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Assédio nas metas e o dever de indenizar

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Atualizado às 10:59

Nossa coluna é um espaço dedicado à publicação de artigos sobre os mais variados temas do Direito, escritos exclusivamente por mulheres juristas. Além de contribuir com o ensino e aperfeiçoamento jurídico e disseminar informação para toda a sociedade, temos como objetivo promover uma nova concepção de Direito e de sociedade, na qual as mulheres juristas têm as mesmas oportunidades acadêmicas e de atuação profissional.

Introdução

A busca por alta produtividade e lucratividade faz parte da atividade empresarial, assim como a alta performance é um desafio enfrentado pela maioria dos trabalhadores, seja pela necessidade de permanecerem empregados, seja pelo desejo de ascensão profissional ou pela realização pessoal.

 A crescente competitividade no ambiente corporativo tem levado algumas empresas a adotarem estratégias de gestão que ultrapassam os limites da razoabilidade e do que é humanamente possível, impactando na saúde física e psíquica dos empregados e refletindo nos números de processos ajuizados nos Tribunais do Trabalho brasileiro, já que a pressão excessiva no ambiente de trabalho e a imposição de metas abusivas podem configurar assédio.

Este artigo tem como objetivo promover o trabalho decente, por meio das informações necessárias para demonstrar que o assédio nas metas pode ocorrer de forma sutil, quase imperceptível pelo empregado. 

O princípio da dignidade da pessoa humana como freio ao poder diretivo

O empregador tem o direito de gerir seu negócio, de zelar pela boa execução de suas atividades e de adotar estratégias de gestão que contribuam para a produtividade, lucratividade e sucesso dos seus negócios. Se, por um lado, o estabelecimento de metas faz parte do poder diretivo do empregador1, por outro, é direito do empregado ter um meio ambiente de trabalho seguro e saudável2.

O poder diretivo do empregador não é ilimitado; pelo contrário, encontra freios nos textos normativos vigentes, deveres anexos ao contrato de trabalho, bem como na obrigação de oferecer postos de trabalho decentes e de respeitar a dignidade da pessoa humana do trabalhador.

A dignidade da pessoa humana não é apenas um 'freio legal' entre o direito do empregador e o direito do empregado; implica na reparação quando ocorrer o abuso do direito por parte do empregador que causar dano ao empregado.

Mais do que isso, ela é a razão de ser do próprio Estado, que deve mantê-la e promovê-la por meio de políticas públicas e incentivos de políticas de natureza privada3, pois, surgiu como um ente parceiro na criação das condições para a realização humana, sendo esse o seu fim4.

Como ocorre o assédio nas metas condutas

O assédio nas metas pode ocorrer em situações como a imposição de metas intangíveis5, na qual são desconsideras as condições reais de trabalho e as capacidades individuais do empregado, além da sua exposição a situações constrangedoras e vexatórias para que as metas sejam alcançadas.

Pode ocorrer por meio de ameaças de dispensa, ainda que sutis, ou pela possibilidade de descontos na remuneração variável caso a meta não seja alcançada, além de cobranças excessivas, como "duelos entre gerentes" ou competições entre dois empregados com o objetivo de comparar o atingimento de metas.

Constitui assédio a exposição de rankings com identificação em cores da produtividade dos gerentes ou de outro cargo, na qual o empregado é exposto   a uma situação vexatória e humilhante.

Outros exemplos que configuram o assédio são a utilização de aplicativos de mensagens fora do expediente de trabalho, inviabilizando a desconexão e o descanso necessários, fazendo com que o empregado se sinta pressionado constantemente a "bater" as metas fixadas de forma abusiva.

Uma das dificuldades para o empregado perceber que está sendo assediado em relação às metas é que, muitas vezes, a empresa adota um tratamento abusivo indistintamente. Ou seja, todos os empregados da empresa ou de determinado setor ou departamento são tratados da mesma forma; não se tratando de algo pontual e direcionado exclusivamente a um empregado específico.

Alguns empregados têm dificuldade em perceber o assédio porque não são diretamente maltratados ou humilhados e acreditam que as cobranças são consideradas normais dentro da relação de emprego, nas quais são exigidas produtividade.

Conversas no tom de "se não bater a meta este mês, será dispensado", "se não bater a meta, terá que participar de reunião com o gerente regional para se explicar", "o empregado tem que estar no nível de manter o emprego" ou "o empregado deve dar o sangue para trabalhar aqui, porque está cheio de gente desempregada lá fora querendo entrar" evidenciam a pressão a que os trabalhadores estão submetidos.

Depreende-se que os exemplos acima consignados parecem terem se naturalizado em muitos ambientes de trabalho; porém, não deixam de impactar negativamente a saúde do trabalhador. Tanto é verdade que os empregados submetidos a metas intangíveis e cobradas com rigor excessivo são mais propensos a desenvolver doenças como ansiedade, depressão e burnout6.

O direito ao trabalho decente

O ordenamento jurídico brasileiro assegura a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado7 e garante aos trabalhadores a proteção à sua honra e dignidade8.

O Estado Democrático de Direito é fundado no valor social do trabalho9 e a ordem econômica é instituída com base na valorização do trabalho humano10, conforme os preceitos da justiça social.

A justiça social é o fim do direito, praticada com o propósito de promover a dignidade da pessoa humana do trabalhador e efetivar os direitos humanos sociais, devendo ser empreendida nas relações sociais em um universo democrático, no qual a pessoa humana seja o fim para atingir a satisfação de todos e não um meio para alcançar os interesses de alguns.

Contudo, a justiça social prescinde de uma democracia em sentido pleno11, que é indissociável da concepção de inclusão social, política e institucional, da qual todo cidadão é titular, independentemente de suas individualidades12.

O dever de indenizar o dano moral decorrente do assédio nas metas

Estipular metas intangíveis e cobrá-las com rigor excessivo, de forma vexatória, configura assédio, causando dano moral que deve ser integralmente indenizado13.

Carolina Tupinambá conceitua dano extrapatrimonial como 'toda moléstia a direitos personalíssimos ou a valores fundamentais do empregado, considerado em perspectiva ontológica e social'. Para a autora, o dano extrapatrimonial é o gênero do qual o dano moral é a espécie14.

De acordo com o texto normativo vigente, o assédio moral se configura como práticas reiteradas de humilhação, degradação e constrangimento a um empregado, de modo a afetar sua dignidade e integridade psíquica15.

Importante ressaltar que a Convenção 190 da OIT, ainda não ratificada pelo Brasil, não exige reiteração de tais práticas, por isso, melhor se coaduna com a efetividade do direito ao trabalho decente, inclusive porque protege os trabalhadores e empregados, independentemente dos tipos de contrato, alcançando pessoas em treinamento, estagiários, aprendizes, voluntários e candidatos a emprego16.

Sua ratificação representaria um grande avanço na promoção do trabalho decente, já que reconhece que a violência e o assédio no trabalho configuram violações ou abusos aos direitos humanos, constituindo uma ameaça à igualdade de oportunidades.

O art. 223-C da CLT menciona como bens juridicamente tutelados "a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física", que são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.

A Constituição da República garantiu a reparabilidade do dano ao dispor no art. 5º, inciso V, que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem", e no inciso X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

O Código Civil seguiu o texto constitucional, dispondo no art. 186 que "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Patrícia Maeda aponta a necessidade de perseverarmos na busca por uma organização salubre e com trabalhadores saudáveis, devendo a luta ser pela promoção de todos os direitos sociais como forma de prevenção do assédio moral, e não apenas pela monetarização. Esse fato não faz com que a reparação de danos deixe de ser um instrumento de promoção do direito ao trabalho decente, já que tem como uma de suas funções educar a sociedade a oferecer trabalho decente17.

Conclusão

O empregador enfrenta o desafio de oferecer postos de trabalho saudáveis, mesmo diante de ambientes corporativos cada vez mais competitivos.

O estabelecimento de metas é um meio de alcançar os resultados desejados e um direito do empregador; no entanto, há limites, não podendo ocorrer excessos nem abusos. Todavia, se ocorrerem excessos e abusos na cobrança de metas, configura-se o assédio moral, resultando em dano moral que deve ser integralmente reparado.



1 DANO MORAL. COBRANÇA DE METAS. ASSÉDIO MORAL NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. O empregador, no uso de seu poder diretivo, pode cobrar incrementos na quantidade ou qualidade do serviço, fixar metas e exigir resultados. A cobrança incisiva de metas, por si só, não pode ser tida como abusiva, ou exagerada. Só poderá ser assim enquadrada se dela decorrer alguma ofensa à dignidade do trabalhador. Destarte, por não comprovada a conduta ilícita da reclamada, não há falar em indenização por danos morais. (TRT-12 - ROT: 0000598-13.2022.5.12.0037, relator: JOSE ERNESTO MANZI, 3ª turma)

2 Constituição da República, arts. 7º, XXII, 225 e 200.

3 PINTO, Airton Pereira. Direito do Trabalho, Direitos Humanos Sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006, p. 88

4 Ob. Cit., p. 89.

5 DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. COBRANÇA EXCESSIVA DE METAS. ABUSO DO PODER DIRETIVO. CONFIGURAÇÃO. A cobrança de metas de produtividade, por si só, especialmente em setores competitivos, não se revela suficiente à caracterização do dano moral. Lado outro, o abuso do poder diretivo com o intuito de forçar o cumprimento de metas abusivas, de forma reiterada, justifica a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, em decorrência de assédio moral e pode caracterizar, inclusive, assédio moral organizacional. (TRT-3 - ROT: 00102143320195030145 MG 0010214-33.2019.5.03.0145, relator: Adriana Goulart de Sena Orsini, Data de Julgamento: 27/4/22, Primeira turma, Data de Publicação: 28/4/22).

6 ALVARENGA, Rubia Zanotelli. Trabalho decente direito e humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016, p. 70. 

7 Constituição da República, art. 1º, inciso III, da CR/88.

8 CLT, art. 7º.

9 Constituição da República, art. 1º, IV.

10 Constituição da República, art. 170, caput.

11 PINTO, Airton Pereira. Direito do Trabalho, direitos Humanos Sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006, p. 93.

12 PINTO, Airton Pereira. Direito do Trabalho, direitos Humanos Sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006, p. 93.

13 EMENTA DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Cabe indenização ao trabalhador por danos morais quando, em razão da execução da relação de subordinação existente no vínculo de emprego, o empregador, mediante abuso ou uso ilegal do seu poder diretivo, atinge bens subjetivos inerentes à pessoa do trabalhador. É o que ocorre no caso em análise, em que se constata cobrança abusiva e excessiva de metas, restando configurado o dano extrapatrimonial porquanto afetada a esfera moral da trabalhadora. A empresa é objetivamente responsável, por força do art. 932, III, do Código Civil, fazendo jus a autora à indenização. (TRT-4 - ROT: 00201921120225040821, relator: ANDRE REVERBEL FERNANDES, Data de Julgamento: 28/9/22, 4ª turma).

14 TUPINAMBÁ, Carolina. Danos Extrapatrimoniais Decorrentes das Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2018, p. 41. 

15 Jus Laboris TST. Disponível aqui. Acesso aos 10/2/25, às 18h.

16 Disponível aqui. Acesso aos 7/2/25, às 23h50. 

17 MAEDA Patrícia. A Era dos Zero Direitos: Trabalho Decente, Terceirização e Contrato Zero Hora. São Paulo: LTr, 2017, p. 53. 

18 ALVARENGA, Rubia Zanotelli. Trabalho decente direito e humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016.

19 DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais. Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e de Direito do Trabalho. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2017.

20 MAEDA Patrícia. A Era dos Zero Direitos: Trabalho Decente, Terceirização e Contrato Zero Hora. São Paulo: LTr, 2017. 

21 PINTO, Airton Pereira. Direito do Trabalho, direitos Humanos Sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006.

22 TUPINAMBÁ, Carolina. Danos Extrapatrimoniais Decorrentes das Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2018.