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O voto de Alexandre de Moraes no RE sobre drogas

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Atualizado às 07:36

A retomada do julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário n. 635659 nas semanas passadas, fez retornar ao centro dos debates públicos a descriminalização de drogas para consumo próprio no Brasil, assunto bastante polêmico e que escamoteia a famigerada "guerra às drogas".

Nós já publicamos artigo sobre o tema nesta coluna e o retomamos porque o voto do ministro Alexandre de Moraes neste RE dialoga diretamente com outra ação que também aguarda a conclusão do julgamento pelo STF, O HC 208.240-SP sobre perfilamento racial nas abordagens policiais, e que merece nossa análise.

A título de memória, lembremos que referido RE sobre drogas está sob o crivo do STF para julgamento desde 2015 e havia sido retirado de pauta com um pedido de vista do falecido  Ministro Teori Zavascki, logo, assim como todos os processos que eram de Teori, a vista ao processo foi herdada pelo Ministro Alexandre de Moraes, escolhido pelo ex-presidente Michel Temer para ocupar a cadeira deixada por Teori.

O recurso discute a constitucionalidade do art 28  da lei 11.343 de 2006, "Lei de drogas", no caso concreto o recorrente portava 3 gramas de maconha, que alegou ser para consumo próprio, sendo que, contudo, foi julgado e condenado por tráfico de drogas.

O ministro relator, Gilmar Mendes, em seu voto declarou a inconstitucionalidade de todas as medidas penais para o porte para quaisquer drogas, atribuindo, assim, a descriminalização para todas as drogas, mantendo, contudo, a possibilidade de aplicação de sanções com caráter apenas administrativas e não mais penais.

O voto do relator foi seguido pelo Ministro Fachin apenas em relação à maconha, assim, como o Ministro Barroso que, por sua vez, trouxe um critério provisório - até que o congresso nacional legisle - semelhante ao critério de Portugal, sendo até 25 gramas de maconha ou 6 plantas fêmeas para caracterizar o usuário.

Pois bem! Na leitura de seu voto que durou cerca de 1 hora e 30 minutos, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou dados de uma pesquisa que informou ter sido realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria sobre todos os flagrantes por tráfico de drogas de 2002 ao 2017 e todas as apreensões por uso, que segundo informou, somam mais de 600 mil.

Em seu voto mencionou sobre o "abuso policial seletivo em relação aquele que porta a droga", apontando que, em média, para uma pessoa branca ser considerada traficante  é necessário que esteja portando pelo menos 80% a mais da quantidade que uma pessoas negra porta é enquadrada no crime de tráfico de drogas. Em suma, a pesquisa apresentada pelo Ministro Alexandre de Moraes revelou que pessoas brancas acima de 30 anos e com curso superior precisam portar uma quantidade muito significativa para serem consideradas traficantes, enquanto que, se tratando de pessoas negras semi-analfabetas ou com apenas o ensino fundamental, uma quantidade ínfima, como a do caso concreto analisado neste RE - três gramas de maconha - pode gerar uma condenação por tráfico de drogas.

O argumentos lançados no voto do eminente ministro demonstram de forma cabal que o perfilamento racial nas abordagens policiais é uma realidade flagrante que se inicia na abordagem, é referendada pelo Ministério Público e rotineiramente chancelada pelo Poder Judiciário, e no caso do tráfico de drogas as decisões dos magistrados encontram apoio na alargada discricionariedade que lhes é conferida pelo § 2º do art. 28 da Lei de drogas, que dispõe "Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente".

Criando, assim, a figura do pequeno traficante, o que culminou num aumento do encarceramento em massa, fazendo com que o usuário seja enquadrado como traficante.

O acertado voto do ministro Alexandre de Moraes neste processo, deve impactar o processo sobre perfilamento racial, uma vez que reconhece a existência da seletividade racial em desfavor de pessoas negras pelo sistema de justiça e que essa seletividade culmina necessariamente em prisões injustas, é necessário que se fixe tese para a partir de standares objetivos, já existentes na legislação - art. 244 do CPP - para realização da busca pessoal sem mandado, na forma em que se requer nos autos do HC.

Essa é a mais lídima medida de justiça!