Os efeitos da "caça às bruxas" persistem na violência contra as mulheres no mercado de trabalho
sexta-feira, 3 de novembro de 2023
Atualizado às 07:40
Dia 31/10 é comemorado o Dia das "Bruxas" na Colômbia e no Brasil, como em muitos outros países do mundo, talvez lembrando os rituais pagãos da Irlanda de alguns séculos atrás, coincidindo com o solstício de outono. E isto levou-me a pensar na violência contra as Mulheres que foram objeto da "caça às bruxas" nos séculos XVI e XVII na Europa e porque tanta perseguição e violência foram desencadeadas contra elas. Para autoras como a professora Silvia Federeci, a origem desta "caça às bruxas" não é outra se não a emergência do mundo capitalista. "A caça às bruxas está na encruzilhada de uma série de processos sociais que abrirão caminho para o advento do mundo capitalista moderno." (Federici, 2018, p.28)
Ao punir a "bruxa" também foram punidos o ataque que fizeram à propriedade privada em defesa da propriedade comunitária, a insubordinação social, os desvios da norma sexual e o pensamento mágico que os estados não podiam controlar. Esta ofensiva "civilizadora" é feita para produzir uma nova forma de pensar, uma divisão sexual do trabalho "sobre a qual se apoiará a disciplina do trabalho capitalista" (Federici, 2018, p.56).
Mas, para Silvia Federeci, "a caça às bruxas" perdura até hoje, em múltiplos aspectos. Aqui será analisado dentro do mundo do trabalho, onde a violência estrutural contra as Mulheres é mais evidente. Em países como Colômbia e Brasil, se você olhar de perto essas estruturas permaneceram em detrimento das Mulheres, basta olhar para as Mulheres no mercado de trabalho.
No momento da sua incorporação no mundo do trabalho, apresentam uma elevada taxa de desemprego, como evidenciado pelas estatísticas; Na Colômbia a taxa de desemprego das Mulheres é de 11,7%, enquanto para os homens chega a 7,7% (DANE, 2023).
No Brasil a situação é semelhante, no primeiro trimestre de 2023, as Mulheres tinham uma taxa de desemprego de 10,8% enquanto os homens tinham um índice de 7,2% (IBGE, 2023). Mas, essas estruturas tornam-se ainda mais violentas e até excludentes do mercado de trabalho quando a mulher é negra, indígena ou mestiça, aumentando ainda mais a taxa de desemprego. Na Colômbia, o desemprego das Mulheres chega a 21,5%, enquanto para os homens afrodescendentes é de 10,7%, gerando uma lacuna de 10,8% (DANE, 2023).
E se olharmos os indicadores no Brasil, a situação é a mesma, o desemprego para quem se autodeclarou negro foi de 11,3% enquanto foi de 10,1% para quem se declarou pardo e de 6,8% para quem se declarou branco. (IBGE, 2023). Isso comprova a discriminação estrutural que tanto a Colômbia quanto o Brasil mantêm, que deve ser superada para uma inclusão social adequada (ONU, 2023).
Outro aspecto estrutural que as Mulheres enfrentam atualmente é a violência econômica gerada pela disparidade salarial entre homens e mulheres, que segundo a OIT representa a nível mundial, que as mulheres receberiam 20% menos salário que os homens até 2022. Disparidade salarial entre homens e Mulheres que se torna ainda mais visível, devido aos estudos da ganhadora do Prêmio Nobel de Economia (2023) a norte-americana Claudia Goldín, que estudou do ponto de vista histórico as razões pelas quais são geradas as disparidades salariais de gênero. Diante dessa lacuna, o Brasil é pioneiro do ponto de vista regulatório com a edição da Lei nº 1.085, de 3 de julho de 2023, que visa garantir a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens. Por sua vez, na Colômbia, a implementação regulatória a este respeito é lenta; só este ano foi criado o Ministério da Igualdade e Equidade (Lei 2.281 de 2023), estabelecendo dentro de suas funções a eliminação das barreiras econômicas que as Mulheres enfrentam.
Além do acima exposto, a "caça às bruxas" deixou como legado a divisão sexual do trabalho, que se perpetua até hoje. Com esta divisão sexual do trabalho, as Mulheres são colocadas em tarefas de cuidados não remuneradas, o que em muitos casos as impede de aceder a empregos formais. Embora seja verdade, este trabalho tem sido invisível para a sociedade, para os Estados; Sim, tiraram vantagem econômica deste trabalho, uma vez que o trabalho de cuidados representa para a América Latina e as Caraíbas cerca de 1/5 do Produto Interno Bruto, dinheiro que não foi pago em benefícios às Mulheres.
Da mesma forma, é necessário analisar a relação que a Mulher mantém com a terra; e podemos dizer que desde que o baldio foi desapropriado nos séculos XVI e XVII, não foi possível adquiri-lo novamente. As mulheres rurais na América Latina e no Caribe representavam 20% da população até 2021 (PNUD,2023, p.8). Estas Mulheres não têm acesso à propriedade da terra ou perdem-na devido a condições violentas, à economia extrativa ou à produção agrícola de multinacionais. Além disso, são as Mulheres rurais que realizam mais trabalhos de cuidados e enfrentam maior pobreza. E serão estas Mulheres que serão afetadas pelas alterações climáticas.
E sim, o que a mulher decide é migrar, mudar de residência, seja de forma voluntária ou forçada. Como Mulher deslocada, migrante ou refugiada, as condições serão igualmente adversas. As mulheres representam 48,1% da população migrante em 2020. Mas são elas que ficarão mais vulneráveis ??no trânsito migratório, sendo vítimas de violência sexual ou de tráfico de pessoas. Somado a isso, nos locais de destino, geralmente realizam trabalhos precários de cuidado. Por outro lado, as Mulheres refugiadas e migrantes estão frequentemente ausentes das políticas concebidas para as proteger e ajudar, uma vez que as suas vozes não são ouvidas. (ONUMUJER, 2023)
Pensar a "caça às bruxas" no 31 de outubro de 2023, é pensar nas mulheres: pobres, negras, indígenas, mestiças, migrantes, jovens, mulheres idosas, todas as mulheres trabalhadoras, que continuam a ser perseguidas e violentadas em seus direitos e quem será muito difícil para elas ascenderem a um emprego digno.
Amigas, irmãs, comadres, continuamos aqui na luta.
Referências bibliográficas:
Federici, S (2018) Brujas, Caza de Brujas y Mujeres. Traficante de Sueños.
DANE (2023). Disponível aqui.
PNUD (2023) Las voces de las mujeres rurales en América Latina y el Caribe ante las crisis multidimensionales. Disponível aqui.
ONUMUJERES (2023) Mujeres refugiadas y migrantes. Disponível aqui.
ONUMUJERES (2023) Igualdad de Género. Disponível aqui.
ONU (2023) El racismo, un obstáculo para el desarrollo en América Latina. Disponível aqui.