COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Direito Digit@l >
  4. Tempos sombrios no Direito Digital

Tempos sombrios no Direito Digital

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Atualizado às 07:59

Não é só na política que estamos vivenciando tempos obscuros. Neste mês tivemos duas péssimas notícias envolvendo tecnologia e Direito: a primeira diz respeito à chamada "CPI dos crimes cibernéticos" e a segunda refere-se ao posicionamento das operadoras em querer limitar o acesso à internet e violar o marco civil da internet.

Sobre a CPI. Ela foi criada em 17 de julho de 2015 para apurar crimes e regulamentar punições a serem atribuídas a autores de crimes praticados com o uso da tecnologia.

O requerente foi o deputado Sibá Machado (PT/AC) que fundamentou seu pedido esclarecendo que "a Polícia Federal realizou em 2014 a operação batizada de IB2K para desarticular uma quadrilha suspeita de desviar pela internet mais de R$ 2 milhões de correntistas de vários bancos, quadrilha esta que usava parte do dinheiro desviado para comprar armas e drogas". De fato, os crimes narrados são graves, mas, apesar da classificação dicotômica dos crimes digitais, sabe-se que haveria muito o que se fazer além de investigar o desvio de dinheiro mencionado. Há muito tempo já nos posicionamos no sentido de que, sem cooperação internacional, será sempre difícil a investigação tendo-se em vista que muito crimes são transnacionais (ao menos pelos provedores estarem em outros países).

Aliás, o erro da CPI tem início na sua própria nomenclatura. Duvidamos que saibam os nobres deputados o que é a cibernética. A expressão "crimes cibernéticos" é utilizada de forma equivocada porque a cibernética não é sinônimo de tecnologia ou de computadores, mas uma teoria de Norbert Weiner, já em desuso. Sobre esta crítica, sugerimos a leitura da obra "Crimes Digitais" (Saraiva, 2011) de Marcelo Crespo e também do texto "Crimes Digitais: do que estamos falando?". Mas, evidentemente, há outras críticas a se fazer.

Os trabalhos estão em fase final, tendo sido apresentado o relatório, havendo, no entanto, prazo até o próximo dia 26 para que sejam apresentadas contribuições à titulo de debates finais.

O relatório mostra-se um tanto alarmente e praticamente descreve a Internet como um local voltado para a prática de crimes, o que - evidentemente - não é verdade.

Aliás, é inacreditável como um assunto desta importância e desta temática não tenha sensibilizado a CPI para que convocasse criminalistas para participação. A OAB também não foi ouvida (apenas alguns membros de comissão).

Um ponto de comentário necessário é quanto a sugestão de que se crie lei que obrigue provedores de conteúdo retirarem publicações ou postagens que supostamente violem a honra de alguém mediante simples notificação da parte, isto é, a obrigação da retirada seria administrativa e não dependeria de ordem judicial. Isto faz com que a platarforma exerça juízo de valor sobre as publicações, podendo empobrecer o conteúdo disponível na Internet e ofender a liberdade de expressão (que não é absoluta e poderá sempre ser analisada pelo Judiciário).

Os equívocos da CPI e do relatório são tão expressivos que até mesmo o criador da Internet, Sir Tim Berners-Lee publicou carta com duras críticas, especialmente pelas propostas de alterações nas disposições do marco civil da internet.

Ainda sobre os delitos com caráter transnacional, a CPI simplesmente se limitou a reproduzir dispositivos do Código de Processo Penal que tratam da competência, sem considerar, no entanto, que muitos dos crimes são cometidos com utilização de provedores estrangeiros e sem representação no país. É impressionante que mesmo em face de casos recentes como os do Facebook e WhatsApp, a CPI não tenha se preocupado com isso, mas apenas com medidas paliativas, como mudar a lei para determinar que filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País responde solidariamente pelo fornecimento de dados requisitados judicialmente de empresas com atuação no país e cuja matriz esteja situada no exterior. Ou seja, a única preocupação da CPI foi com fornecimento de dados cadastrair de eventuais criminosos. Não se pensou em cooperação jurídica entre países... Lamentavelmente só se pensou em alterar a lei para que a Polícia Federal tenha atribuição para investigação de crimes transnacionais e interestaduais. Evidentemente isso não resolverá a questão acima mencionada.

Os erros crassos não param aí. Sob o argumento de que o que estimula a prática de crimes é a impunidade, sugeriram a vetusta, ineficiente e ineficaz medida de tornar hediondo o crime de pornografia infantil (no texto, equivocadamente tratados como "pedofilia"; sobre esta crítica, ver o artigo "O abuso sexual de menores e o equivocado uso do termo pedofilia").

Também se mencionou a necessidade da criação de tipo penal específico para a divulgação de fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima (pornografia da vingança). Mas essa medida não resolverá o problema, tendo-se em vista que as divulgações tem amplo poder de viralização e o efeito deletério já terá ocorrido, mesmo que o autor responda a processo. Além disso, a demora em identificar e reponsabilizar o autor é que acabam impedidndo a punição dos autores. A criação, pura e simples, de um tipo penal, com certeza abslouta, em nada mudará o contexto.

Repetiram a velha fórmula de vincular a ideia de que endurecer as penas de determinado crime resolve o problema da impunidade. Esqueceram apenas de todo o resto. A lei, por exemplo (lei 12.735/12), determina que os Estados organizem suas polícias para que tenham delegacias especializadas em investigações de crimes digitais. Não é preciso fazer pesquisa muito aprofundada para verificar que isso não ocorreu e, ainda, algumas das delegacias que são especializadas não têm pessoal nem equipamentos adequados.

Muitas outras medidas "mágicas" são propostas. Claro que não surtirão o efeito desejado. Lamentavelmente foram meses de trabalho com poucas medidas que podem ser consideradas razoáveis e que poderão surtir efeitos concretos em benefício da sociedade.

A outra notícia que mencionamos é a relativa ao consumo de dados decorente de navegação na Internet. O tema até foi tratado na CPI, no item 2.5.1, onde se registrou a preocupação da sociedade com as restrições ao uso da Internet. Para tanto até se mencionou a existência de projetos de lei que visam proibir as prestadoras de serviço móvel pessoal de interromper o acesso à Internet para o usuário que exceder a franquia de dados contratada. A deputada Mariana Carvalho, apresentou proposta de Fiscalização e Controle para que o Tribunal de Contas da União e a ANATEL unam forças para fiscalizar o controle da tarifação dos pacotes de dados da telefonia móvel.

Vamos entender o caso. Historicamente, os planos de internet banda larga no Brasil sempre adotaram um formato de cobrança em que o cliente paga uma mensalidade fixa para usar a internet à vontade em uma velocidade pré-determinada. Assim, o consumidor tem liberdade para navegar a vontade.

A ideia das provedoras de conexão é limitar esse uso, estabelecendo franquias de consumo de dados. Ou seja, querem limitar o quanto se pode usar a internet com os valores pagos pelos consumidores, de forma que ultrapassada a franquia a velocidade poderá ser reduzida ou até mesmo bloqueado o acesso. Seria o equivalente ao que já encontramos nos serviços de internet móvel, que é bastante limitado. Por isso as críticas. Isso ocorre por duas razões: as empresas não querem investir em infraestrutura para melhorar os serviços e, ainda, desejam lucros ainda maiores. O problema real é a péssima qualidade da internet brasileira somada à essa limitação.

Vejam que são tempos sombrios também no Direito Digital. Haverá alguma esperança de mlehora? Não enxergamos isso à curto/médio prazo, lamentavelmente.