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Students for Fair Admissions versus Harvard: A derrubada da ação afirmativa pela Suprema Corte

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Atualizado às 09:43

Introdução.

No último dia 29 de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos anunciou sua decisão em duas ações judiciais ajuizadas por um grupo de estudantes contra duas das mais tradicionais universidades daquele país. O resultado foi a derrubada dos programas de ação afirmativa, que foram considerados inconstitucionais pela maioria dos Justices. O entendimento de seis julgadores foi no sentido de que os programas de admissão de estudantes para o College da Universidade de Harvard e da Universidade da Carolina do Norte, ao considerar a raça dos candidatos como um dos fatores do processo seletivo, violava o direito à igualdade como previsto na 14ª emenda da Constituição dos Estados Unidos.

2. As Pistas na Sustentação Oral

A decisão não surpreendeu aqueles que acompanham a Suprema Corte dos Estados Unidos, eis que a sessão pública de sustentação oral do caso já tinha indicado que o placar do julgamento provavelmente seria desfavorável para as universidades e poderia eventualmente significar a derrubada da ação afirmativa nos Estados Unidos.

Por exemplo, o Presidente da Suprema Corte, Chief Justice John Roberts, questionou se o programa de admissão não seria muito estereotípico pelo fato de que um candidato poderia ser beneficiado como se trouxesse diversidade para o campus apenas por marcar que é afro-americano em uma caixinha no formulário de inscrição.

Da mesma maneira, o magistrado conservador Clarence Thomas - conhecido crítico da ação afirmativa mesmo sendo negro e tendo se beneficiado por esse programa para estudar direito na Universidade de Yale - deixou clara sua inclinação no julgamento ao dizer que tinha escutado a palavra 'diversidade' várias vezes, mas que não tinha ideia do que significava e pedia para o advogado da universidade definir o conceito.

O Justice Samuel Alito também insistiu que essas categorias raciais seriam tão amplas que não permitiriam uma análise clara de diversidade individual de estudantes que viessem de origens muito mais ricas e diversas do que os rótulos raciais colocados nas caixinhas dos formulários: 'afro-americano'; 'hispânico'; 'asiático-americana', etc.

Já Neil Gorsuch criticou abertamente a origem histórica dessa diferenciação racial, afirmando que a Universidade de Harvard teria começado a incluir o fator racial como parte do processo de admissão de estudantes na década de 1920, quando um Reitor antissemita estava insatisfeito com um suposto alto número de estudantes de origem judaica e queria estabelecer uma cota para limitar o número de judeus.

3. As Reações de Surpresa na Opinião Pública. 

Embora a decisão possa não ter surpreendido os especialistas que acompanham o cotidiano da Suprema Corte, contudo, causou enorme comoção na opinião pública. Todos os principais meios de comunicação repercutiram imediatamente o anúncio da decisão, entrevistando acadêmicos, políticos e estudantes sobre sua opinião sobre a derrubada dos programas de ação afirmativa.

Como o Estado da Califórnia já tinha proibido a ação afirmativa através de um referendo em 1998, a previsão inicial dos analistas é que os efeitos possam ser parecidos com o que se observou nas universidades californianas ao longo dos últimos 25 anos. Ocorreu uma redução de cerca de metade no número de estudantes de origem hispânica e afro-americana nas universidades californianas. Além disso, ocorreu um efeito cascata negativo, de modo que estudantes que até então estudariam na Universidade de Berkeley teriam que estudar na Universidade de Davis e os que estudariam em Davis teriam que estudar em Santa Barbara e assim por diante.

No cenário político, o Presidente da República, Joe Biden, fez um pronunciamento no mesmo dia em tom crítico à decisão da Suprema Corte, afirmando que ele discorda veementemente do teor da decisão, que a corte se afastou de décadas de precedentes judiciais e de enorme progresso social. Ele também fez um apelo para que as empresas continuem a estimular a diversidade no recrutamento de trabalhadores para sua força de trabalho e sugeriu que as universidades continuem a buscar meios de promover a diversidade no processo de admissão de seus estudantes.

Além do tuíte de Michelle Obama de que a decisão deixava seu coração partido por reduzir as oportunidades de tantas pessoas, o ex-Presidente da República, Barack Obama, também deixou sua mensagem: como qualquer política, ação afirmativa não era perfeita, mas possibilitou que gerações de estudantes como eu e Michelle demonstrássemos nosso valor.

4. O Resultado do Julgamento.

O grupo de estudantes Students for Fair Admissions ajuizou duas ações judiciais, de modo a que a questão pudesse ser decidida tanto diante de uma instituição de ensino superior privada como a Universidade de Harvard, quanto diante de uma instituição pública como a Universidade da Carolina do Norte. As duas ações foram reunidas, provocando a derrubada dos programas de ação afirmativa tanto no âmbito privado, quanto na rede de universidades públicas.

O resultado do julgamento variou minimamente porque a Justice Ketanji Brown Jackson, como membro do Conselho da Universidade de Harvard, se declarou impedida de decidir um caso ajuizado contra a universidade. Logo, os resultados finais dos dois casos foram diferentes. Na ação contra Harvard, a ação afirmativa foi derrubada por seis votos contra dois. Na ação contra a Universidade da Carolina do Norte, o placar do julgamento foi seis votos contra três.

A opinião da Suprema Corte foi redigida pelo seu Presidente, o Chief Justice John Roberts, sendo que aderiram ao seu voto os Justices Thomas, Alito, Gorsuch, Kavanaugh e Barrett. Além da opinião da corte, foram elaborados votos independentes em adesão à opinião da corte pelos magistrados Thomas, Gorsuch e Kavanaugh. A opinião elaborada pelo Justice Gorsuch teve a adesão do Justice Thomas.

Do lado de defesa dos programas de ação afirmativa, a Justice Sotomayor elaborou uma opinião divergente, que recebeu a adesão da Justice Kagan e da Justice Jackson (salvo no caso da Universidade de Harvard). Também a Justice Jackson produziu um voto de dissenso no caso da Universidade da Carolina do Norte, que recebeu a adesão da Justice Kagan e da Justice Sotomayor.

5. Considerações Finais.

O presente artigo se refere a uma decisão recente da Suprema Corte dos Estados Unidos, apresentando as pistas na sustentação oral de que os programas de ação afirmativa seriam derrubados e algumas impressões iniciais de especialistas e políticos nos meios de comunicação no dia em que a decisão se tornou pública. O resultado do julgamento também é apresentado de modo sucinto, até mesmo porque o texto foi escrito no dia seguinte ao anúncio da decisão. Futuras colunas poderão se dedicar mais a examinar detalhadamente os argumentos da corte para a derrubada da ação afirmativa e os votos divergentes em sentido contrário.