Temer precisa fugir do destino traçado pelo mercado
terça-feira, 6 de setembro de 2016
Atualizado às 08:41
Como já tivemos ocasião de afirmar nesse espaço, dificilmente a atividade econômica no Brasil ganhará maior tração sem que sejam adotadas medidas muito além daquelas que sejam as usuais na área monetária e/ou fiscal. A crise política foi causada pela completa incompetência do governo Dilma em gerir a área econômica. Com efeito: aqui cabe apenas a correção de rumo, de forma "tradicional", sem firulas ou originalidade. Nesse campo, o presidente recém-empossado Michel Temer recuperou em seu período de interinidade as condições básicas para executar a política econômica. Todavia, permanece como premissa geral que o governo terá de empreender, além do comum em matéria econômica, se quiser acelerar o crescimento do PIB além do intervalo de 1% a 2%.
Michel Temer promete agressividade na política de concessões de serviços públicos e nas parcerias com o setor privado na realização de investimentos. Trata-se evidentemente de boas iniciativas, mas não devemos esquecer que essas dependem de largo e profundo esforço institucional, dos marcos legais que embasam tais medidas até a realização das concorrências e início dos projetos. Logo, demorará tempo para que se registre maior crescimento da demanda fruto dessas iniciativas.
Em verdade, para além dessa (boa) iniciativa, o governo terá de se arriscar muito mais para engendrar "ondas de crescimento" por mais setores e segmentos econômicos. Assim, cabe mais engenhosidade para estimular o investimento e o consumo (via crédito). Somente a recuperação da demanda é capaz de dotar as pretendidas políticas reformistas que o governo Temer sinaliza.
Sem demanda, o capital se acovarda e o trabalhador conspira contra as iniciativas governamentais. Por mais que esse debate seja velho, a situação econômica do Brasil realçou os velhos dilemas vez que o desastre do governo Dilma Rousseff foi além do esperado. Regredimos e temos de agir em campos de batalha já percorridos.
Afora os arcaicos debates sobre a economia brasileira há outra dificuldade inerente a um governo que assume o poder nas condições que Temer assumiu. O questionamento de sua legitimidade expõe a necessidade de que a política econômica se acomode em limites ideológicos pré-determinados. Por essa lógica, a repulsa ou confirmação, tácita ou expressa, pelo governo das políticas anteriores implicará em inexoráveis alterações da base de apoio do governo. Por exemplo, se o governo reeditar a CPMF (o que tem sido mais estudado que se imagina), perderá apoio à esquerda e à direita, de forma imediata. Na reforma da previdência social sobrará tumulto e a racionalidade requerida pode ser esquecida nos tapetes verdes e azuis do Congresso Nacional, sobretudo no caso das emendas constitucionais que serão necessárias à reforma plena de benefícios e direitos. O escrutínio de um governo sem a legitimidade das urnas é muito mais acentuado que um governo eleito. De outro lado, somente o acerto da política econômica atrairá a legitimidade material tão ambicionada por Temer. O exemplo de Itamar Franco é referência nesse sentido: quisesse o mineiro praticar feitos ordinários, o destino de sua administração trombaria nas montanhas de Minas Gerais.
Não à toa que no mercado financeiro, parcela muito bem informada da opinião pública, estão formadas duas correntes muito nítidas: (i) uma que não acredita que o governo possa se fortalecer politicamente em suficiência para que possa arregimentar apoio à política econômica pretendida e necessária ao maior crescimento e outra (ii) que acredita que o governo pode obter apoio via adoção de políticas, digamos, "populistas" e, dessa forma, coloca risco à economia. Nesse traçado, o governo Temer será um típico "governo de transição", muito embora poucos possam elaborar o que isso significa efetivamente. O governo pode cair na armadilha ao acreditar que esses são os seus limites.
De minha parte não creio no fatalismo desse tipo de raciocínio. Na primeira hipótese há um pressuposto de que é possível manter a situação como está, com baixo crescimento, mas sob controle. Isso me parece muito incompatível com o que se visualiza no espectro político. As extremidades partidárias, de um lado e de outro, estão bem distantes e a radicalização está por acontecer, de forma crescente e inexorável. Ao PT e à envelhecida esquerda do Brasil a radicalização não apenas interessa, como é a única alternativa para ressuscitar o "partido da esperança", forjado há mais de 35 anos no ABC Paulista. Do lado da base do governo, sobra populismo, nepotismo, fragmentação ideológica e falta capacidade de organização de pessoas e ideias. Logo, com a eleição logo aí (2018), difícil acreditar que a base de sustentação do governo se comportará em linha com as necessidades do país. Todavia, o presidente não precisa se render a isso.
Michel Temer terá de sair das poltronas do Palácio do Planalto e buscar apoio social. Tem de pegar as reformas e planos na mão e ir conquistar o coração e a mente do povo e das elites. A tarefa é de sacerdote vez que a de tribuno e profeta estão mais distantes da configuração desse governo.
Política é percepção, capacidade de criar, propagar e tornar viável boas políticas. O fato cria a expectativa e isso exige ação. Michel tem pouco tempo, mas tem chance concreta de mudar o rumo que parece traçado pelos agentes econômicos. Se for capaz, pessoal e institucionalmente, o presidente pode chegar ao final de seu mandato em linha com as aspirações do país. Caso contrário, o seu destino pode variar muito. Tanto que nesse pedaço de tempo que resta de mandato ao ex-interino é difícil fazer prognósticos de como será o seu cadafalso.