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Haverá crise institucional?

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Atualizado às 07:37

Depois da redemocratização do Brasil que ocorreu de fato com a finalização dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte em 1988 e a posterior eleição direta presidencial em 1989/1990, as instituições brasileiras amadureceram e hoje são consideradas como "sólidas" pela elite brasileira. Verdadeiramente, quando se fala de "instituições" há referência genérica ao pleno funcionamento do "Estado Democrático de Direito", conceito extremamente relevante, mas muito facetado, pois abarca o funcionamento regular dos três poderes, a obediência ao regime ao ordenamento jurídico por todos, incluso o Estado, a estabilidade social e o respeito ao pacto federativo, dentre tantos aspectos.

O Brasil desde 1988 não sofreu, a bem da verdade, nenhuma crise que colocasse as instituições sob a possibilidade, mesmo que teórica, de que as instituições não funcionassem segundo a previsão constitucional. Nem mesmo a grosseira retenção dos ativos financeiros quando da edição do tal Plano Collor atentou sobremaneira o regime constitucional. Os outros planos econômicos do período foram menos agressivos em relação aos direitos constitucionais (os quais foram protegidos pelo funcionamento dos poderes, especialmente o Judiciário). O impeachment do presidente Collor de Mello também foi feito pacificamente. As reformas parciais da Constituição de 1988 e o vasto plano de privatização do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso também funcionaram bem no que tange à estabilidade institucional do Brasil.

Apesar da instabilidade institucional ser de "interesse geral", o debate sobre o tema tem sido feito com pouca profusão na mídia, mesmo pela Academia, a qual deveria exercer o seu papel "crítico e de reflexão" para a sociedade. Todavia, o que se verifica é que este debate já ocorre dentro das cúpulas das empresas, apenas para citar um segmento relevante. Não são poucos os analistas da política brasileira que têm sido questionados a respeito do grau de uma "ruptura institucional". Pelas informações que dispomos, alguns respondem de forma muito abstrata valorizando a fortaleza das nossas instituições. Outros aguçam as dúvidas, "deixando no ar" a possibilidade da "ruptura", quiçá como "provável".

Parece-nos que o desenrolar dos fatos econômicos e políticos ensejam uma análise bem cuidadosa sobre a possibilidade de uma crise política de enorme repercussão. É claro que não se pode afirmar categoricamente que isto poderá levar a uma crise institucional. De outro lado, não se pode descartar tal hipótese.

Vejamos alguns fatos e aspectos que adicionam substancial insegurança ao cenário brasileiro:

1) A eleição da presidente Dilma Rousseff foi legítima sob o ponto de vista estritamente constitucional, mas a oposição e vastas parcelas da opinião pública e dos "formadores de opinião" tem questionado a legitimidade "política". Este questionamento decorre do fato (verdadeiro) de que a vitória da presidente foi obtida por pequena margem de votos, bem como da incongruência entre as medidas iniciais de sua nova administração e a sua pregação prosélita da campanha;

2) A base de apoio da presidente no Congresso está esgarçada, seja pela luta dos partidos por espaços no governo, seja em função da luta pelo poder dentro do Legislativo pelas "forças aliadas", desde as comissões legislativas até a eleição da Câmara dos deputados;

3) O PT, principal partido da coalizão e do qual a presidente é filiada, está adicionando riscos ao cenário ao propugnar por mais cargos e por atacar, veladamente ou não, a política econômica do governo;

4) O ex-presidente Lula, seja pelo seu interesse na próxima eleição, seja por outros interesses inconfessáveis, está atraindo para si "movimentos sociais", sindicatos e algumas parcelas de poder político, que colocam em dúvida o seu apoio pessoal e do PT à presidente;

5) A classe política, especialmente o Congresso Nacional, é vista pelos seus próprios eleitores (o que é um paradoxo!) como desinteressada dos assuntos públicos. De fato, a política está infestada de corrupção, lobbies, interesses menores e meramente elitorais, etc. Todavia, a política é absolutamnte necessária para as transformações do país;

6) As denúncias de corrupção na Petrobras trouxeram efeitos inéditos e inesperados, pois evidenciou não somente os beneficiados, mas os financiadores da corrupção;

7) Os financiadores da corrupção política são importantes players econômicos, pois se tratam de empreiteiras que atuam nas principais obras do país e nos projetos da Petrobras. Isto pode prejudicar o crescimento, mesmo que seja justo que tais empresas sejam punidas exemplarmente;

8) A seca no Sudeste e suas consequências no fornecimento de água e energia elétrica, é inédita. Os efeitos não serão apenas econômicos como no "apagão" do governo FHC, mas sociais e psicossociais. Suas consequências políticas são absolutamente imprevisíveis;

9) O Brasil viverá a primeira recessão depois da mais importante incorporação de "novos consumidores" da história republicana, dentro de um ambiente democrático. Os efeitos de uma possível recessão sobre as classes mais pobres serão fundamentais para o governo Dilma;

10) As medidas econômicas lançadas pelo governo por meio de seu ministro da Fazenda (considerado "tucano") terão efeitos recessivos importantes no curto e, quiçá, no médio prazo (dois anos). A presidente parece distante deste processo. Não tem sido vista a frente da divulgação das medidas;

11) O Brasil simplesmente saiu da pauta dos investidores internacionais e assim deve permanecer, talvez por alguns anos;

12) Os problemas estruturais da economia brasileira, no que tange ao desenvolvimento e não somente em relação ao "crescimento" não podem ser solucionados dentro da atual estrutura política. Há incompatibilidade absoluta entre a manutenção do federalismo contido na Constituição, o sistema tributário (tributos e isenções), os gastos orçamentários, o sistema previdenciário, etc., e o sistema presidencialista de "coalizão". As reformas não são apenas mitigadas; simplesmente são impossíveis de serem implementadas;

13) As metrópoles brasileiras, formadas por processos de conurbação desordenada se tornaram altamente demandantes de recursos humanos e financeiros incompatíveis com a sua capacidade orçamentária, seu endividamento e qualidade gerencial. Os problemas de criminalidade, saúde e transporte público elevam sobremaneira as tensões sociais as quais podem se tornar incontroláveis;

14) O Brasil se tornou cronicamente deseducado. Não apenas as classes mais pobres são afetadas pela ignorância, mas parcelas importantes da classe média. Além dos problemas sociais e econômicos sistêmicos que decorrem deste fato, do ponto de vista político há baixa compreensão popular sobre o processo político. Desta forma, as "revoltas" sociais não encontram respaldo institucional suficiente para que as soluções possam fluir;

15) A classe média mais educada, somadas a classe de renda mais elevada, são francamente opositoras ao atual governo. A mídia mais importante do país está verbalizando, de forma crescente, este descontentamento.

Poderíamos ampliar ainda mais a lista de riscos à estabilidade, não apenas do ponto de vista conjuntural, mas também institucional. Obviamente, não estamos traçando prognósticos. Apenas estamos reconhecendo que essa "lista" tem potencial de proporcionar riscos muito além das variáveis usuais da política econômica, social e da ação política do Poder Estatal. Não podem apenas ser subestimadas das avaliações que os agentes fazem de seus interesses. Deveriam ser objeto de debates públicos da classe política, das associações, da Academia, da mídia e assim por diante.

Há quem tema protagonizar este debate para não parecer "profeta do apocalipse" ou "conspirador". Nada mais enganoso e falso. O Brasil está vivendo uma tensão latente e perigosa. O debate aberto sob as luzes da democracia é o melhor meio para se evitar processos de rupturas institucionais. É melhor questionar publicamente sobre a solidez das instituições brasileiras que se defrontar com uma crise, digamos, de verdade.