Estamos assistindo a "Batalha do Uber" no Brasil. Depois de desafiar os rigores dos piquetes de taxistas ao redor do mundo e a normatização do setor de transporte de táxi, estimado em cerca de US$ 11 bilhões (por Kandarp Mehta, professor do IESE Business em 04/05/15 no Valor), o Uber (cerca de US$ 42 bilhões de valor de mercado) enfrenta no Brasil os mesmos desafios encontrados em outros países.
O que chama a atenção neste caso é que a tal "modernização" e "inovação" são palavras mágicas que lançam ao futuro grandes expectativas sobre o aumento da produtividade e, eventualmente, da qualidade de vida, mas que quando se tem de incorrer em custos presentes, as forças-motrizes do presente (com raízes profundas no passado) se movimentam para impedir o processo modernizante. No caso específico do Uber, larga quantidade de taxistas vê-se injustiçada pela "deslealdade" do Uber vez que este não incorre nos custos das permissões municipais e não se submete aos rigores das normas setoriais. Com efeito, os sindicatos dos taxistas se movimentam para barrar a atividade inovadora em função dos seus interesses. Para isto, usam de vasto proselitismo junto à tal da opinião pública com argumentos relacionados com a segurança pública ("os táxis são mais seguros porquanto são regulamentados"), tarifas fixadas e certas (o Uber usa algoritmos que estimam oferta e demanda para variar as tarifas), a fiscalização governamental existente nos táxis e inexistentes no Uber, etc., etc.
Examinadas as "desvantagens" do Uber quase todas nada têm de verdadeiramente ruins para o distinto interesse público ou, alternativamente, que uma modesta e simples regulamentação não pudesse resolver como no caso da segurança dos passageiros, por exemplo. Além disso, os taxistas nada falam sobre as vantagens que extraem do setor público: redução de impostos para compra de seus carros, utilização de vias públicas não-acessíveis aos particulares (nas grandes cidades os "corredores de ônibus"), vagas nos pontos de táxis em vias públicas, o direito de pegar passageiros nas ruas, o acesso irrestrito aos aplicativos que otimizam os percursos e a coleta de passageiros, etc., etc.
Pesados os argumentos relativos ao que é, de fato, o interesse público, vê-se que estamos a tratar de interesses privados. No fundo, os taxistas veem os seus benefícios e a sua atividade ameaçada pelo entrante inovador, no caso o Uber. O Poder Público hesita em deixar as coisas seguirem o seu rumo ou, até mesmo, impor a regulamentação necessária, pois os caciques políticos estão umbilicalmente aliados aos interesses estabelecidos e ao suporte para a próxima eleição. Fecha-se, assim, o cerco do arcaico em relação ao moderno e o interesse público fica à margem da questão, mesmo porque a opinião pública no caso do Brasil é bem frágil e pouco se defende.
Bom, não estou aqui para advogar para o Uber. O que me chama a atenção neste tema é que este analogamente fornece os elementos para a observação do estado da Política no Brasil. Com uma diferença essencial. Nesta Terra, abaixo do Equador, não há Uber na Política.
O arcaico tomou conta do país e os interesses inconfessáveis dos agentes políticos dominam os cenários de curto, médio e longo prazos. O interesse público simplesmente está maquiado nas ações essenciais do Poder estabelecido e as medidas adotadas visam tão somente à manutenção do status quo que submete o país às mesmices que não deixam soprar os ventos da inovação, modernidade e felicidade geral. Aqui o passado é a melhor projeção do futuro e o presente é o exercício da tolice pública com a prática que alicerça e forja o benefício privado. A opinião pública acata tudo, sem a crítica da academia, sem lideranças novas e com a "velha opinião formada sobre tudo".
O elenco de personalidades públicas é sofrível. Não à toa, atores de categoria duvidosa que não seriam sequer coadjuvantes no processo histórico tomaram conta da cena e usam de sofrível repertório para levar o país a lugar nenhum.
A Presidente da República terceirizou a política para seu vice-presidente que, por sua vez, adula personagens como Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Sibá Machado, Carlos Luppi, etc., etc. A economia segue caminho próprio e, teoricamente, seguro na direção da estabilidade que mantem tudo mais constante. Daí, o país estabilizado terá chegado aonde sempre esteve: analfabeto, sem universidades respeitáveis, sem Judiciário eficaz e justo, sem saúde básica, sem logística, sem tecnologia, sem competitividade, sem igualdade de oportunidades, sem redução segura e efetiva da pobreza, sem segurança pública, sem moradia digna, sem mobilidade urbana, sem saneamento básico, sem educação, etc., etc. Sem felicidade, enfim.
A democracia brasileira já é plutocrática, dominada pelas campanhas eleitorais milionárias e financiadas por dinheiro que causa escândalos, mas simplesmente não consegue ser representativa dos interesses públicos. A sociedade é uma ilha cercada de problemas não-solucionados por todos os lados, mesmo que se pague boa dose de tributos e que embute os custos de generalizada e sistêmica corrupção.
O Uber da política brasileira bem que poderia aparecer no seio de uma oposição moderna e que quebrasse paradigmas. Todavia, falta-lhe os algoritmos que sinalizem eficiência nos custos e nos benefícios verdadeiramente públicos que pretendem produzir. No fundo, a oposição sequer gosta do povo, o qual é mero instrumento de uso político básico. As multidões que se manifestam, sem saber aonde ir. São os passageiros à espera de um transporte que não aparece, mesmo que cobre tarifa. Cadê o aplicativo?
É difícil reconhecer tudo isto, pois ninguém quer parecer ou ser pessimista. Além do mais, de vez em quando toca um axé ou um pagode no moderno Ipod que diverte a turma que gosta mesmo é de uma cervejinha e um pedaço de carne na brasa. Prá que a ambição de um país melhor quando vemos que este parece impossível à luz da Política que vigora?
O Uber é uma empresa jovem e arrojada que está ameaçando um setor arcaico e acostumado à própria rotina que congrega interesses os quais são mais privados que públicos. O Brasil é um país que envelhece e não ameaça ninguém de fora. Apenas faz penar os que aqui vivem saboreando o passado e sucumbindo ao futuro. Triste realidade. Mas, é a realidade.