COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Direitos Humanos em pauta >
  4. "Termos em que, requerem felicidade": Reflexões sobre o Direito Humano e Fundamental à Felicidade no Brasil

"Termos em que, requerem felicidade": Reflexões sobre o Direito Humano e Fundamental à Felicidade no Brasil

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Atualizado às 07:48

Perceber a felicidade na atuação profissional: um convite

Na defesa dos Direitos, costumeiramente cada advogado utiliza como desfecho de petições "termos em que, requer deferimento". Trata-se, como é de conhecimento amplo, de clássica combinação de palavras que pretende dar ênfase em tudo que foi exposto e assinalar que, como consequência, alguma providência jurisdicional é esperada. E o que mais está atrás de tudo isso?

Em um primeiro momento talvez seja o caso de pensar em "justiça", afinal faz muito sentido que o resultado útil de um processo seja exatamente este. Agora, que tal refletir também no quanto a pacificação e mesmo a prevenção de um litígio promovem felicidade? A atuação de todo profissional do Direito também não deve se preocupar com isso?

Felicidade possui inúmeros conceitos - neste momento o leitor é aconselhado a parar por alguns minutos e anotar o que entende por felicidade... anotou? -, sendo que sempre foi objeto de estudo em vários campos do saber. Não há uma única definição de felicidade, porém, do mesmo modo que acontece com a justiça, as pessoas sabem quando algo prejudica ou é o exatamente o contrário de felicidade.

Fato é que toda vez que um advogado atende um cliente e ao final do diálogo ou de sua atuação percebe que pôde resolver algo, certamente vai sentir o reflexo disto em si e no cliente. Estas duas perspectivas são percepções de felicidade traduzidas em satisfação e gratidão, por exemplo. Entender o quanto a prevenção e solução de um litígio são também fontes de felicidade pode ser um grande aliado na atuação de qualquer profissional do direito.

Some-se que a atuação adequada do advogado aumenta as chances de bom relacionamento com os clientes e, aliás, bons relacionamentos são fontes cientificamente validadas de felicidade. No mesmo sentido, a atuação de todo profissional do Direito é força motriz de melhores relacionamentos entre os envolvidos em determinada situação jurídica e de toda sociedade. Deste modo, é recomendável que cada operador do Direito possa refletir facetas de felicidade que suas respectivas atividades oportunizam.

Portanto, há uma correlação intensa entre os Direitos defendidos e a felicidade: seja por meio da percepção dos resultados obtidos, seja pela melhora dos relacionamentos, seja pela colaboração do Direito à paz e seja ainda pela própria percepção da felicidade como um Direito.

Porém, é a felicidade um Direito?

Tecnicamente o vocábulo "felicidade" não está expresso na Constituição Federal de 1988; também não estão "feliz" ou "alegria". O mais próximo disso seria "bem-estar", só que não necessariamente são sinônimos. Assunto resolvido: em sede de compreensão legislativa e observado o rol de Direitos Fundamentais, a felicidade não é Direito.

Ocorre que para os que entenderem felicidade e bem-estar como equivalentes, será dever constitucional a atuação pelo bem-estar do povo brasileiro e, portanto, da própria felicidade. Para os que entenderem como conceitos diferentes, fica a orientação: também será dever agir pela felicidade de todos, como um desdobramento de compreensão internacional e mesmo a luz de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal.

Sobre o STF, a cúpula do Poder Judiciário já se manifestou acerca do "direito à busca da felicidade". Este foi firmado, em alguns casos, como desdobramento da própria dignidade da pessoa humana e como um princípio. Vale uma pesquisa nas jurisprudências do STF sobre o tema das quais sobressai a necessidade da compreensão de que em qualquer atuação, os profissionais do Direito possam constatar o real impacto em assegurar dignidade e felicidade das pessoas, afinal, ambos são Direitos.

Há, portanto, fundamentos internos para fortalecer a argumentação em cada discurso jurídico sobre o tema. Além disso, o Brasil tem recepcionado normativas internacionais de Direitos Humanos e a Organização das Nações Unidas, assim como diversos países no mundo, vem considerando a felicidade como um Direito.

Mais recentemente por meio da Resolução 65, de 2011, a ONU afirmou que a felicidade traduz a essência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Estes são um conjunto de metas a serem atingidas até 2030 e que representam uma forma global de percepção de como os Direitos Humanos devem ser efetivados.

A ONU expressa real interesse em pesquisas, indicadores e presença da felicidade nas agendas públicas e privadas e o Brasil assumiu o compromisso de implementá-los; os indicadores estão em construção, com forte atuação do IBGE, onde é possível acompanhar conquistas e entraves de cada ODS no país.

Será o contexto brasileiro favorável para tratar de felicidade?

O país é marcado por tantas violações de Direitos Humanos e Fundamentais que pode soar estranho "cuidar também de felicidade". Fome, miséria e desigualdade, problemas sérios no acesso à saúde e educação de qualidade, desigualdade de gênero, discriminações, racismo estrutural, déficit de trabalho decente, entre outros dilemas brasileiros estão em evidência...

Só que indispensável reforçar: a) felicidade traduz o anseio, o que sempre se espera como resposta do Direito; b) a felicidade é um Direito por si só, um Direito Humano em construção e que certamente vai conquistar cada vez mais e melhores contornos no Brasil e no mundo e precisamos atuar coletivamente por isso - que contorno você leitor dá para esse Direito?; e c) até justamente por ser necessário compreender que enquanto humanidade, a busca pelo desenvolvimento humano dialoga incessantemente com a promoção da dignidade e também felicidade das pessoas. E isso não é algo apenas para um futuro distante...

Aliás, prefere-se e defende-se em trabalho próprio - vide referências -, que seja tratado o Direito à Felicidade não como "direito à busca da felicidade". O verbo "buscar" torna a felicidade como algo futuro e certamente mais difícil de se alcançar. Além disso, não é o usual, eis que não se diz "direito à busca da saúde", "direito à busca da moradia" e, assim, sucessivamente... Devemos (e tomo a liberdade de me incluir agora com o uso do verbo desta forma) agir pelo Direito à Felicidade!

Esse agir é "glocal". O reconhecimento de ações locais de impacto global trará a tranquilidade de se reconhecer que: a) a felicidade possui aspectos individuais e, neste caso, no dia a dia, pode-se viver felicidade nos relacionamentos mais próximos e no cotidiano, sempre pensando também em como colaborar à felicidade dos outros e efetivamente agindo; e b) a felicidade possui aspectos coletivos e, neste caso, no dia a dia, todos devem realmente engajar na promoção dos Direitos Humanos e Fundamentais, na compreensão e monitoramento dos indicadores da Agenda 2030, nas boas práticas...

Há dados oficiais postos, bastante material de apoio e verdadeira necessidade de agir consistente e persistente em prol da efetividade dos Direitos Humanos e Fundamentais! O contexto é favorável por assim escolhermos perceber a realidade que não deixa de ser desafiadora e mesmo árdua, porém, é justamente na escolha pela atuação reconhecendo conquistas e engajada na transformação e aprimoramento contínuo da realidade que se dará real sentido e propósito de vida.

Em linhas de primeiros passos e direcionamentos... algumas conclusões

 Há fundamento jurisprudencial e documentos internacionais que permitem tratar de felicidade como Direito. Há ainda o despertar, que se espera tenha gerado, em perceber que é um tema de interesse coletivo, inclusive do leitor, para si e para todos! Em outras palavras, a felicidade é um Direito Humano - seu Direito, inclusive! É de extrema importância que cada pessoa saiba mais cada um desses temas - Direitos Humanos e Fundamentais, ODSs, Dignidade e Felicidade -, e que realmente perceba ser alguém que ao agir também está promovendo felicidade!

É necessário simplificar... felicidade é um tema bastante pulverizado, muitas vezes confundido com "ter" bens... ou só expressar sorriso no rosto. Cuidado: felicidade é uma construção diária, um exercício, é acesso aos direitos mais básicos, é acolher estilos de vida diferentes e que se estimula e precisam que sejam sustentáveis, é, ao final, como apontado, um Direito, forte aliado da dignidade e, como apontado: os profissionais do Direito podem colaborar muito para isso.

Vamos fortalecer a cultura jurídica da felicidade em todos os espaços?

Sugestões de Leitura 

DIAS, Maria Berenice. Direito Fundamental à Felicidade. In Revista Interdisciplinar de Direito, [S.l.], v. 8, n. 01, dez. 2011. ISSN 2447-4290.  Disponível aqui. Acesso em mar. 2021.

FREITAS, Aline da Silva. Endo-Direito Humano à Felicidade: por quais motivos e como agir para efetivar? São Paulo: Dialética, 2023.

GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento teórico do desenvolvimento em um Estado Social. FDRP/USP. Revista Digital de Direito Administrativo. Disponível aqui. DOI:. Acesso em mar. 2021.

LEAL, Saul Tourinho. Direito à Felicidade. São Paulo: Almedina, 2017.