O erro do mercado
terça-feira, 15 de agosto de 2017
Atualizado em 14 de agosto de 2017 12:39
O cenário político e econômico está cada vez mais claro no curto prazo e bem mais obscuro no médio e longo prazo. De fato, a sobrevivência política de Michel Temer implicou na manutenção mais explícita do status quo da política nacional: a crise de representatividade se mantém intacta. Com efeito: a economia perde horizontes no largo prazo e a sociedade permanece sem fatores estabilizadores-criadores capazes de alavancar novas perspectivas. Ademais, os "homens de bem" não se dispõem a sair de seus casulos seguros para adentrar na cena política. Ao contrário, verificou-se evidente que as multidões que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff tinham tarefa limitada a esse objetivo. Já com relação a Temer, vê-se o povo ceder às artimanhas urdidas nas noites de inverno do Palácio do Jaburu.
No curto prazo, o impopular Michel Temer (95% de desaprovação) retornou a sua estratégia econômica tecnoempresariocrática, depois de se sustentar na Câmara dos Deputados. Apega-se o presidente à agenda da política econômica de contenção de déficits fiscais a qualquer custo, à política monetária mais tradicional frente à depressão que se registra (14 milhões de desempregados) e às reformas necessárias na previdência social e na área trabalhista. Dessa forma, no curto prazo, assegura-se que as variáveis econômicas não saiam do controle. O poder constituído e formal consegue reduzir as tensões em relação à estabilidade econômica permitindo que os agentes econômicos relaxem os músculos enquanto permanecem sem consumir mais e sem investir, afinal, o futuro é mais opaco que o normal. Aqui o cenário é de estagnação segura até os raios de um novo mandato presidencial. Será?
Nesse contexto estagnado, na margem o PIB se arrastará ao redor de um crescimento de 1,5%, a inflação permanecerá na meta, possivelmente acostada na sua margem inferior e o câmbio obedecerá, por enquanto, aos movimentos entre as três moedas mais importantes (euro, dólar norte-americano e iene). O enorme déficit fiscal brasileiro se deve mais (no curto prazo) à imensa fragilidade da atividade econômica que reduz os tributos aos níveis mínimos de pelo menos cinco anos. O governo estuda com esmero o aumento de alíquotas ou criação de tributos, os quais necessariamente deveriam recair sobre os mais ricos. Todavia, é essa a parcela social mais influente e sobre a qual está repousado a administração de Michel Temer: a briga aqui é perdida. Assim sendo, podemos imaginar que novos aumentos de tributos virão sobre de forma indireta, ou seja, sobre o consumo e não sobre a renda.
No longo prazo é que repousam as maiores dúvidas sobre a estabilidade econômica, política e social. A conformação de uma reforma política limitada que projeta um parlamentarismo capenga das vestes republicanas (em 2022?) é péssima notícia para o Brasil e, especialmente, para os agentes econômicos. Se, de um lado, a denominada "esquerda", liderada por Lula (e lateralmente protagonizada por Dilma), estilhaçou, em dois mandatos e meio, as categorias da moralidade pública e política, agora as forças do patrimonialismo-clientelismo cercam as regras da política partidária e eleitoral para manter mais do mesmo. Nesse contexto, as candidaturas de 2018 permanecerão subordinadas aos mesmos caciques e à mesma lógica como sempre foi. A adoção do voto distrital, seja puro ou misto, não retirará dos partidos políticos a face pouco democrática dos partidos políticos, os quais não passam de negócios particulares com políticas públicas.
A estabilização da lógica partidária e eleitoral em patamares tão rasteiros permitirá que o atual descompasso entre a política e o poder permaneça vivíssimo e imenso. Assim sendo, o próximo primeiro mandatário da Nação está submetido à clássica chantagem política que perverte a razoabilidade da execução de políticas econômicas que acelerariam o desenvolvimento do país. O interessante disso tudo é que, mesmo os "movimentos sociais", ainda marginais, que pretendem acelerar o desenvolvimento político do país, tais quais "o Partido Novo" ou o "Movimento Brasil Livre" ou o "Vem pra Rua", embaralham ainda mais o processo, pois têm projetos não-orgânicos em relação à política e à economia. Faltam-lhes propostas que sejam realmente capazes de convencer o corpo social de que os gaps entre (i) "desenvolvimento x desigualdade", (ii) "crescimento x sustentabilidade", (iii) "representação democrática x crise partidária" e (iv) "legalidade x igualdades jurídicas" possam ser preenchidos de forma politicamente e economicamente possível. Note-se que o Brasil é potencialmente rico e materialmente subdesenvolvido e essa constatação requer saídas políticas e econômicas que incorporem novos consumidores e investidores à "moda tradicional" do capitalismo. Para tanto, o arcabouço político tem de ser verdadeiramente democrático. Ao permitir o acesso ao processo econômico capitalista de largas parcelas da população que são alijadas no atual contexto é que se realizará a tarefa mais liberal que possa ser concebida para o Brasil. É desse processo que virá o aumento da produtividade que alavanca o desenvolvimento. Vale dizer que o fracasso da esquerda na política deveu-se exatamente ao fato de que não foi capaz de identificar nesse processo de afirmação capitalista a grande oportunidade de desenvolver o país. Ao contaminar o sistema político com a corrupção, Lula e Dilma acentuaram ainda mais as nossas mazelas patrimonialistas-clientelistas.
O que temos hoje é que se forma um estranho consenso perante a situação precária da economia e da política. A sociedade não vê saída política, não constrói soluções e não cria meios de resistência à desesperança social. Em verdade, a política partidária e às regras eleitorais estão a consolidar um padrão cujos fins acabam em si mesmos. Nesse contexto, o voto em 2018 poderá valer pouco. O mais curioso é que há sinais de evidente ineficiência nos mercados. Afinal, se o risco é tão elevado no longo prazo, por que tudo está tão calmo assim?