Impeachment ou não impeachment. Essa não é a questão?
terça-feira, 12 de abril de 2016
Atualizado em 11 de abril de 2016 13:50
Há evidências claras de que teremos modificações relevantes na conjuntura nas próximas semanas. A abertura do processo de impeachment contra a presidente da República Dilma Rousseff aprovada ontem na comissão da Câmara dos Deputados que trata do assunto é apenas o começo de um curto e importante período. Resta ao governo sobreviver com os salvadores 1/3 dos votos dos deputados. Será um jogo no qual todos perderão. Vejamos.
Se a presidente Dilma Rousseff sobreviver ao turbilhão de ataques políticos que se intensificaram desde a sua posse em 1º/1/2015 e que culminaram com a aceitação pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha do pedido para abertura do processo de impeachment da presidente, um novo front com nova acusação deverá ser aberto contra a administração petista. Isso porque as forças políticas instaladas no Congresso Nacional querem derrubá-la (por razões suas) com o vasto apoio das ruas (por razões econômicas em função dos erros graves do governo). Nesse contexto, dificilmente a economia retomará o prumo. A recessão prosseguirá afetando a vida das famílias brasileiras, especialmente as mais pobres. Formalmente, Dilma Rousseff tem condições de sobreviver - trata-se de hipótese de probabilidade razoável a administração federal conseguir algo como 90 votos contra o impeachment, além da sua "base fixa" (90 deputados). Materialmente, a presidente está destroçada. Vale dizer que o jogo "formal" do impeachment é bastante duvidoso vez que os argumentos para o processo são frágeis e sujeitos a muitos questionamentos. O atentado à Constituição Federal deveria ser avaliado com mais acuidade, mas a política brasileira não tem verdadeiramente a Constituição como referência suprema. De todo o modo, do ponto de vista econômico, sob Dilma o caos não pode ser descartado vez que sua capacidade de montar um governo republicano parece diminuta. Isso é prova cabal de que há crise institucional instalada em plena República. Os poderes não funcionam adequadamente já que as decisões formais não são levadas a cabo. Aqueles que querem dar ares de normalidade às instituições o fazem por interesses subjacentes. Papo para a mídia. A crise é aberta, basta independente análise.
Num cenário em que Dilma cai, se instalará no país um governo de coalizão formado com todas as forças representadas no Congresso Nacional, exceto às que compõem o "núcleo duro" da atual gestão. Note-se que sob esta aliança, Temer deve se recuperar dos elevados níveis de desaprovação que seu nome provoca nos distintos eleitores, conforme o jornal Folha de S. Paulo anunciou em pesquisa de opinião pública (em 10/4/2016). Temer é tão impopular quanto Dilma. O teste de sonoplastia do vice-presidente ao ensaiar um discurso de estreia na cadeira de Dilma, pode agravar essa percepção junto à opinião pública. Há evidente dissociação entre a "política formal" representada pelos eleitos que frequentam Brasília e o "poder desejado pelas ruas". O eleitor brasileiro, elege, mas não se sente representado pelo eleito. Essa esquizofrenia se deve ao caótico e corrupto sistema partidário desta Terra. Os partidos são franquias, os políticos são negociantes e o povo não tem educação e organização política - fragmentos e lembranças do golpe de abril de 1964
A economia num eventual governo Temer deve ser conduzida na direção do capital que está acovardado pelos riscos políticos vigentes - o "discurso" de ontem já evidencia essa nova ordem. O sistema financeiro, as indústrias e o comércio, nessa ordem, devem se beneficiar das primeiras medidas da nova administração. Conforme já enunciei em outros artigos, acredito que a recuperação da economia, em termos meramente conjunturais, deve ser bem rápida, algo entre seis e dezoito meses dependendo da eficácia da gestão (José Serra,, Armínio Fraga, Henrique Meirelles ou Rabello de Castro). Não há razão para a recessão atual, senão o risco político que obscureceu todos os cenários. No que se refere às reformas estruturais estas não devem vir com Temer. A nova coalizão política não é reformista e um novo paradigma econômico calcada sob as velhas forças parece improvável. A República é velha e deve permanecer assim. Tudo deve ficar para 2018, mas com uma ressalva: se o sistema político não mudar, nada muda. Até Santa Marina Silva sabe disso.
A consequência mais interessante a ser observada vai ser a continuidade da operação Lava Jato. A mundialmente famosa operação só é popular perante o povo e parte das elites locais. Para a classe política e significativa parcela do empresariado não são poucas as restrições que existem ao juiz Moro e sua equipe de policiais e promotores. A corrupção no Brasil é generalizada e sempre foi parte integrante do processo econômico e da competição de mercado. O resto é diversionismo e política partidária. É preciso assumir esta realidade para que a situação realmente mude. Todavia, quem de fato quer mudanças quando o tal do sistema o beneficia? Difícil imaginar que a consciência das elites se altere estruturalmente, sem que as punições sejam efetivas e as mudanças legislativas, judiciárias e executivas de fato ocorram.
Agora observemos: se o governo vindouro for Michel Temer ou "Dilma de novo" as forças políticas por detrás de ambos são as mesmas, inclusos personagens como Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, Aécio Neves, Lula da Silva, José Sarney, etc., etc. Alguém sinceramente acredita que depois da votação do impeachment não se formará força política suficiente para tentar fazer a operação Lava Jato não produzir seus efeitos relevantes? Alguém realmente acredita em mudanças estruturais em contexto de que "nada muda"? Ganha uma passagem para o Panamá quem acertar essa.
Uma coisa posso crer: a história brasileira é repetição contínua de mudanças aparentes que escondem "pactos autoritários" contra a República. Não estou certo de que a história não se repetirá. Nem discuto se como tragédia ou farsa.
Há mais hipocrisia entre o impeachment e o não-impeachment que a nossa vã filosofia é capaz de especular.