Uma semana de avanço na luta das mulheres por efetiva igualdade de direitos
terça-feira, 11 de julho de 2023
Atualizado às 07:39
Na semana que se passou pudemos testemunhar avanços em duas frentes da luta das mulheres por igualdade de direitos, justiça e melhor condição de vida digna. No mesmo dia (3.7), o presidente Lula sancionou duas leis que tratam de temas que há muito anos estão na pauta do movimento feminista.
A primeira, é a lei 14.611/23 que estabelece igualdade salarial de gênero alterando alguns dispositivos da CLT a fim de determinar, também, critérios remuneratórios entre homens e mulheres. E a segunda, é lei 14.612/23 que alterou o estatuto da advocacia para transformar em infração ética-disciplinar a discriminação e o assédio moral e sexual.
A lei que estabelece a igualdade salarial de gênero determina novas bases legais para que trabalhadoras e trabalhadores tenham garantido seu direito à igualdade de salário e de remuneração e entre os pontos que aborda, destacamos: A obrigatoriedade da transparências nas empresas relativo ao quantum salarial pago aos seus funcionários.
Essa nova obrigação representa uma alteração legislativa importante e na prática poderá produzir efeitos bastante significativos, isto porque, empresas do setor privado via de regra não estão submetidas a mesma normativa de transparência que o setor público, dada as distinções de suas naturezas jurídicas, finalidades e as fontes de recursos.
Contudo, as empresas deverão estabelecer mecanismos de transparência salarial e remuneratória próprios, seguindo alguns critérios, por exemplo, as empresas que contem 100 empregados ou mais, deverão publicar relatórios de transparência salarial semestralmente, proporcionando de forma objetiva meios para que se verifique se a diferenças remuneratórias entre homens e mulheres que exercem atividades de igual valor.
Além disso, os relatórios também deverão informar a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por homens e mulheres, assim como dados sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade.
A nova lei coaduna-se com os objetivos estabelecidos pela Agenda 2030, que apresenta um conjunto de metas globais de desenvolvimento sustentável criadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), dentre elas está "alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas". Além disso, a legislação também está ancorada na Convenção 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento, intitulado "Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor", vigora no país desde 1958.
Deve-se reconhecer de plano a grande importancia da sanção dessa lei no tempo atual e que, em certa medida, responde a uma pauta reivindicada pelo movimento feminista há decadas, lembre-mo-nos que os trabalhos relegados as mulheres históricamente estão na esfera do cuidado e da assistência e, quando mulheres passam a assumir posições profissionais ditas "de homem", recebem salarios menores.
Nessa equação da história das desigualdades das mulheres no Brasil, não apaguemos a situação da mulheres negras que passaram da condição de escravizadas, saindo da senzala diretamente para o quartinho de empregada na condição de empregadas domésticas, que embora seja uma atividade profissional importantíssima, apenas em 2015, por meio da LC 150, foi realmente alçada à categoria de "trabalhado" permitindo à classe acessar a maioria dos direitos trabalhistas previstos na Constituição.
De modo que, além de estarem sujeitas ao patriarcalismo, ao machismo, as mulheres negras ainda são atravessadas pelo racismo que, ao contrário do que alguns incautos afirmam, não acabou juntamente com a abolição da escravidão em 1888, pelo contrário, estruturou a sociedade brasileira e se institucionalizou nas instituições públicas e privadas, em especial, na relação patroa e empregada que por vezes reproduz o binomio sinhá e mucama.
O contexto histórico do Brasil, portanto, demarca elementos estruturais que atravessam mulheres brancas e não brancas de formas diferentes e na esfera das discriminações, as mulheres negras ainda se distanciam das mulheres brancas em termos de acesso à direitos, ocupando a mais baixa posição na pirâmide econômica.
Conforme demonstra a pesquisa publicada pelo IBGE em 2021, a média salarial mensal de uma mulher negra é de R$ 1.471,00. O valor é 57% menor do que homens brancos recebem. Além disso. é 42% menor do que mulheres brancas ganham e 14% a menos do que homens negros recebem. Isto significa dizer que para cada R$ 1,00 que um homem ganha, uma mulher recebe R$ 0,78. E a cada real ganho por um homem branco, uma mulher negra recebe apenas R$ 0,43.
A pesquisa revela ainda que 55% das famílias brasileiras são lideradas por mulheres negras, isto é, mulheres negras são o retrato da "chefe" da família brasileira, mas continuam na rabeira da pirâmide econômica.
Assim, é preciso dizer que as políticas públicas de promoção de igualdade devem observar tanto gênero quanto raça na mesma medida, pois conforme nos ensina o Prof. Dr. Adilson José Moreira, em seu livro O que é discriminação?, uma norma ou medida pode ser considerada discriminatória, no campo da discriminação indireta, quando deixa de contemplar a especificidade de determinado grupo populacional socialmente vulneravel. Isto significa dizer que, a discriminação indireta pode se caracterizar pela omissão ao não balizar de forma objetiva critérios que contemple esse ou aquele grupo vulneravel.
E embora a nova lei representa um avanço ao determinar a publicação de relatório que demonstrem os salários pagos a homens e mulheres, a nosso ver, não torna obrigatório de forma objetiva a publicação de dados relativos à raça, etnia, nacionalidade e idade, o que requer de nós maior vigilância na fiscalização de seu cumprimento pelas empresas.
Ademais, para o enfrentamento do racismo refletivo nas desigualdades salariais enfrentadas pelas mulheres negras é necessário que avancemos ainda mais de forma objetiva e escalonada estabelecendo critérios específicos de raça e gênero no objetivo nuclear da lei e não apenas como ferramenta marginal.
A segunda conquista obtida na mesma semana e mencionada na abertura deste artigo, diz respeito às mulheres advogadas, trata-se da lei 14.612/23, que altera o estatudo da advocacia para determinar a pena de a suspensão do exercício da advocacia por profissionais condenados por assédio moral, assédio sexual e discriminação.
Atualmente as mulheres representam a maioria nos quadros da advocacia brasileira, dados de 2022, demonstram que somos o 624.285 mulheres 615.989 homens inscritos na OAB1 e sabemos que em qualquer posição, seja de diretora ou de estagiária, uma mulher está sujeita ao assédio moral e sexual.
A proposta teve iniciativa na Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB, liderada por sua presidente, Cristiane Damasceno, após percorrer o país implementando a Campanha Advocacia sem Assédio, a comissão apresentou a proposta de alteração do Estatuto e que teve como relator o Conselheiro Federal Carlos José dos Santos Silva - o Cajé - da bancada de São Paulo. Após discussão a proposta foi aprovada pelo Conselho Pleno da OAB Nacional e levada ao Congresso Nacional.
Graças a atuação incansável das conselheiras federais percorrendo os corredores da Câmara dos Deputados e do Senado, com apoio dos conselheiros e da diretoria da OAB, o projeto foi aprovado nas duas casas em tempo recorde.
Para além de celebrarmos a atuação da advocacia que corroborou para a aprovação do projeto, devemos celebrar a aprovação de uma política que visa coibir uma conduta que representa um dos maiores dramas vivenciados por mulheres nos seus ambientes de trabalho e que na maioria das vezes permanecem em silêncio em razão do medo da exposição, do declínio profissional e até do desemprego.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão2 e parceria com o Locomotiva ainda há violências cotidianas no trabalho que não são reconhecidas: 36% das trabalhadoras dizem já haver sofrido preconceito ou abuso por serem mulheres; 76% das mulheres afirmam ter passado por um ou mais episódios de violência e assédio no trabalho.
Num país onde há violência contra as mulheres batem recordes diários, aprovar uma lei que enfrente o assédio moral e sexual e a discriminação para determinada classe de profissionais, representa um enorme avanço e mais uma vez torna a OAB paradigama para as demais classes e para a sociedade.
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1 https://www.migalhas.com.br/quentes/358653/mulheres-sao-maioria-na-oab-mas-so-18-presidem-seccionais
2 https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/76-das-brasileiras-ja-sofreram-violencia-e-assedio-no-trabalho/