Oásis econômico em meio ao deserto político
terça-feira, 31 de maio de 2016
Atualizado em 30 de maio de 2016 13:00
Não se pode falar que a (nova) administração da economia seja exatamente uma "surpresa" no (novo) governo. Como já comentado neste espaço, a gestão econômica combina explicitamente variáveis técnicas no campo fiscal com sinalizações (ainda implícitas) de estímulos à participação privada nos investimentos de infraestrutura e certos segmentos "privatizáveis", tais como, o setor elétrico, de gás e transportes. O anúncio do novo déficit primário (receitas menos despesas correntes do setor público, exceto as de juros da dívida) projetado para 2016 de R$ 170 bilhões será respeitado por dois motivos: (i) porque está dimensionado com "gorduras" suficientes para proteger quem estabeleceu a meta e (ii) porque o governo quer apresentar um resultado melhor que o projetado como fosse um "choque de otimismo" para os agentes econômicos.
Quanto à gestão da política monetária será interessante verificar se o novo presidente do Banco Central Ilan Goldfajn irá modificar a trajetória apertada de Alexandre Tombini no que se refere à taxa de juros básica. Em seus últimos reportes para os clientes do Banco Itaú, de cuja toca foi retirado, Goldfajn, estimava que o BC eventualmente poderia reduzir juros a partir do final do primeiro semestre desse ano. Sentado na cadeira de "cardeal" do mercado financeiro, talvez Ilan tenha de fazer combinação diversa com Henrique Meirelles. De concreto se sabe que o desemprego está rasgando a renda da classe trabalhadora e de renda média, enquanto os preços ainda acomodam os choques, cambial e de ajuste de tarifas públicas, executados no último ano e meio pela Presidente Dilma Rousseff. Nem se fale do rombo que as despesas de juros estão a provocar no orçamento desta Nação. Aqui a aposta não é simples: é razoável imaginar que os juros serão, doravante, declinantes, mas ainda sobram nimbos no horizonte mais largo (um a dois anos) o que retira a capacidade de se fazer estimativas sobre a velocidade de redução de juros, bem como o período na qual ocorreria. Há aqui, por razões óbvias, o andamento do cenário externo que, por ora, não atrapalha e também não ajuda. Nos EUA, em menor medida, e na Europa e Japão, de forma mais visível, vê-se o declínio consistente da produtividade (que é o motor do crescimento). A perspectiva de um globo estagnado (a tal da "estagnação secular") é concreta, muito embora de difícil avaliação ex ante.
Se o perfil tecnoempresariocrático do governo está consistente com aquilo que era esperado de Michel Temer e seu governo, na política combinam-se certezas de que temos uma crise estrutural e institucional que dissocia poder (que está nas mãos do povo) e política (no sentido da representação e exercício deste poder). Os partidos políticos são franquias de pouco conteúdo ideológico e programático que tomam conta do Poder Estatal para desse extrair benefícios nada republicanos. A corrupção não é apenas endêmica, só para citar uma fratura considerável no seio de nossos corpos partidários e de governo. Tornou-se, em verdade, disfuncional aos interesses sociais e econômicos. Não cabem maiores digressões sobre a profundidade dessa crise de nossa gênese política neste curto artigo, mas a verdade é que a conjuntura política desfralda o deserto civil da República.
Do ponto de vista instrumental, a política tem ameaças por todos os lados. As gravações do ex-senador e ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado (PMDB-CE) movimentam a capital Federal. Não propriamente em razão da natureza daquilo que os gravadores de Machado registraram, mas devido aos sinais que são emitidos para o governo e os personagens envolvidos. A turbulência das Casas Legislativas de Brasília não é bom adubo para as reformas e normas que Temer e seu staff econômico estão a semear no campo econômico. Digo mais: maior será o tumulto legislativo quanto maiores forem as grosseiras afrontas aos interesses estabelecidos da política antirrepublicana, seja partidária ou esteja acostada em outras parcelas do poder estatal, notadamente no Judiciário alto da nação. A ausência de calma é provocada por aqueles que estão em risco vez que é essa a "moeda de troca" imaginada por eles para escaparem do dedo investigador da Polícia Federal e a mão acusadora do Ministério Público. Os donos do capital, como se sabe, não apreciam as ameaças à visibilidade necessária aos negócios. É preciso acabar com as ondas tormentosas de mais de dois anos de recessão e desesperança. Em prol dos lucros.
É aqui que nasce o intento de fazer cessar os efeitos das denúncias de corrupção e malfeitos, notadamente a espetacular operação Lava Jato, mas não somente ela. O que não sabemos é o grau de associação do poder econômico com o poder político para acalmar a toada de denúncias que assolam Brasília. Também, o que se começa a ver com mais frequência nas conversas gravadas é que os implicados dizem gozar de acessos privilegiados às cortes superiores de Justiça, sobremaneira o STF. Seria isso verdade? Não está evidente, é claro, mas não há quem, no mundo político e econômico, pergunte se o papel estabilizador do STF, durante esta crise imensa, prosseguirá. Ou será a relação (se existente) de duvidosa cepa republicana entre corruptos ou suspeitos de corrupção e os togados de alta posição que determinará o abafamento das pretensões punitivas de outras esferas do Poder Judiciário? Resposta: ainda não sabemos.
O que sabemos é que há crescente distanciamento do que ocorre em Curitiba, nos gabinetes ao redor do juiz Sérgio Moro e o que se desenrola em Brasília. Não é algo tão nítido, mas se percebe nas redondezas da Praça dos Três Poderes que os aflitos que receberam do povo mandato parlamentar tem de evitar, com todo empenho, a perda do foro de competência originária no STF, aquilo que vulgarmente se denomina de foro privilegiado. Caso haja tropeço no Planalto Central, se pode cair naquilo que foi batizado nos corredores congressuais de "calabouço", as celas da PF e da Penitenciária de Pinhais. Lá, a delação é mais provável. Em Brasília, eventuais "acordos" seriam possíveis? Resposta: ainda não sabemos.
Economia e política são indissociáveis, sobretudo quando se está analisando a opacidade natural e factual do futuro. De todo o modo, é possível e, eu arriscaria afirmar, que existam, ao longo dos próximos meses, melhorias econômicas graduais e contínuas face à racionalidade que retornou à política econômica. Ademais, o painel de indicadores nos mostra a depressão econômica que se instalou num contexto de turbulências políticas emocionantes. O maior prejuízo que a política causa ao povo brasileiro é a incapacidade de se iniciar uma nova era que transporte o país da categoria de republiqueta latino-americana para a de um país que quer ser realmente melhor. A crise institucional prossegue nestes tempos sombrios. Admiti-la é o primeiro passo na direção certa.