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Entre o Congresso e o povo

terça-feira, 3 de maio de 2016

Atualizado às 08:49

A crise brasileira está em seu grau mais elevado. A recessão levará cerca de 9% do PIB brasileiro em dois anos; a situação fiscal se deteriorou por força da fragilidade da atividade econômica e o endividamento público subiu velozmente, fruto da taxa de juros campeão mundial que impera no Brasil, faça sol, faça chuva. Perdemos o grau de investimento, tão propagado ao longo de anos e laçado pela crise política em poucos meses - entre 12 e 24 meses na primeira administração da presidente Dilma Rousseff.

Doravante, os desafios da administração de Michel Temer serão grandes, mas a recuperação do atual e calamitoso patamar deve ser relativamente rápida. Depois da catástrofe da guerra política que se instalou no país parece razoável imaginar que as condições normais da economia brasileira sejam retomadas, mesmo que isso não signifique que o avanço será feito como decorrência, digamos, "natural" de reformas estruturais profundas. Estas dependerão da férrea vontade política do país e não somente dos novos ocupantes do Palácio do Planalto.

O grande ponto negativo de todo esse processo é que a crise institucional, tão negada pelos "formadores de opinião", ficará para segundo plano, amortecida pela posse de Michel Temer. A falência do sistema político brasileiro é evidente, mas o velório deve prosseguir sem que exista data para ser encerrado. O cadáver insepulto emite sinais de deterioração e o cheiro da corrupção, do nepotismo e do uso da máquina pública infestam o ambiente social e econômico. As "habilidades" do futuro presidente em exercício em lidar com os assuntos congressuais deverão ser exaltadas e a maioria que suportava Dilma Rousseff será docemente transferida para Michel Temer. Não há programas, não há ideologia, não há quadros verdadeiramente interessados na gestão da coisa pública. Há, isso sim, uma perigosa e estrutural dissociação entre o poder social e a política formal. Essa vala não será preenchida e deve persistir como principal nervo tensionado a perturbar a economia. A permanência de Dilma Rousseff, se fosse possível, engataria uma marcha ré ainda mais firme na economia, mas teria a virtude de mostrar as vísceras desse sistema que alguns teimam em chamar de "presidencialismo de coalizão".

A temperatura política entre o Planalto e o Congresso deverá ser amena tão logo Michel Temer cruze com Dilma Rousseff na rampa do palácio. Enquanto Rousseff realiza o delírio de parecer com Jango, Temer encarará o figurino do presidente sem voto, mas com credibilidade junto ao capital. É daí que nasce sua maior chance e ele sabe disso. Não à toa o programa econômico de Temer ("Uma ponte para o futuro") contempla ampla adoção de concessões públicas para o setor privado e parâmetros comportados para as âncoras fiscal e monetária. Henrique Meirelles, quem Dilma rejeitou sistematicamente, tem as credenciais de banqueiro e influente personagem no mundo dos negócios aqui e alhures. Entrará no governo de Temer como saiu do de Lula. Para ele os corredores são largos. Dessa forma, são grandes as chances para que se possa corrigir o "analfabetismo" econômico da presidente em seu primeiro mandato.

O dualismo entre as boas perspectivas econômicas e a face perigosa da política marcarão o governo "tecnoempresariocrático" de Temer. Entreatos, a operação Lava Jato permanecerá como o principal sintoma da deterioração política. Levada à cabo em toda à sua extensão, Moro e seus intocáveis destruirão os principais pilares da política partidária brasileira. É nessa constatação que reside a grande probabilidade de que o sistema se defenda e minore os efeitos engendrados em Curitiba. A história brasileira comprova que a saída autoritária, seja na aparência dos golpes explícitos como o de 1/4/1964 ou na cooptação de forças políticas como em 1932 e 1937, ou mesmo agora, é o meio clássico para que ""nada mude, mesmo que tudo pareça diferente". As especulações sopradas pela mídia, dando conta de uma "anistia" ou mesmo o retardamento proposital de processos no Legislativo (e.g. Eduardo Cunha) e Judiciário (e.g. Renan Calheiros, Romero Jucá) são os "balões de ensaio" da tentativa de implementar a saída autoritária e tradicional na história brasileira.

É difícil fazer prognósticos precisos nesta matéria vez que há variáveis aparentes e outras tantas obscuras. Todavia, o abafamento de processos que evidenciem a necessidade de novos paradigmas é tradição com forte comprovação sociológica e política no país.

Resta saber se a sociedade estará saciada em ver a presidente eleita ser substituída em meio ao espetáculo do impeachment, aceitando, assim, um novo panis et circenses ou reagirá a caminho de uma nova era.