-se em flexível. E isso seria o fim do constitucionalismo. Esta é, pois, a resposta adequada à Constituição. Espero que o legislador que aprovará o novo CPC se dê conta disso e evite um périplo de decisões judiciais no âmbito do controle difuso ou nos poupe de uma ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal já tem trabalho suficiente'3.

Infelizmente, o legislador não se atentou a isso. O trabalho não será só do Supremo Tribunal Federal, mas de toda a doutrina e jurisprudência nacionais. Já começamos a desempenhá-lo, condenando essa triste opção constante do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, que será por nós duramente combatida nos próximos anos.

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1 STRECK, Lênio Luiz. Por que é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil. Vale lembrar que a repristinação é a restauração de vigência de uma norma revogada, pela revogação, por uma terceira norma, de sua norma revogadora.

2 STRECK, Lênio Luiz. Por que é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil.

3 STRECK, Lênio Luiz. Por que é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil.