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Crônicas de uma farsa anunciada: ou sobre genocídio, criminalização dos direitos humanos e fomento ao populismo penal no Rio Grande do Norte

terça-feira, 18 de abril de 2023

Atualizado às 08:52

Em janeiro de 2017, após supostamente um conflito faccional, 27 (vinte e sete) sobreviventes do cárcere vieram a óbito, tal episódio ficou conhecido como Massacre de Alcaçuz, um morticínio em massa provocado em uma unidade prisional do Rio Grande do Norte.

Este episódio reverberou em uma missão de retorno do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura - MNPCT que entre outros pontos rememorou o fato de que no ano de 2015 - 60 (sessenta) sobreviventes do cárcere vieram a óbito na unidade de Alcaçuz e que em 2017, ano do massacre, estava mantido e agravada a situação de superlotação, a omissão deliberada do Estado, sobretudo na garantia ao direito à vida e demais direitos das pessoas presas, além da prática de tortura, de transferências irregulares, mortes e desaparecimento forçado de presos.

Cabe rememorar que da inspeção e das recomendações feitas no ano de 2017 pelo MNPCT apenas 1 (uma) foi cumprida de 73 propostas, e desde aquele momento questões como visita e fornecimento de água apenas três vezes ao dia durante 30 (trinta) minutos já estavam patentes.

No entanto, o que se percebe é o não atendimento da plataforma de direitos humanos seja em 2015, 2017 ou este ano, e em contrapartida o fomento de uma plataforma que criminaliza a luta pela afirmação histórica dos direitos mínimos das pessoas privadas de liberdade e tem por função a neutralização dos corpos negros e pobres que habitam o sistema carcerário potiguar.

Ocorre que recentemente um suposto grupo criminoso veio a público através de vídeo apresentar uma agenda, requerendo do Estado direitos mínimos para a sobrevivência no cárcere, dentre eles: visita íntima de 15 em 15 dias, 4 visitas por mês, banho de sol pelo menos de 2 em 2 dias, televisão nas celas, luz dentro das celas, combate a tortura, aumento de horário de visitas para 4h e vedação de superlotação nas celas.

Estes pleitos possivelmente motivaram mais de 300 ataques promovidos pelo crime organizado no estado do Rio Grande do Norte, contudo a pergunta que insiste em ecoar pelos ouvidos dos que ainda pulsam humanidade é: mas será que estes pleitos já não deveriam ter sido atendidos desde 2014, evitando-se mortes e sofrimento?

A pergunta subjacente seria: insistir em mais securitização e neutralização destes sujeitos racializados, não promovendo condições dignas para a vida humana, violando diversos preceitos e garantias fundamentais, precipuamente a Lei de Execução Penal - LEP e as Regras de Mandela, está funcionando? Se sim, para quê? E para quem?

Se a função da execução penal, conforme prevê o art. 1º da LEP é a integração harmônica social do recluso, qual seria a função da execução penal potiguar?

Estas perguntas ensurdecedoras demonstram um completo fracasso, ou sucesso nos termos foucaultianos de eficácia invertida do sistema penal, pois se a única solução apontada para o Massacre de 2017 foi indiciar 74 presos por homicídios, mantendo e consequentemente aumentando a população carcerária, este ano a solução apresentada pelo governo federal foi a entrega de mais fuzis, pistolas, coletes, drones, viaturas e R$ 135 milhões para a compra de mais viaturas e armamento.

Vale destacar outros dados do relatório do MNPCT, que foi publicado este ano e possui presunção de veracidade. O documento informa que em Alcaçuz de 1.846 custodiados - 83% são negros e 64% possui ensino fundamental incompleto, que em todas as celas havia ao menos um recluso com marcas de tortura e que o fornecimento de água que antes era 3 (três) vezes ao dia durante 30 minutos, agora padece de apenas 3 (três) vezes ao dia durante 20 minutos.

Além disto desde o início dos ataques 150 prisões foram feitas, aumentando ainda mais a malha carcerária.

Almejando ir para além da paralisia de um estado de coisas, faz-se importante suscitar quais soluções poderiam de fato enfrentar os problemas estruturais e institucionais que o sistema carcerário do Rio Grande do Norte suporta.

Neste sentido se faz fundamental ter a implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura do estado do Rio Grande do Norte, proposta suscitada desde 2015 e que até o presente momento não teve implementação.

Outrossim, parafraseando Alessandro Baratta e Vera Malaguti, deve-se endossar mais a segurança dos direitos e menos direito à segurança, do contrário se está fomentando uma guerra do nós contra eles, que ao fim ao cabo se trata de criminalização da pobreza e dos corpos pretos, instante em que para este determinado grupo é preferível punir ainda que ilegalmente do que fomentar políticas públicas de promoção à saúde, ao trabalho e educação

Cabe mencionar que outras propostas foram apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim, contudo o epicentro do debate permanece: até quando a categoria facção criminosa, crime organizado, PCC e Sindicato do Crime podem servir pelo poder pública para construção de um estado de exceção que em nome do combate a estes espantalhos promove tortura, maus-tratos e morte?