Formação contratual - Parte II: A proposta no sistema alemão
segunda-feira, 15 de maio de 2023
Atualizado às 07:27
I. Introdução
Na coluna passada, iniciei trilogia sobre formação contratual, mais especificamente sobre o primeiro passo desse processo, que é o da proposta ou oferta ao público. Na coluna passada falei sobre o sistema americano à luz do famoso caso Leonard v. Pepsico, em que um jovem exigiu da Pepsi que entregasse um avião militar oferecido em uma propaganda.
Seguindo a ordem da trilogia, na presente coluna, vamos tratar da proposta ou oferta ao público no sistema alemão.1
II. Fundamentos
De modo geral, o contrato se concretiza pela aceitação de uma proposta. Esta forma de contratação é regulamentada com mais detalhes nos §§ 145 e ss. do BGB. Ela é encontrada sobretudo em contratos simples do dia a dia ou em propostas de parceiros contratuais que já refletiram a respeito e que não têm de negociar.
Por outro lado, proposta e aceitação são quase indistinguíveis se uma das partes não tiver uma proposta pronta para a outra aceitar, mas ambas as partes negociam juntas e elaboram o texto do contrato ponto por ponto e depois expressam seu acordo através da assinatura. Essa forma de contratação geralmente é encontrada em contratos longos entre parceiros em igualdade de forças. O BGB refere-se a isso no § 154, par. 1, frase 1, e no § 155.
Um terceiro também pode redigir o contrato, que as partes apenas assinam sem ter que aderir à técnica de proposta e aceitação. Por exemplo, um contrato social redigido por um notário e aprovado pelos sócios.
Devido à sua autonomia privada, as partes podem, em princípio, decidir por si mesmas como realizar um acordo contratual.
III. A proposta
A proposta por si só nada mais é do que uma sugestão que a outra parte, por meio da aceitação dela, eleva a regramento acordado por ambas as partes. Não importa qual dos contratantes faz a proposta no caso individual, seja comprador ou vendedor, locatário ou locador, cliente ou empresário. A única exigência é que a declaração de uma das partes seja considerada como uma proposta de contrato e a da outra parte como uma aceitação oportuna, irrestrita e incondicional desta proposta.
Há dois requisitos para a proposta: a determinação do conteúdo e vontade de se vincular juridicamente.
1. Determinação do conteúdo.
Uma proposta deve conter os pontos essenciais do contrato, bem como todos os pontos sobre os quais o proponente deseja chegar a um acordo, de modo que a aceitação requer apenas um simples "sim" como consentimento. Qualquer "aceitação" com extensões, restrições ou outras alterações são, de acordo com o § 150 II do BGB, consideradas como recusa e, ao mesmo tempo, uma nova proposta. Durante as negociações contratuais, com cada mudança, uma nova proposta é apresentada.
Por exemplo, no caso de reserva de uma mesa em um restaurante (ao contrário de uma reserva de quarto de hotel), as partes essenciais do contrato (pratos, bebidas) mantêm-se normalmente em aberto, de modo que ainda não há proposta; mas, caso quem fez a reserva não cancele previamente e não compareça, pode surgir para o estabelecimento um crédito por culpa in contrahendo relativo à indenização do dano de confiança. Em um leilão online, os pontos essenciais são normalmente fixados, uma vez que o preço de compra corresponde ao valor do lance mais elevado. No caso de um contrato prestação de serviço e de empreitada sem acordo de preço, aplicam-se os §§ 612 par. 2, 632 par. 2 sobre remuneração tributável ou local habitual. Os parceiros contratuais também podem deixar a determinação do preço para um deles ou para um terceiro (§§ 315 e segs.).
2. Vontade de vinculação jurídica.
Uma proposta só existe se o proponente quiser estar juridicamente vinculado por meio da sua declaração sob a perspectiva do destinatário. Se o proponente se reserva o direito de decidir se aceita ou não a declaração da outra parte, a sua declaração não é uma proposta, mas apenas um convite à apresentação de uma proposta. A declaração da outra parte é então a proposta, que a pessoa que solicita a proposta pode aceitar.
Por exemplo, um anúncio num jornal ou catálogo, bem como o envio ou afixação de uma lista de preços, não costumam configurar uma oferta de venda, porque a capacidade do proponente é limitada (risco de pretensões indenizatórias) e ele quer se reservar o direito de escolher o parceiro contratual (verificação de solvência, etc.). Por esse motivo, mesmo quando os itens individuais são exibidos com informações de preço na vitrine de uma loja, geralmente não há oferta de venda, especialmente porque as peças de exposição costumam ser usadas para fins decorativos de alto custo.
Nas lojas de autoatendimento, a proposta também é apenas feita quando as mercadorias são apresentadas no caixa, porque, caso contrário, o cliente seria vinculado muito cedo e o vendedor não poderia mais verificar a liquidez ou impedir "compras de acumulação".
A instalação de uma máquina de venda automática também é um mero convite à apresentação de proposta, pelo que a inserção do dinheiro ainda não constitui um contrato (com potenciais pretensões indenizatórias no lugar da prestação).
A bomba de combustível, por outro lado, deve ser considerada uma oferta porque o cliente só paga depois e a gasolina (ao contrário de um produto numa loja self-service) já não pode ser devolvida (cf. § 948 do BGB); consequentemente, o cliente incorre em inadimplemento se sair das instalações da bomba de gasolina sem pagar (cf. § 286 II n. 4 do BGB).
Os anúncios na internet ("vitrines virtuais") não constituem, em princípio, uma oferta, entretanto, se for afirmado que o lance mais alto já será aceito, há uma oferta ou aceitação previamente declarada; tal oferta (o que é destinado ao licitante mais alto) pode, obviamente, estar sujeito a uma retirada justificada da oferta (por exemplo, no caso de o item oferecido ter sido roubado nesse meio tempo).
Não há mero convite à apresentação de propostas em casos de serviços de interesse geral. Isso inclui o fornecimento de eletricidade, gás ou água e o fornecimento de transporte público. A oferta destes serviços ao público em geral já é considerada como uma oferta para celebrar um contrato porque os prestadores estão sujeitos a uma obrigação de contratar. A reivindicação real e o uso da prestação oferecido constituem a aceitação por meio do uso, de acordo com o § 151 fr. 1 do BGB.
No caso de um leilão, o contrato, de acordo com o § 156 fr. 1 do BGB, só é formado quando o lance é aceito. A proposta é, portanto, feita pelo licitante, que o leiloeiro pode aceitar aceitando o lance. De acordo com a § 156 fr. 2 do BGB, o lance apresentado por um licitante expira se um lance mais alto for apresentado ou se o leilão for encerrado sem que um lance seja premiado.
IV. Conclusão
Na próxima e última coluna falarei sobre a proposta no Brasil. Diante dos casos focais das últimas colunas, algum destaque deve ser dado à figura da oferta ao público e ao art. 429.
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1 Essa coluna foi escrita com base em NEUNER, Jörg. Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts. 12. Aufl. München: Beck: 2020, § 37, p. 436 ss.