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Presidencialismo e sistema eleitoral proporcional: Insistindo nos erros

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Atualizado em 20 de fevereiro de 2025 09:19

Em matéria de sistema político, o Brasil inverte a lógica. Podemos dizer que praticamos algo do tipo: "em time que está perdendo não se mexe".

O sistema político nacional está esgotado. A começar pelo sistema de governo.

Há sinais, mais do que claros, de que o chamado presidencialismo de coalizão é uma usina permanente de crises político-institucionais.

Eleger um presidente da República, cujo partido não conta com maioria parlamentar, em um sistema político no qual as grandes decisões dependem de deliberação legislativa, impede a boa governabilidade.

Os presidentes eleitos neste sistema acabam sentindo-se politicamente encurralados, obrigando-se a se submeter a regimes espúrios de coalizões políticas, na lógica do toma lá, dá cá.

Não é um fenômeno novo no Brasil. O que mudam são as técnicas de achaque político. Atualmente, uma das mais propaladas é a escandalosa distribuição de farta parcela do orçamento público na forma de emendas parlamentares de caráter individual, em total descompasso com os princípios constitucionais da administração pública.

Nem mesmo o STF, propalado por vários seguimentos como um tribunal dotado de poder extremo, malgrado tentativas legítimas de moralizar o emprego das emendas orçamentárias1, conseguiu lograr êxito em disciplinar, de maneira satisfatória, a prática.

E há muitas dúvidas se, de fato, conseguirá fazê-lo, tamanha é a sanha do Congresso Nacional por este tipo de prática, que eterniza dinastias políticas, abafando a livre competição eleitoral.

Do ponto de vista do sistema eleitoral, o cenário não é diferente. Senadores eleitos para longos mandatos de oito anos, com suplentes que são desconhecidos dos eleitores e que, na prática, não participam das campanhas eleitorais.

Deputados Federais eleitos por um arcaico sistema eleitoral proporcional, que afasta o eleitor dos candidatos, que torna a eleição caríssima e, como se não bastasse, impede o eleitor de ter controle de quem está, de fato, elegendo com seu voto.

Não erra quem afirma que em matéria de sistemas de governo e eleitoral estamos longe ? e muito ? do ideal. Não é à toa a generalizada desconfiança da população com a política e, consequentemente, com o próprio funcionamento da democracia.

Deve-se ter em mente que a confiança é o alicerce evidente e indispensável para a convivência em uma sociedade, pois permite a tomada de decisões e ações apesar das incertezas2.

O problema é que quando as lideranças políticas insistem na manutenção de um arranjo institucional equivocado, não há como se desenvolver um caminho pautado pela confiança legítima. E o resultado disto, todos nós conhecemos e bem.

O quadro se agrava quando a sociedade, de maneira geral, não é capaz de formar um juízo crítico sobre as reais causas dos problemas que insistem em nos assombrar.

A era das redes sociais, que na teoria poderia ampliar o horizonte do bom debate, parece ter surtido um efeito contrário. Os debates são cada vez mais rasos. Há uma espécie de predileção por se analisar as consequências, no lugar das causas.

Em um ambiente crítico, há uma tendência a se colocar pessoas ? portanto, individualidades ? no lugar da lógica de funcionamento dos sistemas.

Esquece-se, com isto, que bons sistemas incitam as pessoas a se comportarem corretamente, enquanto os maus geram o efeito contrário.

Nos últimos tempos, tem-se ouvido no país um debate sobre a possível adoção do sistema de governo semipresidencialista e do voto distrital misto, inspirado na Alemanha.

De fato, tramita na Câmara dos Deputado a PEC 2/253, que objetiva a implementação destas mudanças, a partir de 20304.

Recentemente, o presidente do STF, min. Luís Roberto Barroso, defendeu a adoção do voto distrital misto para eleições legislativas e o semipresidencialismo, como opções que podem trazer bons frutos para o país5.

Ao que tudo indica, a depender do juízo popular, as coisas devem ficar como estão.

Segundo pesquisa da AtlasIntel, 71% da população se opõe à substituição do atual sistema presidencialista pelo modelo semipresidencialista6.

Há, na crença popular, a ideia de que sistemas semipresidencialistas, semiparlamentaristas ou parlamentaristas puros seriam indesejáveis, pois ampliariam o poder do Congresso Nacional, permitindo-lhe assumir parte das funções do governo Federal.

Uma crença que insiste em se desfocar da realidade. É como se não percebesse que a ampliação de poder de cooptação do Executivo, pelo Legislativo, já é uma característica do atual modelo presidencialista, com o agravante das demais disfuncionalidades a ele inerentes.

Há diversas razões sociológicas que explicam a resistência da população às mudanças. No caso do sistema de governo, estou convencido de que a resistência se deve muito mais ao apego "mítico" à figura do presidente da República, do que a qualquer motivo funcional, de cunho racional.

Não creio que a grande maioria das pessoas que defende o presidencialismo conheça o sistema a fundo, em particular as suas deficiências. Parte-se, muito mais, da mítica do presidente como uma espécie de pai/mãe da nação. A figura do mito, salvador da pátria.

Da parte da classe política, não há qualquer tentativa sóbria de esclarecer a população sobre o funcionamento dos sistemas de governo. O motivo é manifesto. Se algo está beneficiando castas políticas, favorecendo a perpetuação no poder, por que mudar?

O problema é que a mítica do presidencialismo grudou na sociedade brasileira, de uma forma difícil de ser removida. Neste sentido, calha a observação de William Riker, quando analisa o sistema de coalizões políticas nos EUA.

Ao comentar o impacto das instituições no comportamento estratégico, enfatiza como as regras políticas e as tradições conformam as escolhas da sociedade ao longo dos tempos, fazendo com que as formas fundamentais permaneçam intocáveis7.

A interpretação da obra de Riker leva a crer que nem as pessoas, tampouco as instituições, conseguem escapar às influências que, para o resto da vida, vão exercer os rumos traçados nas origens. As formas fundamentais e as teorias permanecem, mesmo quando derrotadas no teste da realidade prática da vida.

É mais ou menos o que vem acontecendo com o apego ao presidencialismo no Brasil. Sabemos que não funciona e, ao mesmo tempo, não cogitamos mudanças.

Uma espécie de conformismo irracional.

Esta crença ultrapassada desconsidera que o Estado constitucional democrático prospera em condições que ele pode promover dentro de limites, mas não pode garantir. Uma dessas condições é a confiança8.

Não há como confiar em um sistema disfuncional, que perverte a lógica da racionalidade. Neste contexto, mudanças que o aprimorem são bem-vindas. Inclusive no marco do semipresidencialismo ou, melhor ainda, do parlamentarismo, mediante adoção de um sistema eleitoral distrital, puro ou misto.

Não se pode perder de vista que a Constituição é um produto da sociedade em que atua. Ao buscar moldar uma ordem social por meio de consensos básicos, ela reage às experiências históricas de injustiça, golpes de sorte ou de tradições inadequadas, tentando encontrar respostas para o futuro político em uma realidade contemporânea concreta9.

É nesta perspectiva que devemos analisar a causa dos nossos infortúnios.

Do contrário, estaremos fadados a seguir a máxima de que em time que não ganha, também não se mexe.



1 Disponível aqui.

KUBE, Hanno. Vertrauen im Verfassungsstaat. Archiv des Öffentlichen Rechts (AöR), Band 146. Tübingen: Mohr, 2021, p. 495.

3 Disponível aqui.

4 Disponível aqui.

Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

RIKER, William. The Theory of Political Coalitions. New Haven and London: Yale University, 1962, p. 9ss.

KUBE, Hanno. Vertrauen im Verfassungsstaat. Archiv des Öffentlichen Rechts (AöR), Band 146. Tübingen: Mohr, 2021, p. 518.

GÄRDITZ, Klaus F. Zukunftsverfassungsrecht. Archiv des Öffentlichen Rechts (AöR), Band 148. Tübingen: Mohr, 2023, p. 84s.