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Sua propina, nossa vida

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Atualizado em 9 de fevereiro de 2015 13:17

Pode-se apontar muitas causas para a corrupção, mas estas são substancialmente mais incertas frente aos seus efeitos. Desde fatores culturais até a fragilidade das instituições dos Estados nacionais há uma gama multiforme de origens da corrupção. Neste campo de suas origens arqueológicas, modernamente a sociologia política e a antropologia tem sido relativamente eficazes em construir o porquê das relações entre corruptores e corruptos, mesmo que do ponto de vista econômico a sua avaliação seja mais difícil. Em todo caso, é a estrutura do Estado, baseada em determinada Ordem Jurídica que determina a eficiência em detectar e punir a corrupção. Estados mais frágeis são mais vulneráveis à ação daqueles que corrompem e são corrompidos. O que vulgarmente é chamado de "país corrupto" de fato significa "Estado fraco frente à corrupção". A natureza humana parece sujeita à tentação de se apropriar daquilo que é comum ou "do outro".

Já os efeitos da corrupção, estes tomam formas conhecidas e sujeitas à investigação científica o que permite que se construa alternativas preventivas e punitivas para esta atividade criminosa. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) lista alguns dos efeitos mais visíveis da corrupção:

(a) Aumento do custo de se fazer negócios, estimado em média em 10% por estudos promovidos pelo World Economic Forum;

(b) Devastação ou ineficiência do uso dos recursos públicos vez que a alocação de recursos dentro do sistema econômico acaba corroído por um processo decisório que não contempla plenamente critérios de eficiência econômica e social. Estima-se que países corruptos tem mortalidade infantil na média 30% superior a países com baixo nível de corrupção, a mortalidade infantil é duas vezes mais alta e a evasão estudantil chega a ser cinco vezes maior (Grupta e outros, 2001). Estima-se que ¼ do PIB dos países africanos sejam destinados à corrupção, algo em torno de US$ 150 bilhões. Mesmo nos EUA, programas de saúde governamentais perdem entre 5% e 10% de seus recursos para corruptos;

(c) Exclusão dos mais pobres dos serviços públicos e perpetuação da pobreza: o Banco Mundial estimou em 2005 que entre 20%-40% dos programas sociais de países em desenvolvimento são desviados para "paraísos fiscais".

Todos estes efeitos, como facilmente pode-se observar, acabam por contribuir para a desmoralização do Estado Democrático e Social de Direito, tornando os processos políticos (eleições, votações legislativas, julgamentos no Judiciário, seleção de projetos no Executivo, etc.) ilegítimos e pouco críveis. A população dos países passa a acreditar que a política tem por único objetivo surrupiar os recursos públicos e preservar o poderio econômico das classes superiores o que perpetua a desigualdade social. As eleições, em particular, e a democracia, em geral, são vistas como mero processo formal da política, sem que exista intrinsecamente significação material (do ponto de vista político-jurídico-econômico).

Dois estudiosos (Kaufman-Mastruzzi) estimaram em 2012 que a corrupção global deve gravitar em torno de USD 1,2 trilhão, o que significa algo como 2% do PIB global, estimado em USD 58 trilhões. Estudos das Nações Unidas, estimam que a corrupção e seus derivados criminais (evasão tributária, por exemplo) são da ordem de USD 1,0 até 1,6 trilhão (número próximo de Kaufman-Mastruzzi). Nos últimos 15 anos (encerrados em 2012) apenas USD 5,0 bilhões foram recuperados pelas autoridades responsáveis pela repressão das atividades ilícitas, valor irrisório frente aos desvios estimados. Isso espelha a enorme dificuldade das instituições estatais em fazer valer a punição, mesmo quando os fatos ensejam a importância da corrupção como elemento mitigador da eficiência econômica e jurídica. Por outro lado, fica claro que a atividade preventiva, baseada em sistemas de checks and balances do Estado, bem como um amplo programa de educação, é mais eficaz para nortear as políticas públicas em relação ao assunto.

No campo internacional as iniciativas são muitas e relativamente recentes - basicamente intensificadas nas últimas duas décadas. No âmbito das Nações Unidas destaca-se o UNCAC (United Nations Convention Against Corruption), com 140 países signatários. Tal tratado abrangeu compromissos nas áreas de criminalização e punição legal, cooperação internacional, recuperação de ativos e troca de informações (assistência técnica). O Banco Mundial e sua subsidiária IFC tem feito estudos sobre o assunto e recomendado governos e empresas que são financiados pela entidade multilateral a respeito do tema. A mesma atividade, desta feita no âmbito das empresas privadas, tem sido feita pelo CIPE - Center for International Private Enterprise e pelo CREATe - Center for Responsible Enterprise and Trade. Já no caso da OCDE, as atividades anticorrupção tem sido intensificadas, principalmente após a edição da "Convenção de Combate à Propina de Agentes Públicos nos Negócios e Transações internacionais". Tal Convenção foi assinada por mais de 75% dos países da OCDE, assim como seis países não-membros. Desta Convenção, da qual o Brasil é signatário, decorreram as obrigações e medidas que foram abrangidas pela Lei Anticorrupção do Brasil (lei 12.846/13) que alguns juristas insistem em dizer que "não está em vigor por falta de regulamentação" o que é completo absurdo.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), a União Africana, o World Economic Forum e a Transparência Internacional (com mais de 100 capítulos nacionais) também estão dentre as organizações que abarcam as atividades de criminalização, law enforcement, cooperação técnica e judicial e de estudos sobre o tema.

Como se vê a relevância da corrupção do ponto de vista político, legal e econômico (Politics & Law & Economics) demonstram a necessidade de um Estado com atividade holística na prevenção, punição e recuperação de recursos desviados. Todavia, nem diante de todas estes sinais e constatações, a atual administração da presidente Dilma Rousseff parece inclinada a mudar a sua atuação diante do escandaloso caso da Petrobras. Um erro grosseiro e descabido.

A corrupção na estatal brasileira alcança visibilidade jamais vista na história republicana do Brasil. Possivelmente, desvios como os que estão sendo espantosa e paulatinamente verificados na Petrobras, já tenham ocorrido. A presidente da República tem a oportunidade histórica de tornar o caso um novo paradigma de comportamento político-institucional perante a corrupção.

A alocação de recursos da empresa sofreu impacto significativo de ineficiência econômica, além de colocar às escâncaras as relações nefastas entre os interesses privados e públicos. Ali, na Petrobras, está a prova mais evidente da repercussão que a corrupção tem no sistema econômico, legal e político. O acanhamento presidencial diante dos fatos é assustador. Esperava-se da presidente um empenho institucional para que este caso não se repita. Para isto nos parece que a primeira mandatária do Brasil deveria garantir apuração extrajudicial cristalina por meio, dentre outras medidas, de uma renovada governança corporativa da empresa. Preferiu a presidente nomear uma equipe absolutamente dependente do ponto de vista político. Ora, aqui não se trata de saber se aqueles que assumem são honestos ou não. Se trata, isto sim, de adotar as práticas, as políticas, as punições e as medidas de saneamento e recuperação dos recursos desviados pela vasta corrupção nos melhores moldes que os Tratados e Convenções Internacionais recomendam. Além disso, a própria legislação brasileira precisa ser valorizada, tornando-a enforceable.

Ainda não se sabe ao certo as razões para tanta cegueira presidencial. Desconfia-se que a presidente ainda trata este processo na estreita avaliação de que é "preciso" controlá-lo. Ao que parece, nem os dados, fatos, realidade, legislação, estudos, evidências empíricas, os quais ilustramos de passagem neste artigo, são capazes de iluminar a mente presidencial para perceber que é preciso introduzir medidas radicais mediante os problemas gravíssimos da Petrobras os quais não devem ser os únicos dentro e fora o Estado brasileiro. O problema é geral e urgente.

Presidente, a propina de alguns, não pode prejudicar a vida de todos! Simples assim.