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Governabilidade em risco

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Atualizado em 1 de outubro de 2018 15:19

O cenário que se avizinha terá fortes dificuldades para a governabilidade

Há poucos dias do final da campanha do primeiro turno das eleições (quase) gerais e nos defrontamos com um cenário dramático.

É certo que o principal ator da corrida eleitoral, Lula da Silva, está na prisão, mas impressiona o quanto soube projetar-se sobre o pleito, impondo seu candidato na hora certa e transferindo para o escolhido seu próprio prestígio junto ao eleitorado. Trata-se de sinal evidente do "vazio político", da crise de representatividade e do próprio desarranjo institucional brasileiro. Lula iria dar entrevista na cadeia com anuência do STF, vejam só!

De outro lado, os candidatos mais centristas (Alckmin, Meirelles, Marina e, até mesmo, Ciro) capengam pelas pesquisas de opinião, sem que se mostrem capazes de ampliar sua própria base. Teremos, com efeito, um segundo turno tenso. Se continuado o atual cenário das pesquisas, qualquer dos vencedores se verá confrontado com o fato de que terá dificuldades para governar. Tanto Fernando Haddad quanto o Capitão Jair Messias Bolsonaro não parecem ter as habilidades pessoais e partidárias necessárias para que volte a imperar o "presidencialismo de coalizão", modelo de alta fama e pouca eficiência. Os partidos que suportam as candidaturas de Haddad e Bolsonaro terão bancadas modestas frente ao todo, o PT um pouco mais, e o restante dependerá da turba política de Brasília que não quis fazer a reforma política necessária ao país em prol de seus imediatos interesses.

Esse é o quadro e não há muito que tergiversar ou especular. Claro que é possível a mudança repentina no cenário, mas devemos reconhecer que isso está mais para sonho (ou pesadelo). Bolsonaro versus Haddad é o cenário que se consolida enquanto que o mais a longo prazo, o que se vê para o Brasil é sombrio.

Considerado o que se avizinha haverá fortes dificuldades para a governabilidade e está claro que o ambiente para os negócios será nebuloso - difícil dizer por quanto tempo.

Qualquer composição política que reforce as condições de governabilidade dos candidatos encontrará barreiras significativas para fazer crer que a administração federal consiga legar melhores condições econômicas e sociais para os brasileiros. Note-se que a alteração que se projeta para o Executivo é larga. Se Bolsonaro for o presidente, estamos diante de um capitão reformado do Exército que prega o excessivo conservadorismo nos costumes, terceirizou a gestão econômica para um economista ultraliberal e que, se eleito, terá base política própria fincada em dois partidos irrelevantes.

De outro lado, Haddad feito presidente terá seu poder mitigado pela sombra de Lula e, sobretudo, pela velha guarda do PT, partido que ainda não se modernizou e que não fez o mea culpa face aos escândalos de corrupção nos quais esteve metido. Afora isso, o PT indica que adotará um programa político e econômico alinhado com o pensamento da velha esquerda dos anos 1950 e 1960.

Também é notável que ambos os extremos que aflorarão dessa desastrada campanha eleitoral, PT e Bolsonaro, estão projetando discursos políticos que podem se tornar incontroláveis. Em verdade flertam abertamente com o autoritarismo. Pregam contra a ordem constitucional, fazem o discurso do ódio mútuo e em relação à classe política, incitam a lógica da violência política e contestam liberdades civis, tais como, a liberdade da mídia ou, no caso de Bolsonaro, contra as minorias e no combate à criminalidade.

A agenda do país, recheada de necessidades sociais e econômicas tem uso fácil da parte de ambos os candidatos. Não é difícil propor soluções autoritárias quando se sabe que o ambiente é propício à escuta de discursos porquanto evidente é a profunda desigualdade social, a elevada criminalidade, a ausência de educação e saúde, a previdência social falida e assim vai.

Há, de outro lado, certa crença de que o centro político (o tal do "centrão") estará habilitado a moderar os apetites autoritários que estão à mostra na campanha de primeiro turno. Aqui há de se observar que o cenário mudou. Vejamos.

O funcionamento da "máquina" dos partidos de centro (especialmente, PP, MDB, PSDB e Democratas) no Congresso Nacional sempre teve por premissa a existência de estabilidade institucional, com os poderes engajados em certa direção comum. Ou seja, a "política formal" de Brasília deve funcionar para permitir que as operações de negociações possam ser construídas. Quando a sustentação política se torna mais "sólida' temos a "coalizão" normalmente formada com a entrega de poder e orçamento por parte do chefe do Executivo para os partidos. É como funciona até agora o nosso governo, pós-1988.

Ocorre que, atualmente, há evidente crise institucional, com os poderes funcionais ocupando espaços das outras frações do Poder Estatal, notadamente o Judiciário, bem como, existe enorme desarmonia entre eles no que tange à agenda do país. No Poder Legislativo impera a fragmentação partidária do ponto de vista ideológico e funcional pela qual os partidos se tornam "negócios particulares" com prevalência do velho patrimonialismo e nepotismo e, em muitos casos, a corrupção. Ou seja, um pacto político hoje tem elementos dissonantes com a necessidade de estabilidade congressual.

Há outro aspecto também relevante quanto ao apoio político. Como os dois candidatos mais prováveis de ir ao segundo turno fazem aberta pregação contra o establishment, a construção do apoio formal no Congresso se torna penoso, pois, uma vez conseguido, faz perder o apoio das ruas sedentas por ação contra a classe política.

Há mais. A agenda econômica e social requer decisões difíceis que contrariam interesses estabelecidos e/ou causem perda de popularidade. Tanto Haddad quanto Bolsonaro sustentam propostas que dependem de substanciais arranjos para serem implementadas. Ora, o cenário fragmentado no Congresso tornará esse conjunto de propostas bem mitigadas para cumprir os seus objetivos. É o caso da reforma da previdência social, da privatização de ativos e empresas, da manutenção da reforma laboral e do teto de gastos públicos. Seja para construir, seja para mudar ou destruir, o novo presidente terá dificuldades. Certo é que a finança pública não aguenta mais essas indefinições e a credibilidade perante os agentes econômicos é essencial. O resto é conversa mole.

Por tudo isso, caminhamos para um cenário de enorme incerteza no curto e longo prazo, elevada volatilidade e, muito possivelmente, questionamento das instituições.

Ops! Esqueci de mencionar... O vice de Bolsonaro é Hamilton Mourão, general que pregou o "auto-golpe com apoio das Forças Armadas", um homem que crê que o 13º salário é uma "jabuticaba" e que "a Constituição não precisa ser feita com eleitos pelo povo". Já a vice de Haddad, Manuela D'Ávila, é deputada comunista (PC do B), cujo partido é uma "organização política de vanguarda da classe operária e do povo trabalhador, apoiada na teoria revolucionária marxista-leninista - empenha-se em conjunto com outras organizações e lideranças políticas avançadas, pela vitória do empreendimento revolucionário".

Quem tiver pensando em impeachment é bom pensar bastante...