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Mais desembargadoras nos tribunais*

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Atualizado às 13:09

Na penúltima sessão plenária da ministra Rosa Weber no Conselho Nacional de Justiça, realizada na terça-feira, 19, iniciou-se o debate do Ato Normativo n. 0005605-48.2023.2.00.0000, de relatoria da conselheira Salise Sanchotene, que propõe a implementação de ação afirmativa para o alcance da proporcionalidade de gênero nos Tribunais. A fim de promover equidade no acesso à segunda instância, o ato normativo trata de alterações no texto da resolução CNJ n. 106, que, desde o ano de 2010, regulamenta os critérios objetivos para a aferição do merecimento de magistrados e magistradas.

Para operacionalizar a ação afirmativa, a relatora sugere a elaboração de duas listas de antiguidade paralelas, uma mista, composta por juízes e juízas, e outra lista exclusiva de juízas, com aplicação alternada da lista mista e da lista exclusiva a cada abertura de vaga no segundo grau destinada à magistratura de carreira. E, como inerente a qualquer ação afirmativa, tal dinâmica deve ser aplicada em caráter temporário, até que a proporcionalidade de gênero seja verificada em cada tribunal, individualmente considerado.

Segundo o voto proferido, os poucos tribunais que já contam com proporcionalidade de gênero continuariam aplicando a regra da lista mista, composta por homens e mulheres, como sempre foi feito. A regra incidiria, apenas, às Cortes que, após a apuração do gênero de todos os desembargadores e desembargadoras, ostentassem percentual dissonante do índice de 40 a 60% por gênero.

O critério proposto considera os números apurados.

De acordo com os dados divulgados pelo CNJ, 38% dos membros do Poder Judiciário são mulheres, porém, no 2º grau, elas correspondem a apenas 25%, e, nos Tribunais Superiores, 18% (CNJ, 2023). Alguns tribunais, mesmo com quantitativo expressivo de juízas, não refletem a presença de desembargadoras na segunda instância. E é exatamente essa barreira, comprovada por meio de dados, que se pretende transpor.

A resolução do CNJ  255/2018, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, completou cinco anos recentemente, transcorridos com amplos estudos e debates, além de aperfeiçoamentos pontuais em normas que tangenciam o tema. Como exemplos, podem ser citados: o diagnóstico da participação feminina no Poder Judiciário (CNJ, 2019); a obrigatoriedade de flexão de gênero para nomear profissão ou demais designações na comunicação social e institucional (resolução 376/2021); o repositório de mulheres juristas (resolução CNJ 418/2021); as condições especiais de trabalho para magistradas e servidoras gestantes e lactantes (Resolução 481/2022); a paridade de gênero em bancas de concurso para magistratura (resolução 496/2023); e os importantíssimos seminários, realizados nos anos de 2022 e 2023, para debater, cientificamente, o aperfeiçoamento da resolução 255/2018.

Durante a realização do II encontro de Mulheres na Justiça, em 30 de agosto do corrente ano, a ministra Rosa Weber pontuou a necessidade de a equidade ser debatida, especialmente as formas de superação de estruturas que rechaçam ou dificultam a presença de mulheres nos ambientes decisórios. Na mesma linha, a ministra Cármen Lúcia - que assina a resolução 255/2018 -, reforçou a necessidade de atualização da norma para que ação afirmativa avance ao patamar de ação transformativa. 

A necessidade de mais juízas, mais desembargadoras, mais ministras, mais conselheiras do CNJ, e mais mulheres nos espaços de poder em geral já foi devidamente prevista na resolução 255, no ano de 2018. É chegada a hora de a norma avançar com mecanismos concretos para efetivamente transformar a realidade do Poder Judiciário, de modo a afastar os tímidos percentuais identificados na segunda instância, por meio da ascensão de mais juízas aos tribunais. 

O julgamento, que retoma hoje, é de inegável caráter histórico. Independentemente do resultado, as luzes lançadas sobre o tema não podem ser apagadas.

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*Artigo escrito para publicação antes da finalização do julgamento. Na manhã de 26/9/2023, o CNJ concluiu definitivamente a votação do Ato Normativo. Após apresentação de voto-vista pelo Conselheiro Richard Pae Kim, a relatora aderiu, em parte, às propostas apresentadas, no que foi acompanhada pelos demais Conselheiros presentes. Proclamou-se o resultado do julgamento com aplicação da regra da proporcionalidade de gênero no acesso à segunda instância apenas para o critério merecimento, excluída a antiguidade.