Marco Civil da Internet: Uma análise jurisprudencial sobre responsabilidades dos provedores
sexta-feira, 17 de novembro de 2023
Atualizado em 16 de novembro de 2023 13:28
Este texto analisa os pilares fundamentais da lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece as diretrizes para o uso da internet no Brasil. O foco é examinar decisões judiciais relevantes que interpretam essa legislação, enfatizando especialmente os deveres e responsabilidades dos provedores de serviços de internet. Avalia-se a atualidade do Marco Civil em relação à liberdade de expressão, ponderando seu papel na disseminação de informações falsas e sua conformidade com a dignidade da pessoa humana, um princípio central da Constituição Federal.1
Recentemente, a Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça lançou a edição mais recente da "Jurisprudência em Teses", que traz insights valiosos sobre o Marco Civil da Internet. Dois conceitos chave, em particular, se destacam neste contexto.
Teses Jurídicas Centrais
A primeira tese discute a responsabilidade civil dos provedores de aplicativos. Ela determina que os provedores são obrigados a remover conteúdos ofensivos que envolvam menores de idade assim que notificados, mesmo na ausência de uma ordem judicial. Essa obrigação decorre do princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, prevalecendo sobre as disposições do Marco Civil da Internet.
A segunda tese aborda o procedimento de remoção de conteúdo ofensivo, baseado numa notificação direta da vítima ao provedor, um processo conhecido como "notice and take down". Esta tese estabelece três critérios essenciais para a remoção: a imagem íntima deve ter sido compartilhada sem consentimento; as cenas, seja de nudez ou atos sexuais, devem ser de natureza privada; e deve haver uma violação clara da intimidade do indivíduo retratado.
Essas duas teses refletem a evolução do entendimento jurídico no Brasil sobre a responsabilidade dos provedores de serviços de Internet e reforçam a importância do Marco Civil da Internet como uma ferramenta fundamental na governança digital, proteção de direitos e na responsabilização de entidades digitais.
Provedores de Pesquisa e Eliminação de Conteúdo
1. Limites à Atuação dos Provedores de Pesquisa: Conforme julgados como REsp 1848036/SP e outros, não se pode obrigar provedores de pesquisa a eliminar resultados de buscas específicas, mesmo que apontem para conteúdo ilícito ou ofensivo. Isso inclui fotos ou textos específicos, independentemente do URL da página.
2. Exceções à Regra: Em casos como o citado no REsp 1582981/RJ, provedores podem ser obrigados a remover resultados incorretos ou inadequados, especialmente se não houver pertinência entre o conteúdo do resultado e o critério pesquisado.
Proteção de Menores e Conteúdo Ofensivo
3. Proteção Integral à Criança e ao Adolescente: Segundo o REsp 1783269/MG, provedores são civilmente responsáveis se, após notificação, não retirarem conteúdo ofensivo envolvendo menores, mesmo sem ordem judicial.
Direito ao Esquecimento
4. Inaplicabilidade do Direito ao Esquecimento: De acordo com decisões como AgInt no REsp 1774425/RJ, o direito ao esquecimento, que seria a restrição à divulgação de fatos ou dados com o passar do tempo, não é aplicável no Brasil.
5. Desindexação e Direito ao Esquecimento: A desindexação de conteúdos, conforme o REsp 1660168/RJ, não se confunde com o direito ao esquecimento. Ela não implica a exclusão dos resultados, mas sim a desvinculação de certos conteúdos dos provedores de busca.
Remoção de Conteúdo Ofensivo
6. Remoção de Conteúdo Íntimo: Conforme julgados como REsp 2025712/SP, a remoção de conteúdo íntimo não consensual exige que a imagem seja privada e viole a intimidade, iniciando-se a responsabilidade do provedor com a notificação da vítima.
7. Exposição Pornográfica Não Consentida: A exposição pornográfica sem consentimento, segundo o REsp 1735712/SP, não se limita apenas à nudez total ou a atos sexuais específicos, mas inclui qualquer conduta que possa danificar a personalidade da vítima.
8. Danos Morais em Casos de Exposição Não Consentida: Mesmo que o rosto da vítima não esteja claramente visível, isso não altera a configuração de danos morais, como indicado no mesmo REsp 1735712/SP.
9. Imagens Íntimas com Fins Comerciais: A responsabilidade do provedor pela retirada de conteúdo de imagem íntima com fim comercial inicia-se com uma ordem judicial, conforme os casos REsp 2025712/SP e REsp 1840848/SP.
Epílogo
"Vis a vis", o Marco Civil da Internet no Brasil impõe limites e responsabilidades significativos aos provedores de serviços de Internet, especialmente em relação à proteção de menores e ao tratamento de conteúdo ofensivo ou inadequado.
"Mutatis mutandis", as decisões judiciais analisadas destacam a complexidade e a sensibilidade desses temas no contexto digital, ressaltando a necessidade de equilibrar direitos individuais com a liberdade de expressão e informação.
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1 O Marco Civil da Internet e seus reflexos para a sociedade e a Indústria:
https://www.linkedin.com/pulse/o-marco-civil-da-internet-e-seus-reflexos-para-camargo?utm_source=share&utm_medium=member_android&utm_campaign=share_via
2. https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-digital/257992/o-marco-civil-da-internet-apos-3-anos--desafios-e-oportunidades
3 ORDEM E MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DEBATEM MARCO CIVIL DA INTERNET: https://www.oabsp.org.br/noticias/2010/04/29/6074