A resolução 591/24 do CNJ: Uma crítica à desumanização do direito de defesa e ao enfraquecimento da advocacia
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Atualizado às 15:21
Enfraquecer o direito de defesa e as prerrogativas da Advocacia é abrir uma fissura na própria estrutura da sociedade, pois onde o Advogado perde sua voz, a Justiça silencia, e com ela, os direitos de todos nós.
A resolução do CNJ e o futuro da advocacia: Um chamado à defesa do contraditório e da Justiça Humana
A recente resolução do CNJ, ao regulamentar o julgamento eletrônico e ampliar o uso de sessões virtuais assíncronas, apresenta-se como um avanço técnico inegável, mas carrega em suas entrelinhas o potencial de desfigurar a essência do direito de defesa e, consequentemente, o próprio papel da Advocacia no sistema de Justiça. Sob o pretexto de modernizar e agilizar o trâmite processual, essa norma desconsidera princípios fundamentais que sustentam a Justiça como instituição humanizadora e democrática.
A Advocacia não é apenas um elo funcional entre as partes e o Judiciário. É a voz que articula os anseios de quem busca a Justiça, construindo pontes entre o Direito e a realidade. A sustentação oral, em especial, transcende a formalidade processual. Trata-se de um espaço de diálogo, de exposição viva e direta de argumentos, em que o advogado, por meio da palavra, traduz sentimentos, explica complexidades e, sobretudo, sensibiliza os julgadores para além do texto frio das petições.
A Resolução, ao privilegiar julgamentos assíncronos e a substituição das sustentações orais em tempo real por gravações, coloca em risco a essência desse diálogo. A interatividade que caracteriza a sessão presencial ou síncrona - onde advogados e magistrados podem interagir, esclarecer dúvidas e ajustar estratégias conforme as reações percebidas - é suprimida em prol de uma eficiência que, em muitos casos, desumaniza o processo. O julgamento eletrônico, da forma como foi concebido, parece tratar a Justiça como uma engrenagem mecânica, onde a eficiência supera a busca pelo entendimento pleno e pela equidade.
Nesse contexto, as palavras do presidente eleito da OAB/SP, Leonardo Sica, trazem um alerta contundente. Em vídeo divulgado nas redes sociais, ele criticou duramente o novo modelo:
"A sustentação oral gravada é um faz de conta, é um escárnio ao direito dos advogados, dos cidadãos e também um escárnio à administração da Justiça. Por isso, a OAB vai ao Congresso Nacional, que é o local correto de uma discussão democrática sobre as regras processuais de julgamento. Vamos ao Congresso Nacional para defender os julgamentos com uso de tecnologia, mas para defender que os advogados tenham voz presente em todo julgamento, especialmente julgamentos de segunda instância, onde muitas vezes são julgadas apelações, matérias de fato. Enquanto isso, a OAB de São Paulo exorta a Advocacia para não enviar a sustentação oral gravada, para não aceitar essa determinação abusiva do Conselho Nacional de Justiça, até porque nós e nenhum cidadão somos obrigados a fazer ou deixar de fazer algo dessa importância sem que esteja previsto em lei. Isso tem que estar previsto em lei e nós confiamos que o Congresso Nacional garantirá as prerrogativas dos advogados e advogadas poderem falar nos Tribunais. Enquanto isso, conte com todo o apoio da OAB para garantir o seu direito de voz no Tribunal."
A mensagem é clara: a sustentação oral gravada não pode substituir a presença do Advogado nos Tribunais, sob pena de se reduzir o papel da Advocacia a um elemento acessório no processo. Essa postura não apenas desvaloriza o advogado, mas desrespeita a própria cidadania, que encontra no contraditório e na ampla defesa os pilares de uma Justiça equitativa.
A Resolução do CNJ também enfrenta um problema de legitimidade. Como ressaltado por Sica, a regulamentação de regras processuais dessa magnitude não pode ser realizada por via administrativa, mas exige discussão democrática no Congresso Nacional. Ao atropelar o devido processo legislativo, a norma coloca em risco a segurança jurídica e viola o princípio de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
Portanto, a luta não é apenas pela preservação das prerrogativas da Advocacia, mas pela garantia de uma Justiça que continue sendo um espaço de diálogo e humanização. A modernização do Judiciário deve ser acolhida, mas não às custas da despersonalização do processo e do enfraquecimento dos direitos fundamentais. A OAB, como defensora da sociedade e da democracia, deve liderar essa resistência, afirmando que a voz do advogado é, antes de tudo, a voz da Justiça.
A partir das falas do Ministro Luís Roberto Barroso, em 2 de dezembro de 2024, durante o 18º Encontro do Poder Judiciário em Campo Grande (MS), é possível refletir sobre a necessidade de uma Justiça mais humana, mesmo em um cenário de transformação tecnológica acelerada. Ele destacou que a tecnologia, quando utilizada de forma responsável, tem o potencial de promover avanços extraordinários no Judiciário, mas também alertou para os riscos de desumanização que podem surgir.
Barroso afirmou que a inteligência artificial pode transformar radicalmente a vida humana, aprimorando decisões judiciais e eliminando barreiras. No entanto, enfatizou que os riscos associados ao uso indevido, como deep fakes e sistemas bélicos autônomos, precisam ser cuidadosamente regulamentados. Essa dualidade exige que a modernização tecnológica seja acompanhada por uma reflexão profunda sobre seu impacto na dignidade humana e nos direitos fundamentais.
Além disso, sua fala sobre "preservar a liberdade de expressão enquanto combatemos o caos informacional" reforça a ideia de que a Justiça não pode ser apenas eficiente; ela deve ser justa e acessível, conectada com as necessidades reais da sociedade. Isso inclui garantir que as vozes humanas, como a dos Advogados, continuem sendo ouvidas de maneira plena, respeitando o contraditório e a ampla defesa.
Barroso nos lembra que estamos em um momento histórico no qual "mentir é errado - de novo". Essa afirmação ecoa no sistema de Justiça, que precisa ser um pilar de verdade, ética e humanidade, especialmente em um mundo cada vez mais digital e impessoal. Por mais que as decisões judiciais se tornem tecnológicas, elas devem permanecer profundamente humanas para que a Justiça continue sendo mais do que uma máquina de aplicar leis - um espaço de equidade, diálogo e compreensão.
Quando a tecnologia silencia a voz da Advocacia , ela não moderniza o direito, mas fragiliza os pilares da democracia e da dignidade.
______