Sob os escombros da crise existencial, eu insisto no debate entre essencialistas e desconstrutivistas sociais.
Parte significativa dos nossos atuais problemas sexuais se dá pela falta de democratização desse debate. Preocupou-se mais em fazer "conscientização de massa", para tornar as mulheres engrenagens de movimentos políticos, do que educá-las, de modo apropriado, sobre a complexidade das discussões sexuais e de gênero na história do feminismo (e fora dele).
Sem educação, não há autonomia. Existe uma acintosa desigualdade de educação de gênero entre as feministas de elite, as acadêmicas e as mulheres.
Esse é um problema grave, porque as meninas e mulheres da periferia do mundo estão seguindo tendências sexuais, a partir de informações fragmentadas em redes sociais, que as pressionam a "quebrar padrões de gênero", sem um estudo detalhado do impacto no bem-estar delas.
Por exemplo, a discussão gourmet da prostituição na mídia gira em torno de mulheres da classe-média alta, que resolveram fazer umas aventuras. Isso é uma caricatura de prostituição. Não explica a realidade das mulheres, que, em regra, estão nessa condição.
Gênero é uma questão sensível. Existem vários fatores que influenciam a ordem sexual: a cultura é um deles. O discurso feminista pode até não ter força para, por si só, modificar a ordem sexual, mas a propaganda tende a produzir algum impacto na tomada das decisões das mulheres, principalmente naquelas que estão mais vulneráveis.
As meninas e mulheres da periferia do mundo não possuem o conhecimento da complexidade das discussões de gênero no feminismo. Mulheres de elite estão tomando as decisões por elas. Há um incontestável déficit democrático entre o que essas feministas de elite decidem e as opiniões, desejos e potências das mulheres.
Então, é emergencial que se democratize o conhecimento que o feminismo acumulou, sem manipulações sombrias. As mulheres precisam conhecer a história das feministas apagadas da bibliografia. As mulheres possuem condições de tomar decisões educadas sobre o destino delas.
Aparentemente, o conhecimento que elas receberam foi oriundo de uma propaganda feminista, que tem um cunho forte anti-homem e anti-família. Um viés feminista mais preocupado em controlar homens do que educar mulheres.
Não adianta o feminismo ter teóricas interessantíssimas, se esse estudo não foi democratizado em direção às mulheres da periferia. Parece-me arriscado deixar esse tipo de educação nas mãos da Madonna, da Beyoncé e da Luísa Sonza.
A Nathalie Bressiani, professora de filosofia da Universidade Federal do ABC (UFABC), lembra de uma colocação interessante da Nancy Fraser, sobre igualdade e diferença entre homens e mulheres.
O "feminismo pela igualdade" (eu discordo dessa nomenclatura) seria o desconstrutivismo social. A história que todo mundo conhece. É a diferenciação dos gêneros que oprime a mulher, então é preciso quebrar os padrões e isso vai desaguar nas políticas de gênero da Judith Butler.
Porém, nos meados da década de 70, as feministas pelas diferenças confrontaram essa posição. Elas identificaram essa "busca pela igualdade", como fortalecimento do masculino. Elas foram no ponto-chave e, no decorrer da história, ganharam suporte de teóricos de peso, como Jacques Derrida e Camille Paglia.
As desconstrutivistas sociais diminuem o feminino. Elas partem de uma premissa de que as dinâmicas do masculino são fortaleza e as dinâmicas do feminino fraqueza. É como se esse feminismo fosse um culto solar, em que as suas adeptas buscam inspiração em arquétipos masculinos, como ideais de virtude.
Então, a Nancy Fraser deu razão, em parte, a essas mulheres, mas disse que elas caíram em um "essencialismo", esquecendo que essa ideia das diferenças de gênero se daria dentro de relações de dominação e de poder, que beneficiaria os homens. A questão se desenvolve até a década de 80, quando passa a ganhar força os problemas de interseccionalidade, ou seja, as diferenças entre as mulheres. Daí o debate sobre feminismo da igualdade e da diferença fica em segundo plano.
Quando morre a controvérsia sobre feminismo "da igualdade" (na verdade, do desconstrutivismo social) e da diferença, quem vence são as desconstrutivistas sociais. A interseccionalidade ganha contornos de representatividade, com potencial revolucionário reduzido. Ajuda a promover questões de diversidade, mas não é capaz de, por si só, substituir as discussões sexuais e de gênero, porque interseccionalidade é questão de alteridade, e não de identidade.
Esse processo de desconstrutivismo social se aprofunda, mas não colhe resultados animadores. A mulher fica mais infeliz, o critério de seleção de parceiros não muda, trabalhar também é "um saco", o homem não colabora, as mulheres não necessariamente optam por profissões tradicionalmente masculinas, etc.
Chegamos no momento em que a neurologia e a biologia passam a comprovar as diferenças de gênero, o que explica as dificuldades do desconstrutivismo social.
O medo de parte das mulheres é que essa discussão recaia em um determinismo biológico. Só que o determinismo biológico é indefensável. Ele está morto cientificamente, assim como o desconstrutivismo social.
O ser humano é um complexo de influências sociais e biológicas. Não há motivo para temer a biologia da mulher. As diferenças de gênero, sob a perspectiva da mulher, possuem virtudes poderosas. O essencialismo indica tendências, que não são determinantes.
É a partir dessa premissa que nasce o novo feminismo da diferença. Mais maduro e resistente. Sob os escombros da crise existencial, ele tem a tarefa de equilibrar as relações sexuais e de gênero, agora com respaldo científico e focando no bem-estar da mulher.
O novo feminismo da diferença é das mais pobres. Ele é materialista, científico e não é anti-homem. Tem potencial de reacender os aspectos revolucionários dos debates sexuais e de gênero.
Esta será, provavelmente, a quinta onda do feminismo.