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A gravidade do impeachment ou da renúncia

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Atualizado em 10 de agosto de 2015 13:52

A vida política no Brasil vai de mal a pior e as suas consequências no longo prazo tendem a ser agravadas pelo encaminhamento de "soluções" via a renúncia ou o impeachment da presidente da República. O comportamento da classe política e das elites econômicas e sociais do país podem jogar o Brasil na vala comum das republiquetas latino-americanas.

Não resta a menor sombra de dúvida de que a gestão da política econômica durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff foi responsável direta e única, sem exageros, pela atual crise que assola o país. A desobediência da presidente às identidades básicas de uma razoável administração da política fiscal, cambial, monetária e financeira engendrou o atual ajuste que leva o país a uma freada brusca da atividade econômica. Em verdade, doravante, é impossível se construir bases mais sólidas para o crescimento sem reformas profundas no Estado. Não é mais gerenciável uma economia na qual as despesas públicas crescem sistematicamente acima do PIB e a produtividade em queda retira o potencial de crescimento futuro. O Estado brasileiro perdeu a funcionalidade e a sociedade precisa saber disso. Os governantes dos três poderes precisam apresentar soluções verdadeiras e estruturais.

Esta crise fragilizou a presidente da República em termos de popularidade - a pior desde a redemocratização. Contudo, tem-se de admitir que a mudança de direção da política econômica foi correta, embora insuficiente para o saneamento da crise estrutural pela qual o país passa. Em meio a estas mudanças, as denúncias de corrupção se espalharam por todo o sistema político. Há generalizada suspeição recaindo sobre as mais importantes lideranças políticas do país. Todos os partidos, especialmente os que andaram de mãos dadas com os governos petistas desde a administração do ex-presidente Lula, estão padecendo de suspeição em função de suas práticas de corrupção, nepotismo e tantos malfeitos com a coisa pública. A história se repetiu exatamente no governo daqueles que pregavam a ética e a correção na gestão pública.

Este quadro que combina grave crise econômica com crise política, fruto da imoralidade, fez emergir uma crise institucional gravíssima. Os políticos, as elites econômicas e sociais e os analistas desta cena teimam em negar esta crise por razões que mais à frente comento. De todo o modo, vale dizer que não se pode falar em normalidade institucional quando o Executivo perdeu a capacidade de elaborar e implementar políticas, o Legislativo vota matérias que conspiram frontalmente contra a estabilidade da finança pública, a Federação dá sinais de que pode entrar num quadro de insolvência estrutural - o caso do Rio Grande do Sul é exemplo gritante disso - e o Judiciário vê-se confrontado com demandas cuja deliberação é urgente e, eventualmente, incompatível com a prática da Justiça com base no ordenamento jurídico do país.

De outro lado, as denúncias de corrupção, fizeram com que boa parte da classe política localizada no Congresso Nacional estabelecesse uma pauta conspiratória contra a administração da presidente da República. Há um evidente trabalho forjado para inviabilizar o governo, ou seja, criar uma crise de governabilidade. Vota-se a "toque de caixa" as contas de três administrações anteriores para viabilizar a rejeição das contas da atual presidente, estimula-se que se peça o impeachment da ocupante do Planalto, são criadas CPIs cujo objetivo não é investigar, mas criar obstáculos contra a administração pública e múltiplas votações são feitas para aumentar as despesas do Erário e obrigar a chefe do Executivo a vetar e aumentar, desta forma, a sua já baixa popularidade.

Toda esta pauta parlamentar nada tem de relacionado com a solução da crise econômica que vigora no país. Apenas visa criar um clima de falta de governabilidade que permita a sobrevivência de boa parte da classe política que está mergulhada em denúncias gravíssimas de corrupção e malfeitos.

O não reconhecimento da existência de uma crise institucional é vital neste processo, pois se faz necessário que haja aparência de normalidade institucional para legitimar a chama crescente de pressão para inviabilizar o governo. Só assim pode-se falar abertamente em renúncia da presidente da República ou em seu impeachment, pois tudo ocorrerá com plena normalidade legal e institucional. Ledo engano.

Ora, pressões políticas para que o governo mude o rumo de suas políticas devem ocorrer no jogo normal dos partidos e das instituições. Todavia, o que se vê, são os partidos inviabilizarem o governo sem nada propor à administração. Se houvesse mínimo enraizamento econômico e social das votações no Congresso, estas não poderiam ser no sentido oposto do que é necessário neste momento: cortar as despesas públicas, combater a inflação e reformar o Estado. Ou alguém sabe quais são as mudanças requeridas pelo PMDB, ou por Eduardo Cunha e Renan Calheiros na política econômica? É cristalino o objetivo de se alcançar o ápice da ingovernabilidade para forçar a saída da Presidente do poder. Não se pode aceitar isto, mesmo que se discorde frontalmente das políticas da presidente.

As consequências de se aceitar este processo como normal são gravíssimas. Não se pode apear o primeiro mandatário do Estado por estas razões. A chantagem ora instalada poderá se tornar um marco contra a República. A existência de crises, sejam econômicas ou políticas, ou a sua conjugação (como agora) será razão para que processos conspiratórios contra o mandatário de plantão seja banalmente instalados no seio da classe política, do Congresso e do Estado. É mais grave ainda quando se aceita este processo por razões distantes do verdadeiro interesse público. Dar selo de legalidade aos procedimentos de "profissionais da política" como Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos submetidos a suspeições graves do ponto de vista da ética pública, é marco perigoso para a História e para a República.

Estamos a comemorar a data do advogado. Não se pode nesta data majestosa para a Ordem Jurídica aceitar que as nossas preferências políticas, nossas inquietações em relação às políticas que ora vigoram, nosso voto nas eleições passadas ou, até mesmo, nossa raiva interior em função das traições éticas e eleitorais que o partido principal da atual aliança governista cometeu, aceitar que se desrespeite a Constituição e aos mandatos republicanos em vigor. O Brasil tem de enfrentar as suas mazelas de frente, sem escondê-las por detrás de soluções que conspirem contra a legitimidade constitucional. Mais: não se pode aceitar que se ponha em risco a governabilidade do país para atender aos anseios de uma classe política que não atende aos interesses públicos, mas que deseja criar um fato político para esconder seus próprios malfeitos.

Finalizo este artigo com a citação de Rui Barbosa:

"O Brasil não é "isso". É "isto". O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta assembleia. O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são os mercadores do parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falseadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros da tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguer. Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação de nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade"1.

Nada mais presente e necessário que as palavras deste representante-mor da advocacia brasileira.

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1Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XLVI, Tomo I, pp.69, Campanha Presidencial, Ministério da Educação e Cultura: Rio de Janeiro, 1919.