Eleições e poder econômico
sexta-feira, 10 de dezembro de 2021
Atualizado em 9 de dezembro de 2021 15:10
Um dos principais desafios à democracia é manter condições efetivas para a alternância no poder, de modo a não perpetuar o monopólio do poder político por grupos hegemônicos.
Não é uma tarefa fácil, sobretudo no Brasil.
Fazer uma campanha política em um país de dimensões continentais representa um enorme desafio, tanto do ponto de vista logístico quanto econômico.
Contudo, é justamente no aspecto econômico que reside um dos maiores obstáculos à renovação do poder.
Por força de um sistema eleitoral equivocado, os custos das campanhas no Brasil chegam a patamares estratosféricos. Tome-se por exemplo a eleição para Deputados Federais e Estaduais no território nacional.
Organizadas pela lógica do sistema proporcional, todos os candidatos podem receber votos de todos os eleitores alistados nos seus respectivos Estados.
Consequentemente, o número de votos necessários para garantir a eleição de um parlamentar torna-se muito elevado, sobretudo nos Estados mais populosos.
Isso faz com que os candidatos tenham que investir em campanhas com alcance considerável, para chegar ao maior número possível de eleitores. Invariavelmente, esse tipo de campanha tem um alto custo.
Ainda que a tecnologia, em particular no âmbito de emprego das redes sociais, tenha aumentado as chances de candidatos com menor poder econômico, a lógica ainda não foi revertida.
Como regra geral, quem mais gasta na campanha eleitoral tem mais chances. E os políticos aprendem cedo essa lição.
Na prática, o poder econômico acaba ditando a lógica das eleições. Não é por menos que o Congresso Nacional não tem o menor receio em propor fatias gordas do orçamento público, apenas para o custeio das campanhas eleitorais, ainda que outras prioridades fiquem completamente desassistidas.1
Afinal de contas, a reeleição é sempre a prioridade e, sem dinheiro, ela fica um sonho distante.
A partir do momento em que o financiamento das campanhas passa a ditar as chances de sucesso, inibe-se o ingresso de novas lideranças no cenário político. Torna-se muito difícil competir com quem detém a chave do cofre.
Geralmente, os recursos do fundo eleitoral são dominados pelos "donos" dos partidos, que fazem de tudo para se perpetuar no poder.
A lógica do poder econômico se deixa explicar pelo considerável déficit de democracia intrapartidária que caracteriza a maioria dos partidos políticos brasileiros.
É o chamado caciquismo partidário, que faz com que as legendas sejam conduzidas ao bel prazer de um pequeno número de lideranças, que tratam os partidos como negócios, por vezes até familiares. E bons negócios, diga-se de passagem.
Enquanto a lógica do poder econômico ditar o funcionamento dos partidos e o próprio rumo das eleições, fica muito difícil chegar a uma democracia funcional.
A saída não está em simplesmente ampliar as fontes de financiamento público de forma mais equânime, para todos que pretendam se lançar na vida política.
Isso seria um erro, considerando a ampla lista de setores carentes de investimentos no Brasil, a começar pelos itens básicos necessários à obtenção do bem comum, como educação, saúde, segurança, programas habitacionais, saneamento etc.
Basta lembrar que quanto mais se gasta com campanhas políticas, menos recursos sobram para investimentos nesses setores vitais.
Portanto, a saída passa por conceber que a democracia é um valor supremo de um país, sem que isso implique acreditar que ela justifica investimentos irracionais, contrários à realidade econômica.
Dito de outro modo: é possível praticar uma democracia funcional sem que se invistam, necessariamente, bilhões de Reais em campanhas eleitorais.
A recente preocupação do TSE em definir um teto de gastos para as eleições gerais de 20222 é uma iniciativa importante, que merece ser louvada. Cabe ao Tribunal compreender as prioridades da população e não permitir que as campanhas sejam custeadas por valores absolutamente incompatíveis com as nossas carências estruturais.
Nessa direção, quanto menor for o teto de gastos disponível para as campanhas, seja por meio de financiamentos públicos ou privados, maiores serão as chances de um equilíbrio na disputa.
Isso seria tão mais eficiente quanto mais efetivos fossem os freios impostos aos atuais detentores de cargos públicos eletivos.
Convém sempre lembrar que o emprego de emendas parlamentares - em todas as suas variantes - constitui um meio apto a desequilibrar as chances na disputa eleitoral.3
Como competir com um candidato que, recorrendo às emendas parlamentares, injeta verbas no seu reduto eleitoral, faz uma ampla divulgação do seu mandato e viaja pelo seu Estado regularmente, tudo às custas do contribuinte?
Poderia se argumentar que ao estrangular o financiamento público das campanhas, abrir-se-iam as portas para as chamadas fontes ilícitas de financiamento, apelidadas de "caixa 2".
O argumento não seduz, pois a lógica da eleição no Brasil é derramar dinheiro nas campanhas, de modo que o apetite por verbas tende a ser maior que o respeito às regras vigentes, ao menos por parte considerável dos partidos.
Prova disso é que após o STF proibir o chamado financiamento empresarial, a reação do Congresso Nacional foi imediata: compensar aumentando o fundo eleitoral.
Somente uma fiscalização forte e rigorosa é capaz de controlar práticas ilícitas, dentre elas o caixa 2. Deixar na boa vontade dos partidos não parece ser recomendável.
Enquanto não logramos êxito em reformar as nossas instituições políticas, bem como as regras do sistema eleitoral, as eleições continuarão sendo reféns do poder econômico, com os resultados que já se conhecem em termos de qualidade da representação política.
Caminhos existem. O mais lógico e racional seria a adoção de um sistema eleitoral majoritário distrital para a eleição de deputados Federais e Estaduais, o que contribuiria, e muito, para reduzir o custo das campanhas.
Sendo a campanha feita apenas no distrito pelo qual a pessoa concorre, diminui-se consideravelmente a necessidade de grandes financiamentos, deixando a eleição de ser refém do poder econômico.
Isso abriria as portas para novos interessados em ingressar na vida política, que não enxergam nas atuais regras de dependência econômica das campanhas uma motivação minimamente viável.
O grande desafio está em convencer os que já detêm cargos públicos eletivos a aprovarem mudanças que não os favoreceriam.
Sem a devida compreensão dos problemas por parte do eleitorado, não se produz um sentimento de cidadania mínimo, apto a despertar uma pressão para o aprimoramento das regras vigentes.
A educação em torno dos problemas reais é o primeiro e grande passo as ser dado e ela passa pelo fortalecimento das nossas instituições.