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A audiência de mediação/conciliação no procedimento executivo

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Atualizado às 08:25

Aspectos gerais sobre a audiência de tentativa de mediação e conciliação (art. 334 do CPC)

A audiência1 de conciliação ou de mediação tem previsão no artigo 334 do CPC e representa instituto apto a instrumentalizar a disposição da norma fundamental prevista no art. 3º, §§2º e 3º do referido diploma processual2, que determina o comprometimento do Estado em promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

A mesma norma consagra o dever de incentivo às práticas de conciliação e mediação por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Isso significa que todos os sujeitos do processo devem estar atentos e empenhados em buscar meios e viabilizar condições para a construção do consenso, visando à efetividade e à celeridade do processo, bem como à pacificação social e ao descongestionamento do Poder Judiciário.

Assim, o CPC, através de seu art. 3º, incentiva o desenvolvimento e a utilização de meios "alternativos"3 ou adequados para a solução de conflitos, tais como as técnicas da mediação e conciliação, seja na via judicial ou extrajudicial, a negociação e a arbitragem.4

Tal norma fundamental está intrinsecamente ligada à ideia de cooperação no processo, que configura outra importante diretriz normativa da lei processual civil, estampada no art. 6º.5

Quanto ao procedimento, determina o CPC, em seu artigo 334, que se a petição inicial atender a todos os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido (art. 332), o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação (conforme matéria envolvida na lide apresentada), com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência. A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.

A não ocorrência da audiência deve ser exceção, nas hipóteses do § 4º do art. 3346, o qual deve ser interpretado em conjunto com o art. 166, caput do CPC, no que diz respeito, sobretudo, à autonomia da vontade das partes.7

A solenidade pode realizar-se por meios eletrônicos, nos termos da lei, seguindo-se inclusive a lógica de priorizar atos eletrônicos quando possível, prestigiando-se a celeridade (art. 334, § 7º).

Se não houver comparecimento nem justificativa plausível para a ausência do autor e/ou do réu na audiência, configurado estará o ato atentatório à dignidade da justiça e haverá imposição de sanção: multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado8.

A falta da audiência, portanto, é compensada pela cominação de pena pecuniária significativa, por meio da qual o legislador imaginou pressionar os litigantes a participarem da tentativa de autocomposição.9

Não há que se falar em revelia caso o réu não compareça à audiência. A revelia decorre da não apresentação de contestação (art. 344 CPC).

As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos, segundo o §9º do art. 334. A interpretação do referido dispositivo deve ser no sentido de que a ausência do advogado impede o ato? Entende-se que não, como forma de incentivar a solução consensual e considerando a presença de conciliador/mediador. Há doutrina em sentido contrário, no entanto.10

Conforme o §10 do mesmo dispositivo, a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. Sobre tal regra, o STJ já decidiu que o representante legal da parte pode ser o seu advogado, desde que munido de procuração com poderes para transigir11.

A audiência de mediação e conciliação no procedimento executivo

É certo que a obrigatoriedade da audiência de tentativa de conciliação e mediação está prevista no CPC apenas para a fase de conhecimento, no art. 334.

O art. 740 do CPC/73 até previa a possibilidade de, após o recebimento dos embargos e a oitiva do exequente, ser designada audiência de mediação ou conciliação, mas o CPC/2015 não inseriu tal audiência no procedimento executivo, pelo menos não de forma típica.

O art. 920, que trata do procedimento dos embargos, faz referência apenas à audiência de instrução e julgamento. O art. 916 contempla a possiblidade de pagamento parcelado do valor da execução, mas o dispositivo não pode nem ser considerado propriamente como hipótese de solução consensual, pois está mais para direito potestativo do executado, visto que a sua incidência não depende da concordância do exequente, que será ouvido apenas para se manifestar sobre o preenchimento dos pressupostos legais do requerimento.

De qualquer modo, não há óbice à designação de audiência de mediação ou conciliação no processo de execução: primeiro, em razão do disposto no art. 139, V, do CPC, segundo o qual o juiz poderá promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; segundo, levando em conta o art. 772, inciso I, que permite ao juiz, em qualquer momento do processo, ordenar o comparecimento das partes, o que pode ter por escopo a tentativa de conciliação.

A doutrina também considera possível a aplicação da técnica do art. 334 ao processo de execução. Isso porque, embora se trate de regra pertinente à fase de conhecimento, o art. 318, parágrafo único, estabelece a aplicação subsidiária do procedimento comum ao processo de execução.

Para Trícia Navarro, o juiz pode utilizar a técnica do art. 334 no procedimento executivo, inclusive com a possibilidade de aplicação de multa pelo não comparecimento injustificado, sem prejuízo da prática dos demais atos executivos, porquanto a audiência não teria o condão de suspendê-los12.

De modo geral, no entanto, considera-se que o art. 334 deve incidir nos embargos à execução e não na fase inicial da execução, a exemplo do que ocorria na vigência do CPC/73.

Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves sustenta que os embargos, apesar de não seguirem o procedimento comum, comportam a audiência do art. 334, mas a regra não seria vinculativa, de modo que a sua designação seria apenas uma opção do juiz, não sendo, em consequência, cabível a imposição da sanção prevista no art. 8º13.

Para Araken de Assis, "[...] a aplicação subsidiária do procedimento comum aos embargos [...] indica claramente a possibilidade de o órgão judicial designar a audiência do art. 334, apesar do art. 920 aparentemente dispensá-la". Nesse caso, haveria influência sobre a contagem do prazo da contestação do embargado, que passaria a fluir: a) da data de audiência; b) do protocolo da manifestação do desinteresse do embargado na realização da audiência; c) ou nos termos do art. 231, nas demais hipóteses14.

Em suma, parece não haver dúvidas sobre a possibilidade da designação da audiência de mediação ou conciliação no processo de execução, com fundamento no 139, V ou no art. 334 do CPC, a requerimento das partes, ou de ofício pelo juiz. Quanto à audiência do art. 334, porém, a doutrina faz referência à sua designação apenas nos embargos à execução.

A questão é saber se é possível a designação da audiência de tentativa de mediação ou conciliação com base no art. 334 na fase inicial da execução e se, nesse caso, haveria alteração na contagem do prazo para a apresentação dos embargos, que se iniciaria a partir da referida audiência.

Não se vislumbra qualquer obstáculo à incidência do art. 334 no processo de execução, em sua fase inicial, antes da propositura dos embargos, em razão do já referido art. 318, parágrafo único.

Não obstante, entende-se que a aplicação do dispositivo não tem o condão de alterar a contagem do prazo para oferecimento dos embargos.

Segundo o art. 915, o prazo para a apresentação dos embargos à execução é de 15 dias, contado, conforme o caso, na forma do art. 231. Como não há previsão de audiência de mediação ou conciliação, não há evidentemente qualquer regra sobre eventual alteração da contagem do prazo dos embargos caso seja designada a audiência do 334 antes da sua propositura.

A matéria foi levada ao STJ, através do RESp 1.919.295 - DF, de Relatoria da Min. Nancy Andrighi, julgado em maio de 2021, que decidiu no sentido da impossibilidade dessa alteração. Segundo a Relatora, modificar o prazo dos embargos nessa hipótese "(...) daria o poder à parte executada, que eventualmente perde o prazo para a realização do ato, requerer - sob o auspicioso argumento de que o espírito da lei incentiva a autocomposição entre as partes - a solicitação de audiência de conciliação para, só após a sua ocorrência, manifestar sua resistência à execução".

Além disso, tem-se que seria também uma forma de postergar o desfecho do processo executivo, com a apresentação dos embargos em prazo muito superior ao legalmente previsto. Em outras palavras, seria uma forma de o executado ganhar tempo, inclusive de forma ilegítima, caso não tivesse qualquer intenção de conciliar. Solicitaria a designação da audiência apenas para procrastinar a execução.

No recurso especial levado ao STJ, por exemplo, o executado foi citado em 07/03/2019 e o mandado de citação foi juntado aos autos em 18/03/2019. A Defensoria Pública habilitou-se nos autos no dia 14/03 e foi solicitada a designação de audiência de conciliação. Instada a manifestar-se sobre o pedido, a recorrida concordou com o pleito, em 23/07/2019; a audiência de conciliação foi designada para o dia 24/09/2019, tendo restado infrutífera. Os embargos à execução foram opostos pelo recorrente em 26/11/2019.

Um prazo que se encerraria em maio teria sido, nessa hipótese, postergado 6 meses, o que não é razoável. Isso não significa que o executado não possa pleitear a realização da audiência de mediação ou conciliação. Pode fazê-lo com base no art. 139, V ou com esteio no 334, antes ou após a oposição dos embargos.

Se formulado após a oposição dos embargos, com base no art. 334, tendo em vista a sua natureza de demanda de conhecimento, o prazo para a contestação do embargado começará a correr após a audiência, se ela ocorrer.

Porém, se requerida a audiência do art. 334 antes da oposição dos embargos, o deferimento da sua realização não terá o condão de alterar a contagem do prazo para oferecimento da defesa do executado, que deverá ocorrer na forma do art. 915, não podendo ser postergada para depois da realização da audiência.

Como alternativa, entrementes, pode o executado tentar realizar com o exequente negócio jurídico processual, tanto para realização da audiência do art. 334, como para a modificação da contagem do prazo da oposição dos embargos. Se o exequente concordar, nada impediria, a priori, a sua efetivação.

Deve-se dizer que, uma vez aplicada a técnica do art. 334 à execução, devem incidir as regras contidas em seus parágrafos, desde que compatíveis com o procedimento executivo, inclusive a multa pelo não comparecimento injustificado das partes, desde que a imposição respectiva não advenha de decisão-surpresa, em respeito ao contraditório efetivo (art. 10 do CPC).

Finalmente, considerando a norma fundamental prevista no art. 3º do CPC, de estímulo à solução consensual dos conflitos, atrelada ao disposto do art. 139, V, entende-se que devem os juízes da execução designar, tanto quanto possível e quando vislumbrarem a possibilidade de solução consensual, audiência de conciliação no processo executivo.

Registre-se que a campanha da XVI Semana da Conciliação deste ano de 2021 do CNJ terá como ação prioritária a tentativa de acordo nas execuções em geral, independentemente do estágio ou fase em que se encontrem15, com o objetivo de reduzir as taxas de congestionamento do Poder Judiciário.

De lege ferenda, é de se pensar em uma proposta de alteração legislativa do CPC para que seja prevista expressamente a incidência o art. 334 nos embargos à execução, ressalvado o desinteresse do exequente na solução autocompositiva, já que a execução se realiza em seu interesse. 

Referências bibliográficas

ARBS, Paula Saleh e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da Possibilidade de Designação da Audiência de Conciliação do Artigo 334, CPC/15, no Processo Executivo. Disponível aqui, capturado em 29/10/2021.

ASSIS, Araken de. Manual da execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 15ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.

MEDINA, José Miguel Garcia. Guia prático do novo processo civil brasileiro/ José Miguel Garcia Medina e Janaina Marchi Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016.

TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em www.fernandatartuce.com.br, capturado em 30/10/2021.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 57 ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

WELSCH, Gisele Mazzoni. "Audiência de mediação e conciliação". In: Primeiras linhas de direito processual civil: volume 2 - Processo I/ Felipe Camilo Dall'Alba, João Paulo Kulczynski Forster, coordenadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.

*Renata Cortez é registradora civil e tabeliã no Estado de Pernambuco. Doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito e Especialista em Direito Processual pela UNICAP. Membro do IBDP e da ANNEP. Coordenadora e professora de cursos de pós-graduação "lato sensu".

**Gisele Mazzoni Welsch é pós-doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Doutora e Mestre em Teoria da Jurisdição e Processo pela PUC-RS. Especialista em Direito Público pela PUC-RS. Professora de cursos de pós-graduação "lato sensu" em Processo Civil. Advogada e parecerista.

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1 Há autores que criticam a utilização do termo "audiência" e que deveria ser empregado o termo "sessão", porquanto o primeiro estaria afastado da ideia de diálogo que deve nortear a tentativa de acordo entre as partes. Fernanda Tartuce (In: Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em www.fernandatartuce.com.br, capturado em 30.10.2021), por exemplo, utiliza a expressão "sessão consensual".

2 Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

3 A nomenclatura empregada por grande parte da doutrina de técnicas ou meios alternativos para a solução consensual de conflitos deve ser questionada, uma vez que, frente às dificuldades e problemas impostos pela prestação jurisdicional, muitas vezes tais meios não se mostram como mera alternativa de obtenção de justiça no caso concreto, mas sim como veículo mais adequado e eficaz para a tutela do direito material pretendido ou envolvido.

4 A arbitragem tem regulação legislativa própria em nosso sistema jurídico, originariamente pela Lei nº 9.307/96 e, mais recentemente, revigorada e ampliada pela lei 13.129/15, a qual amplia o âmbito de aplicação da arbitragem e dispõe sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

5 Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

6 § 4o A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição.

7 MEDINA, José Miguel Garcia. Guia prático do novo processo civil brasileiro/ José Miguel Garcia Medina e Janaina Marchi Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 89.

8 A natureza dessa multa é punitiva, apesar de ter caráter pedagógico preventivo, no sentido de evitar o descomprometimento das partes com a tentativa de solução consensual do conflito.

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 57 ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P.796.

10 Nesse sentido: Athos Gusmão Carneiro. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 15ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 70.

11 AgInt no RMS 56.422/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 16/06/2021

12 ARBS, Paula Saleh e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da Possibilidade de Designação da Audiência de Conciliação do Artigo 334, CPC/15, no Processo Executivo. Disponível aqui, capturado em 29/10/2021.

13 Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1262/1263.

14 Manual da execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.612-1.613.

15 Disponível aqui.