COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Dinâmica Constitucional >
  4. Pessoas politicamente expostas ou eleitores politicamente expostos?

Pessoas politicamente expostas ou eleitores politicamente expostos?

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Atualizado às 08:08

Oliver Wendell Holmes, um dos juízes mais célebres que passou pela Suprema Corte Norte-americana, afirmou: "quando os ignorantes são ensinados a duvidar, eles não sabem no que podem acreditar com segurança. E me parece que neste momento precisamos mais de educação no claro do que de investigação do obscuro".1

Enquanto a qualificação da representação política não for o foco do sistema eleitoral, não se avança.

A democracia é um regime de governo que parece estar sempre posta à prova.

A dura tarefa de zelar pela manutenção das instituições democráticas fica dificultada quando as próprias instituições deixam de cumprir satisfatoriamente o seu papel.

Na calada da noite do dia 14/06/2023, em votação relâmpago, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 2.720/2023, que criminaliza a recusa, por parte de instituições financeiras, de abertura ou manutenção de contas e concessão de crédito em favor de pessoas politicamente expostas, denominadas de PEPs.2

O PL será remetido ao Senado, para deliberação.

Um olhar atento sobre o projeto ajuda a compreender o senso de distanciamento da realidade por parte da classe política.

A versão aprovada pela Câmara prevê que detentores de altos cargos nos três poderes, parentes e até mesmo pessoas ligadas a estas autoridades, não podem ser discriminados por instituições financeiras pelo fato de responderem a processos ou investigações diversas.

A pena prevista será de reclusão de 2 a 4 anos e multa para quem negar, imotivadamente, a abertura de conta, sua manutenção ou a concessão de crédito.

O raio de proteção não poderia ter sido maior. A partir das PEPs são alcançadas as pessoas jurídicas das quais elas participam, os familiares até o segundo grau e os seus estreitos colaboradores.

Isto mesmo, colaborar estreitamente com uma pessoa politicamente exposta garante proteção extra contra discriminação.

Como a definição de PEPs é muito ampla, já que parte do Chefe de Estado e de Governo, passando por oficiais generais, políticos diversos, membros do Judiciário, Tribunal de Contas e do Ministério Público, diretores de entidades da administração indireta, até chegar nos vereadores, torna-se difícil fazer uma estimativa, mesmo que aproximada, do total de beneficiados.

Para a identificação das PEPs deverá ser consultado o Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP), disponível no Portal da Transparência3.

Ao ponto.

Toda discriminação tem que ser combatida. O fato de ser político ou detentor de alto cargo na República não significa que possa ser discriminado.

A questão é a contradição, que vem escancarada na exposição de motivos do PL aprovado pela Câmara.

Lá consta que a discriminação se apresenta como uma nefasta realidade que tem permeado as diversas esferas da sociedade, gerando prejuízos e inegáveis violações aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

Menciona, ainda, que o preconceito, que se origina de conclusões negativas e intolerâncias injustificáveis quanto a certo conjunto de indivíduos, tem potencial lesivo, pois viola direitos humanos.4

Abstratamente, difícil discordar.

A pergunta que fica é: por que a mesma Câmara dos Deputados, ora tão preocupada com o preconceito das PEPs, reluta em defender parcelas muito mais vulneráveis da sociedade?

Por que até hoje não tratou de aprovar um PL que criminaliza a homofobia e a homotransfobia?

Quantas medidas legislativas poderiam ser tomadas para combater, por exemplo, o racismo estrutural na sociedade, a discriminação contra mulheres, idosos, pessoas com deficiência ou os povos originários?

Ou quem sabe, por que não se aprova o fim de inúmeras regalias e supersalários, que por serem custeados pelos cofres públicos em benefício de quem já é mais favorecido, acabam por prejudicar - discriminar - quem é menos?

Sem prejuízo de tantos outros exemplos que poderiam ser trazidos, a verdade vem à tona.

O PL das PEPs nada mais é do que a expressão da velha tática de autoproteção. Uma blindagem, que escancara a fragilidade da República.

Ao se colocar políticos e detentores de altos cargos públicos, juntamente com as pessoas próximas que lhes cercam, em patamar de vulnerabilidade semelhante ao de parcelas sofridas da população, escancara-se não apenas a falta de razoabilidade, como também a de empatia social.

Mais um entre tantos privilégios que nos afastam da noção republicana, ofuscando o senso elementar de que o arbítrio desconhece e desafia o direito5.

O quadro se agrava quando se leva em conta a prática de reiteradas omissões legislativas de natureza afirmativa em favor de quem, de fato, é vulnerável.

Rui Barbosa, na célebre Oração aos Moços, pontuou: "vulgar é o ler, raro o refletir"6.

Não se torna, a golpes de legislação, vulnerável quem não é, exceto quando o tema é a autoproteção.

Quando se cria uma pseudofragilidade das PEPs abrem-se espaços para se relativizar quaisquer situações.

O recurso excessivo para o que venha a ser preconceito encurta o caminho para a banalização e, consequentemente, para um déficit de proteção.

Dito de outro modo: ao se focar no que não é, não se enxerga o que é.

Enquanto o Brasil não adotar um sistema eleitoral distrital, que aproxime, efetivamente, o eleitor do eleito, com a possibilidade de recall, nas hipóteses de distanciamento de compromissos éticos mínimos, dificilmente nos livraremos destas e de outras tantas blindagens.

Até lá, bem que se poderia criar a figura do eleitor politicamente exposto - EPEs.

Seria, ao menos, um consolo.

__________

1 HOMES, Oliver Wendell Jr. The Essential Holmes. Selections from the Letters, Speeches, Judicial Opinions, and Other Writings of Oliver Wendell Holmes, Jr. Chicago and London: University of Chicago Press, 1996, p. 146. "When the ignorant are taught to doubt they do not know what they safely may believe. And it seems to me that at this time we need education in the obvious more than investigation of the obscure".

2 Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

5 CIRNE Lima, Ruy. Princípios de Direito Administrativo. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 111.

6  Disponível aqui.