COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Elas no Processo >
  4. Reflexões sobre a exibição de documento ou coisa

Reflexões sobre a exibição de documento ou coisa

sexta-feira, 18 de março de 2022

Atualizado em 17 de março de 2022 16:10

A exibição de documento ou coisa é espécie de prova que pode ser utilizada no processo civil e vem disciplinada nos artigos 396 a 404 do CPC/2015.

No Código de Processo Civil de 1973 já havia a previsão dessa espécie de prova e o CPC de 2015 apenas trouxe algumas alterações.

Na sistemática anterior (CPC/73) além da exibição como técnica de produção de prova documental, existia também um procedimento cautelar com idêntica função. O CPC/15 traz a possibilidade de exibição de documento apenas como incidente na fase probatória, mas permite que seja realizada de forma antecipada conforme previsão do art. 381.

A exibição é técnica de obtenção de prova importantíssima no processo, uma vez que não são raras as hipóteses em que apenas a parte contrária possui um documento essencial ao deslinde da controvérsia. Pode ser também utilizada quando o autor não possui todos os dados do réu exigidos para a sua qualificação na petição inicial, nos termos do art. 319 do CPC/15, como, por exemplo, número de algum documento, endereço eletrônico etc.

A parte contrária que possui o documento ou coisa tem dever processual de exibir, sob pena de sanção prevista no art. 400 do CPC/15, consistente em presunção de veracidade dos fatos que a parte pretendia provar por meio da exibição.

Não se pode olvidar, ainda, do interesse da parte requerente em obter a consequência de presunção de veracidade em face daquela que está em posse de tais documentos. Caso os documentos não sejam apresentados pela parte contrária, aplica-se penalidade de confissão ficta.

O artigo 397 do CPC/15 estipula os requisitos que devem ser cumpridos para o requerimento de exibição de documento ou coisa. Tal requerimento pode ocorrer tanto na inicial como na contestação. Dessa forma, não basta o requerimento genérico.

A parte requerente da exibição deve identificar o documento ou coisa para que a parte contrária possa ter a informação necessária para cumprir a determinação ou possa exercitar o seu contraditório de forma adequada.

É necessário, também, que se demonstre a finalidade da prova, pois se não exibido o documento ou coisa vai ser com base nessa indicação que o juiz aplicará a pena de confissão ficta.

E, por último, deve-se afirmar o porquê de a parte requerente da prova acreditar que tal documento ou coisa encontra-se na posse da parte contrária. Essa informação é importante para que o juiz possa avaliar de forma adequada eventual justificativa, prevista no parágrafo único do art. 398 do CPC/15. Não se exige que o requerente prove que o documento existe, a inexistência pode ser alegada pela parte contrária em sede de resposta. Tais requisitos fundam-se também no princípio de colaboração das partes, previsto no art. 6º do CPC/15.

Feito o requerimento da prova por uma das partes, concede-se à parte contrária o direito de resposta, obedecendo ao princípio do contraditório. Nessa resposta, a parte pode, inclusive, justificar e provar que não possui tal documento ou coisa ou que eles não existem.

Importante consignar que a expressão "requerido" do parágrafo único do art. 398 do CPC refere-se ao requerido da providência de exibição de documento ou coisa e, não necessariamente, ao réu do processo, já que tanto o réu quanto o autor podem ser requerentes dessa técnica de produção de prova documental.

Nessa oportunidade, a parte contrária poderá demonstrar que: a) não possui o documento ou coisa; ou b) que a apresentação desse documento ou coisa é impossível (Enunciado 53 do FPPC)i, eximindo-se das consequências pelo descumprimento.

O juiz não aceitará a recusa em exibir o documento nas hipóteses previstas no art. 399 do CPC: (i) requerido com obrigação legal de exibir; (ii) o requerido fez alusão ao documento ou à coisa durante o processo, com o objetivo de constituir prova; (iii) documento comum às partes, em razão do seu conteúdo.

A interpretação desse dispositivo deve se dar em conjunto com a previsão do art. 404 do CPC/15, que prevê as escusas possíveis para a não exibição do documento ou coisa.

A norma processual traz a sanção pelo descumprimento, pela parte contrária, da determinação de exibir documento ou coisa. O descumprimento ocorrerá se a exibição do documento ou coisa não ocorrer no prazo de 5 (cinco) dias ou, se o juiz entender ilegítima a justificativa apresentada.

A consequência da confissão ficta para aquele que descumpre a determinação judicial é que confere efetividade ao instituto.

O parágrafo único do art. 400 é a grande inovação do CPC/15 com relação ao instituto pois, possibilita ao juiz adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para obter o documento ou coisa. Com isso, surgiram correntes para discutir se a redação da Súmula 372 do STJ, que proibia a aplicação de multa cominatória para a hipótese, estaria ou não superada no caso concreto.

Já nos primeiros comentários ao CPC em 2015, Fredie Didier Juniorii, José Miguel Garcia Medinaiii e outros processualistas defendiam a superação de tal súmula. Mas, a prática mostrou-se diferente, com decisões reforçando a manutenção da Súmula 372 do STJ.iv O Fórum Permanente de Processualistas Civis, interpretando tal questão, aprovou, por unanimidade, o enunciado 54 que entende como superada a súmula 372 do STJv.

Essa celeuma apenas foi resolvida em 26 de maio de 2021, com o julgamento do REsp repetitivo 1.777.553/SP, que fixou a tese de que "desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa"vi.

Deve-se destacar que o juiz apenas tomará tais medidas se houver a inércia da parte contrária na exibição e elas se mostrarem úteis na medida em que há casos em que a pena de presunção de veracidade não pode ser aplicadavii.

Assim, apenas em caso de previsão legal de não ocorrência da confissão ficta (art. 345 do CPC) é que será possível a aplicação das medidas do parágrafo único do art. 400 do CPC.

O artigo 401 traz a possibilidade do pedido de exibição ser direcionado a terceiro. O CPC de 2015 dilatou o prazo para a resposta do terceiro para 15 (quinze) dias, uniformizando os prazos.

Importante destacar que, como o terceiro não faz parte da relação jurídico processual, nenhuma consequência de presunção de veracidade poderá ser-lhe aplicável, daí a previsão de procedimento diferenciado quando a exibição lhe for dirigida.

A exibição de documento ou coisa dirigida ao terceiro configura verdadeira ação incidental, por isso, a necessidade de citação e prazo para resposta, havendo também a possibilidade de sucumbência.

Se o terceiro se recusar a apresentar o documento ou coisa, o juiz instaurará um breve contraditório, permitindo-se a oitiva de todos os envolvidos e até mesmo de testemunhas. Tais oitivas tem como único objetivo esclarecer o dever de exibir o documento ou coisa, não se discutirá o mérito da ação. O juiz deverá proferir a decisão a tal respeito na própria audiência. O recurso cabível é o agravo de instrumento, conforme previsão do art. 1.015, VI, do CPC/15.

Reconhecido o dever de exibir, o terceiro também sofrerá consequências caso descumpra a ordem judicial de exibição. A possibilidade de pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias são mais úteis em relação ao terceiro do que em relação à parte contrária.

Todavia, a despeito das medidas, pode acontecer de, ainda assim, não ser apresentado o documento ou coisa. Neste caso, o requerente da medida fica sem alternativa para conseguir provar aquele fato, daí a importância de o juiz agir de forma que exerça maior coercitividade no caso concreto para efetivar sua ordem.

A colaboração com a verdade real encontra limites ao não se exigir do réu ou do terceiro que se prejudiquem mais do que a consequência que adviria do processo em andamento.

O artigo 404 do CPC prevê, ainda, como recusa legítima, aquela decorrente da lei e dos deveres de sigilo. Importante destacar, nesse ponto, que o dever de sigilo pode ser relativizado, excepcionalmente, para privilegiar interesses mais relevantes, devendo-se aplicar o princípio da proporcionalidade no caso concreto.

Tais justificativas serão analisadas pelo juiz que as julgará legítimas ou não, podendo determinar outras formas de obter tais documentos. Assim, poderá aplicar as medidas previstas nos parágrafos únicos dos art. 400 do CPC (quando se tratar da parte contrária) ou art. 403 do CPC (quando se tratar de terceiros), se as julgar ilegítimas.

Dessa forma, é possível afirmar que a exibição de documento ou coisa continua a ser importante espécie de prova no CPC/15, melhorando a redação do CPC/73 ao incluir a possibilidade de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para obter o documento ou coisa.

_______________

i ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. X edição. Carta de Recife/PE, março 2018. Salvador, Juspodivm, 2019, p. 22.

ii DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10 ed. Salvador: Juspodvm, 2015. 2 v., p. 234.

iii MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 660-661.

iv Agravo de Instrumento Nº 70033391780, 23ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, julgado em 29/11/2016 ; Agravo de Instrumento n. 0021965-86.2018.8.16.0000, Tribunal de Justiça do PR, publicado em: 17/08/2018. (Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=resp+repetitivo+n%C2%BA+1.333.988%2Fsp. Acesso em: 01 fev. 2022)

v ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. X edição. Carta de Recife/PE, março 2018. Salvador, Juspodivm, 2019, p. 22.

vi BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Repetitivo 1000. 2ª Turma, julgado em 26 maio 2021. Disponível aqui. Acesso em: 01 fev. 2022.

vii Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:

I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.